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Folha de S.Paulo

Circo invade o teatro em Belo Horizonte

10.8.2005  |  por Valmir Santos

São Paulo, quarta-feira, 10 de agosto de 2005

TEATRO 
Em sua terceira edição, Festival Mundial de Circo do Brasil assume palco italiano e traz duas atrações da África

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local 

Publicações dedicadas ao teatro contemporâneo ganharam novas edições no fim de 2005 e neste começo de ano no Rio, em São Paulo e em Belo Horizonte.
Iniciativa do grupo carioca Teatro do Pequeno Gesto, a revista “Folhetim” nº 22 é dedicada ao projeto “Convite à Politika!”, organizado ao longo do ano passado. Entre os ensaios, está “Teatro e Identidade Coletiva; Teatro e Interculturalidade”, do francês Jean-Jacques Alcandre. Trata da importância dessa arte tanto no processo histórico de formação dos Estados nacionais quanto no interior de grupos sociais que põem à prova sua capacidade de convivência e mestiçagem.
Na seção de entrevista, “Folhetim” destaca o diretor baiano Marcio Meirelles, do Bando de Teatro Olodum e do Teatro Vila Velha, em Salvador.
O grupo paulistano Folias d’Arte circula o sétimo “Caderno do Folias”. Dedica cerca de 75% de suas páginas ao debate “Política Cultural & Cultura Política”, realizado em maio passado no galpão-sede em Santa Cecília.
Participaram do encontro a pesquisadora Iná Camargo Costa (USP), os diretores Luís Carlos Moreira (Engenho Teatral) e Roberto Lage (Ágora) e o ator e palhaço Hugo Possolo (Parlapatões). A mediação do dramaturgo Reinaldo Maia e da atriz Renata Zhaneta, ambos do Folias.
Em meados de dezembro, na seqüência do 2º Redemoinho (Rede Brasileira de Espaços de Criação, Compartilhamento e Pesquisa Teatral), o centro cultural Galpão Cine Horto, braço do grupo Galpão em Belo Horizonte, lançou a segunda edição da sua revista de teatro, “Subtexto”.
A publicação reúne textos sobre o processo de criação de três espetáculos: “Antígona”, que o Centro de Pesquisa Teatral (CPT) estreou em maio no Sesc Anchieta; “Um Homem É um Homem”, encenação de Paulo José para o próprio Galpão, que estreou em outubro na capital mineira; e “BR3”, do grupo Teatro da Vertigem, cuja previsão de estréia é em fevereiro.
Essas publicações, somadas a outras como “Sala Preta” (ECA-USP), “Camarim” (Cooperativa Paulista de Teatro”) e “O Sarrafo” (projeto coletivo de 16 grupos de São Paulo) funcionam como plataformas de reflexão e documentação sobre sua época.
Todas vêm à luz com muito custo, daí a periodicidade bamba. Custo não só material, diga-se, mas de esforço de alguns de seus fazedores em fomentar o exercício crítico, a maturação das idéias e a conseqüente conversão para o papel -uma trajetória de fôlego que chama o público para o antes e o depois do que vê em cena.
Folhetim nº 22
Quanto: R$ 10 a R$ 12 (114 págs)
Mais informações: Teatro do Pequeno Gesto (tel. 0/xx/21/2205-0671; www.pequenogesto.com.br)
Caderno do Folias
Quanto: R$ 10 (66 págs)
Mais informações: Galpão do Folias (tel. 0/xx/11/3361-2223; www.galpaodofolias.com)
Subtexto
Quanto: grátis (94 págs; pedidos por e-mail: cinehorto@grupogalpao.com.br)
Mais informações: Galpão Cine Horto (tel. 0/xx/31/3481-5580; www.grupogalpao.com.br)

Além da acrobacia semântica no nome, o Festival Mundial de Circo do Brasil deixa cada vez mais gente de boca aberta e olhos arregalados em Belo Horizonte

Não só pelas atrações nacionais e internacionais, mas pelo formato amadurecido em cinco anos.

A terceira edição, realizada de hoje a domingo, deseja suplantar a noção de mera vitrine das artes circenses e consolidar-se como encontro que sabe conjugar entretenimento, reflexão e formação, para ficar em três pés.

Dos quatro artistas internacionais deste ano, por exemplo, não há representantes do novo ou velho e bom circo, como a França, a China ou talvez o Canadá (sede da famosa “usina” do Cirque du Soleil), acolhidos em 2001 e 2003, mas uma dobradinha que vem de Gana, na África, especificamente da capital Acra: o trio do Osibisa Acrobats e uma espécie de “one man show”, Oppon Dickson.

Segundo a organização, Dickson bebe 4,5 litros d’água em segundos e depois jorra como uma fonte durante um show de truques com fogo. Encarna a expressão do artista de rua africano.

Idem os acrobatas conterrâneos Alfred Petu, Benjamin Gyamfi e George Lamptey Odärtey, que armam saltos, pirâmides e contorcionismo ao som de ritmos nativos, habilidade colada ao humor.

Circo no teatro
Outro aspecto importante na programação do festival é a ruptura com um preconceito, como reconhece a coordenadora Fernanda Vidigal, 33.

Pela primeira vez, o festival não só flerta incestuosamente com a linguagem do seu irmão teatro, como também ocupará dois palcos italianos.

“Tínhamos certo preconceito e vimos que é era uma bobagem. O circo-teatro é tão importante quanto”, diz a coordenadora, a espelhar autocrítica do meio.

Prova disso é a presença do Circo Zanni, projeto paulista que, desde 2003, une artistas das primeiras gerações de escolas de circo do país, como a Picadeiro. São números tradicionais recriados sob lona decorada com luzinhas e chão coberto por serragem.

“O Zanni lança um novo olhar, mas dialoga com a tradição, apesar de não ser uma família circense, como ocorre à maioria dos circos sob lona no Brasil”, diz Vidigal. O nome do coletivo é uma referência a um dos matizes da Commedia Dell’Arte na Itália do século 16 (o zanni eqüivaleria ao bufão), quando era comum mambembar para levar a arte de cidade em cidade.

Por falar nisso, o festival costuma demarcar território à parte em Belo Horizonte: a Cidade do Circo. Ela está localizada no Centro Cultural Casa do Conde de Santa Marinha, no centro.

Em torno do circo
Em meio aos espetáculos, há espaço para exposições e lojas especializadas em circo.

É lá que será lançado amanhã, às 16h, um livro fundamental, “Circo Nerino” (Pindorama Circus/Editora Códex), um dos finalistas do Prêmio Jabuti 2005 na categoria reportagem e biografia, escrito a quatro mãos pela atriz e especialista Verônica Tamaoki e por Roger Avanzi, 82, o palhaço Picolino 2, filho de Nerino Avanzi (1886-1962), cuja lona subiu e desceu entre 1913 e 1964, percorrendo vários Estados.

Também foi montado cabaré para as noites da Cidade do Circo, de amanhã a sábado, sob comandado de DJs como o pernambucano Dolores. No último dia, haverá canja dos artistas ganenses com o grupo Tambor Mineiro.

 

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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