Menu

Folha de S.Paulo

Antunes Filho critica “teatro de compadres”

29.12.2004  |  por Valmir Santos

São Paulo, quarta-feira, 29 de dezembro de 2004

TEATRO
Diretor reclama de critérios da Lei do Fomento de SP e fala sobre nova montagem de “Antígona”

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local 

“Vem cá: onde é que vocês vão à noite, nos botequins? Vou começar a freqüentar. Estou voltando à sede de brigar”, anuncia José Alves Antunes Filho, 75. Quem, dos anos 80 para trás, viu e ouviu o diretor teatral aos gritos em saguões ou platéias, desancando espetáculos que considerava ruins, não estranha os ânimos ressuscitados.

Antunes Filho critica o Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo (2002), uma conquista da classe por meio do movimento Arte contra a Barbárie (R$ 7,2 milhões neste ano).

Questiona critérios das comissões e fato de grupos serem contemplados mais de uma vez (Oficina, Folias, Engenho, Vertigem, Fraternal, Cemitério de Automóveis, As Graças etc.). “Está virando o teatro dos compadres”, diz.

O coordenador do Centro de Pesquisa Teatral (CPT), mantido pelo Sesc-SP, também fala (pouco) de “Antígona”, terceira incursão pela tragédia grega.

Uma das novidades da montagem, que deve estrear entre março e maio de 2005, é a introdução de um coro feminino, as bacantes, na história que Sófocles escreveu há cerca de 2.500 anos. Baco, divindade romana também conhecida por Dioniso entre os gregos, surge como personagem.

Filha de Édipo, cuja estirpe é amaldiçoada, Antígona tenta driblar o decreto do rei de Tebas, Creonte, que proíbe na cidade o enterro do irmão dela, Polinice, morto em combate com outro irmão, Eteocle.

Folha – Em São Paulo, uma mobilização da classe teatral resultou na Lei do Fomento….

Antunes Filho –
… Pena que isso só seja feito para conseguir verbas, e não para criar um simpósio cultural para discutir o ator, o papel do diretor, o papel do crítico, o papel do autor. É importante a lei, conseguir essa verba, desde que vá propiciar a sua pesquisa. Mas as pessoas que estão recebendo fazem um teatro de maneira tradicional. Isso não é correto, deveria dar um puxão de orelha, ter uma avaliação. Como seria a avaliação no teatro, hein? Seria gozado… Em nome da inclusão, está entrando tudo. Está entrando e sufocando, jogando pela janela os antigos. É uma inclusão cega.
 

Folha – O fomento está em vigor há pouco mais de dois anos. Não seria uma questão de aprendizado, de ajustes?

Antunes
Precisa cair a ficha, ter mais um pouco de consciência. Estamos sendo permissivos. Não libertadores, mas libertinos. Você sabe que eu não sou do teatrão, então posso falar do lado de cá. O teatro de pesquisa deve ser mais bem avaliado. Não é qualquer coisa, qualquer um que vai lá e faz. A administração do PT foi boa, mas deveria ter tido mais critérios. Foi muito partidária. O que me chateia no PT é essa coisa dos partidários, de não dar chance aos outros. Não é comigo, mas com uma porção de gente maravilhosa que faz teatro e não teve chance, não recebeu nenhum tostão, foram discriminados. E tem pessoas que receberam três, quatro vezes. Por que a inclusão só para os partidários? Eu lamento isso. Se continuasse na prefeitura, a Marta [Suplicy], o [Celso] Frateschi, eu tenho certeza de que eles iriam modificar os critérios.

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

Relacionados