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Folha de S.Paulo

Galpão encena preço da alma segundo Brecht

23.3.2006  |  por Valmir Santos

São Paulo, quinta-feira, 23 de março de 2006

TEATRO 
Paulo José dirige o grupo mineiro em “Um Homem É um Homem”, que passou pelo festival de Curitiba e estréia em São Paulo 

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local 

Nos anos 60, Paulo José adaptou “Um Homem É um Homem”, uma comédia de Bertolt Brecht (1898-1956) que dissocia o estômago da moral e cola o negócio à alma, com fortes influências do cabaré, do circo e do teatro de rua. Cerca de quatro décadas depois, o ator e diretor volta ao texto e encontra no grupo Galpão o caminho seguro para uma comunicação direta com a platéia.

O espetáculo participou do Festival de Teatro de Curitiba (FTC) no final de semana e faz temporada em São Paulo a partir de amanhã, no Sesc Anchieta.

Segundo José, 68, “Um Homem É um Homem” (1927) não é uma peça que se explique facilmente. “É que foi escrita por um poeta. Brecht não se segura nos limites convenientes do drama. Ele se espraia”, diz o diretor que também dirigiu “O Inspetor Geral” (2003), do russo Gogol, com o Galpão.

“Brecht brinca com a linguagem do teatro, ele é muito jocoso nesse texto de passagem entre o Brecht expressionista e o dialético, o que caminha depois para o teatro épico”, diz o ator Eduardo Moreira, 44, um dos fundadores do grupo de Belo Horizonte. “É um texto híbrido, difícil de encontrar o tom entre o cabaré, o cinema mudo, influências do [cômico alemão] Karl Valentim.”

Com uma carreira profundamente influenciada pelo pensamento de Brecht, Paulo José quer reforçar o vínculo político com o mundo contemporâneo em duas frentes: a anulação do indivíduo diante dos interesses coletivos e a atuação de forças militares que ditam regras em quintais alheios.

O enredo mostra como o estivador Galy Gay, um homem simples (interpretado por Antonio Edson), se deixa mudar de identidade e vira soldado de um grupo de metralhadoras do Exército que invade seu país. O que em princípio ele acreditava tratar-se de uma brincadeira em troca de charutos, revela-se um grande equívoco.

“Nosso ratinho de laboratório vai aprender como viver é perigoso”, diz um dos soldados da tropa que convencem Galy Gay a vestir a farda -e a carapuça.

O espetáculo foi concebido tanto para o picadeiro quanto para o palco italiano, com platéia frontal. São 11 atores em cena, que também cantam ou tocam composições originais de Paul Dessaun e citações de Kurt Weill.

Cena mineira
A presença do Galpão em Curitiba combina com a safra de novos grupos de Belo Horizonte que despontaram na mostra paralela do festival, o Fringe. É o caso da Cia. Clara, que veio ao festival em 2004 com “Coisas Invisíveis” e retorna com “Cinema”, ambos dirigidos por Anderson Aníbal. Outro destaque é o grupo Espanca!, revelado em 2005 com “Por Elise” e guindado à Mostra Oficial com “Amores Surdos”, também dramaturgia de Grace Passô, agora dirigida por Rita Clemente. Os dois conjuntos são embrionários de projetos do Galpão Cine Horto, referência na cena mineira.



O jornalista 
Valmir Santos e a repórter-fotográfica Lenise Pinheiroviajam a convite da organização do FTC 

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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