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Folha de S.Paulo

“Vernissage” e “A Audiência” desnudam show das aparências

18.8.2005  |  por Valmir Santos

São Paulo, quinta-feira, 18 de agosto de 2005

TEATRO

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local 

Não bastasse a imagem no poder, os tempos de “operação narciso” mandam mostrar tudo o que convém. O poeta, dramaturgo e ex-presidente da República Tcheca (antiga Tchecoslováquia), Vaclav Havel -no poder entre 1989 e 2003-, já escancarava isso lá no Leste Europeu dos anos 70 -antes do apogeu do império do aparecer sobre o ser-, numa das suas peças que deixam de ser inéditas no Brasil a partir de hoje, com a estréia de “Vernissage” no teatro do Sesi Vila Leopoldina, na zona oeste.

A diretora Soledad Yunge e a cia. 3 de Sangue já haviam anteriormente montado “A Audiência” (2000), que volta a entrar em cartaz na seqüência das três semanas de “Vernissage”. As duas peças compõem, assim, um pequeno, pioneiro e significativo repertório da obra de Havel, 68.

Nas duas histórias, surge Vanek (sempre interpretado por Edu Guimarães), dramaturgo e alter ego de Havel. Para sobreviver à crise econômica, o personagem intelectual trabalha numa cervejaria, armazenando a bebida em barris.

Em “A Audiência”, ele é coagido pelo chefe estúpido (interpretado por Laerte Mello) a descrever suas atividades atuais, patrulhamento ideológico na base faustiana do “eu coço as costas dele, ele coça as minhas e eu coço as tuas”, como argumenta o superior que acena com promoção. Assim como o Brasil vê autoridades e políticos que põem a alma à venda.

O assédio moral ganha proporções sexuais em “Vernissage”. Certa noite, Vanek é convidado por um casal que se diz amigo, Vera e Michael (por Vera Kowalska e Marcos Cesanae) para conhecer o apartamento que acabaram de reformar, superdecorado para a devida exposição.

Segue-se um strip-tease pequeno burguês, elogio da família e da propriedade; e dá-lhe julgamento e desprezo ao outro.

A casa como porto seguro. O filho como esteio. A comida como exemplo da boa e servil dona-de-casa. O excesso de “carinho” que o casal diz nutrir pelo amigo chega ao cúmulo da exibição de sua performance sexual para o pobre coitado que não vive bem com a mulher (Eva, oculta na peça) e anda mal acompanhado por colegas comunistas. Tudo segundo a ótica do “casal-modelo”.

Vanek chega a ser tachado de egoísta, insensível, ingrato e traidor. Tudo por resistir à engrenagem -ou pelo simples ato de tentar resistir.

“”Para que existam, Vera e Michael necessitam de fazer esse show para alguém. Numa vida em função de padrões, ter filhos é a mesma coisa que comprar uma peça de roupa”, explica a diretora Soledad Yunge, 38. Uma vida que parece ser tão utilitária quanto o descascador de amêndoas elétrico que o marido comprou em viagem à Suíça.

Yunge também assina outra peça na cidade, “A Dança do Universo”, com a cia. Arte Ciência no Palco, em cartaz no teatro João Caetano.



Vernissage
Quando: estréia hoje, às 20h; qui. a sáb., às 20h; dom., às 19h. Até 4/9
Onde: Sesi Vila Leopoldina – teatro (r. Carlos Weber, 835, tel. 3822-1066)
Quanto: entrada franca

A Audiência Quando: de 8/9 a 7/10; qui. e sex., às 20h
Onde: Sesi Vila Leopoldina
Quanto: entrada franca

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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