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Folha de S.Paulo

Gabriel Villela deixa cair máscaras da convenção

3.8.2006  |  por Valmir Santos

São Paulo, quinta-feira, 03 de agosto de 2006

TEATRO 
Encenador mineiro estréia texto com forte crítica social, do alemão Büchner 

Comédia “Leonce e Lena”, em cartaz no Sesc Paulista, estabelece relação de “desesperança” com o país e com a geração do diretor

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local 

Há 14 anos, o grupo Galpão e o diretor Gabriel Villela foram transformados pela experiência da criação de “Romeu e Julieta”. Eles trouxeram à luz uma leitura popular da tragédia dos jovens amantes de Shakespeare segundo a tradição do circo-teatro, com atalhos, entre outros, para Guimarães Rosa. 

Em fase autodefinida niilista, Villela agora vai ao autor alemão Georg Büchner (1813-37) para dissipar qualquer crença romântica. “Leonce e Lena” estréia hoje no Sesc Avenida Paulista, para convidados -a temporada começa amanhã. O texto, traduzido por Christine Röhrig, é uma comédia com entrelinhas de fábula sobre os desencontros de um casamento arranjado. O príncipe Leonce (Luiz Päetow) e a princesa Lena (Ana Carolina Godoy) pertencem a reinos distintos. Em meio ao tédio de suas vidas (e do poder), vão se conhecer num outro território. 

Enamoram-se e se casam sempre mascarados, sem saber de suas condições de nobreza. As máscaras, tão caras à obra do encenador mineiro, só vão cair no final, embaralhando identidades e predestinações. 

Se em Shakespeare o amor não sobrevive ao jogo político dos clãs, em Büchner o objeto amoroso também morre diante das convenções. Correlação de “desesperança” que Villela estabelece com seu país, sua geração. 

“É muito difícil ter 47 anos e ver que a juventude já foi. É natural, mas não melhorou nada no país, só piorou. A gente nem chegou a ver o Paraíso do ponto de vista da contracultura dos anos 70. Nascemos sob a ditadura militar, não pudemos fazer um teatro político, engajado, exercitar algumas coisas, despirocar um pouco, fazer happening”, diz o encenador. 

Tempo de revisões. “Nos anos 80, pegamos o portão fechando pela Aids, o isolacionismo estético dos diretores. Nos anos 90, até houve o reencontro dos diretores com dramaturgos e atores. E confesso que chego a 2006, olho para o Brasil e vejo esta metáfora, e não só aqui, mas no mundo: estão descascando as camadas da cebola, a caixa dentro da caixa, o vazio, como bem cita Büchner. Inventam-se assuntos, um atrás do outro, mas o projeto faliu.” 

Villela quer traduzir essa percepção nas chaves da paródia e do escracho. A começar pelo espaço cenográfico concebido por J.C. Serroni, todo ele sob invólucro de caixas de papelão, das paredes ao chão. Inclusive as cem poltronas que ocupam quatro módulos em arena foram confeccionadas com o mesmo material. 

Para desfilar a fábula em que o poder e as pessoas “estão festejando e morrendo”, há ainda projeções de trabalhos do artista mineiro Farnese de Andrade e uma fusão de minueto, que crispa gestos aristocráticos, com cancioneiro popular (com direção musical de Babaya). 



Leonice e Lena
Quando:
estréia amanhã, às 21h; qui., às 17h; e sex., sáb., e dom., às 20h 
Onde: Unidade Provisória Sesc Avenida Paulista – 10º andar (av. Paulista, 119, tel. 0/xx/11/3179-3700) 
Quanto: de R$ 7,50 a R$ 20

 

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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