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contracena

O ator Antunes Filho

4.5.2011  |  por Valmir Santos

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Por Valmir Santos

 

O diretor que devota a arte do teatro ao ator torna-se cada vez mais um deles. Ator do teatro do homem José Alves Antunes Filho, de 81 anos, cujo carisma e desenvoltura para catalisar a cena e negociar com sua introversão nata os artistas participantes da Mostra acompanharam nas duas horas e dez minutos de conversa na tarde de sábado. O tablado da Sala Adoniran Barbosa, no Centro Cultural São Paulo, foi tomado pelo desempenho solo de Antunes Filho, os gestos espargidos, o vozeirão dilatado do criador da antológica montagem de Macunaíma, em 1978, adaptação da epopeia medieval homônima do escritor Mário de Andrade. A repercussão daquele espetáculo, a revolução no treinamento e nas soluções para ocupar o palco vazio e, súbito, preenchê-lo com um coro, entre outras razões, lhe rendeu o convite do Serviço Social do Comércio (Sesc-SP) para a coordenadoria do Centro de Pesquisa Teatral, o CPT, no qual está desde 1982, conduzindo o trabalho de formação em paralelo às montagens do Grupo de Teatro Macunaíma.

 

No início da conferência, ele disse que não tinha elaborado sua fala e abriria para perguntas. Mas logo desatou a demonstrar seu lado ator, que não é de hoje, os subtextos ao expor como a projeção da fala deve vir casada à respiração e não virar apenas ressonância. Ambiciona o ator que enuncie no fundo do palco e seja escutado pela “última senhora surda da última fila”. O bom humor oxigena citações a Theodor Adorno, a Zygmunt Bauman, a Constantin Stanislavski, a Bertolt Brecht, a Kazuo Ohno, etc.

Para Antunes, ator tem de trabalhar na superfície do sentimento. Se não enfrentá-lo, se afoga. E Lee Thalor, protagonista das últimas criações do CPT/Macunaíma, como Policarpo Quaresma, A falecida vapt vupt e A pedra do reino, o acompanhava para assegurar que, sim, é preciso ser senhor do imaginário em cena, fruir como se algas marítimas. “Com esse desequilíbrio constante do exercício da Bolha, o ator depura sua sensibilidade e aciona o seu imaginário”, afirma Thalor.

 

De volta ao mestre. “Estou com minha resistência aqui ou estou representando?”, pergunta Antunes passeando os olhos fixamente nos olhos dos espectadores.

 

Ele gosta de conflito. Opõe o mimético, sujeito que representa e não tem identidade, diz, ao ator épico, aquele que comporta sabedoria, que vem trazer a boa-nova aos interlocutores aos quais se irmana.

 

O diretor declara-se “perdido” nos tempos atuais, tomados pelas incertezas e pelas elipses (supressão de um termo que pode ser facilmente subentendido pelo contexto linguístico ou pela situação). “Não vejo o novo, vejo a novidade, essa que está no campo do descartável, no balcão”. Diz que não abre mão da condição humana. “Haja o que houver, quando um assassino se vê diante de uma criança que corre risco, ele vai socorrê-la. A coisa mais profunda que temos é a solidariedade”, pondera.

 

No âmbito dos temas sociais e políticos correntes na Mostra, Antunes afirma que seu trabalho sempre foi orientado para o social, centrado na discussão do homem brasileiro – e universal –, diz jamais sucumbir à forma pela forma.

 

“Não podemos nos esquecer da técnica, ela é fundamento principalmente para quem vai fazer teatro social e tem que ser modelo, tem que estar qualificado moralmente para falar à comunidade, tem que ser campeão mundial de ator”, diz Antunes, mais uma vez gerando risos.

 

Numa das passagens do encontro, dispõe cadeiras em torno de um círculo imaginário – já que o giz chegou depois – e tratou o núcleo da circunferência por “minha mente, meu computador, minha secretária”. “Meu trabalho é racional e alimentado por uma noção de totalidade”, diz, assimilada em contato com o dançarino Kazuo Ohno.

 

Antunes pede aos atores de grupo que leiam livros e não se rendam aos resumos da rede mundial de computadores. Diz que o trabalho de ator não está sendo discutido com profundidade, nem nas universidades. Acredita que os críticos de teatro não estão bem preparados, não têm clareza de que são, também, “um orientador cultural”.

 

E se alguém foi ouvi-lo em busca de um guru, ele emenda a anedota do sujeito que peregrinou pela Índia, foi indicado para ir ao Egito e, de lá, para Varsóvia, até se dar conta – e ouvir – que a viagem é mais importante do que o seu arauto.

(Publicado originalmente no jornal latino-americano, que circula durante a Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo, 6ª edição, 1°/5/2011, capa)

 

Centro de Pesquisa Teatral – CPT e Grupo Macunaíma

 

6ª Mostra Latino Americana de Teatro de Grupo

 

 

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Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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