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contracena

Oração ao pai e aos ancestrais

17.9.2011  |  por Valmir Santos

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Em nova temporada no Teatro Augusta, em São Paulo, a peça mais recente do dramaturgo Samir Yazbek traz a percepção do quanto ele vem lapidando o ofício de diretor, uma conjugação cada vez mais comum nos dias atuais. A cena sintetiza a força do texto sobre as memórias revolvidas de uma família de imigrantes libaneses, tudo a ver com a ascendência do autor.

A sagração ou questionamento aos símbolos paternos são esparsos, mas significativo na sua trajetória. Em As folhas do cedro, o dramaturgo nascido e criado em São Paulo compõe uma geografia afetiva do passado para sublinhar o presente. E o faz desde o coração da Amazônia brasileira, roçando a história do país no limiar dos anos 1970.

O ponto de vista nuclear é o da escritora que remonta à barriga da mãe, 40 anos atrás, e imagina o contexto em que se deu a separação. Ela não conviveu com o pai. O comerciante deixou mulher e filhos na cidade grande. Rumou para o norte do país para sonhar a construção da rodovia Transamazônica e se deixou encantar pela floresta e pela sua gente.

Uma das virtudes do texto é a estrutura polissêmica, a lembrar a poesia e a vida dos heterônimos de Fernando Pessoa na premiada montagem de O fingidor (1999), a peça que projetou Yazbek – ele já era diretor também. A voz da escritora – seu alterego – abre passagens no tempo e no espaço aos demais personagens. A jornada mítica inclui um engenheiro, por Douglas Simon, consciente da ditadura militar e dos obstáculos à rodovia que atravessaria vários estados, assim como a narradora ao enredo. Uma indígena, por Mariza Virgolino, de quem o desbravador se enamora. E uma gerente de hotel, por Rafaella Puopolo, vinda da Alemanha. Há ainda a terna presença de uma menina, por Marina Flores, sentada à margem da arena e cuja placidez no rosto e no olhar irradia a criança que já foram um dia a filha, a mãe e seus laços com a cultura árabe.

Mas é no tripé familiar pai/mãe/filha que as atuações se sobressaem. Helio Cicero, Daniela Duarte e Gabriela Flores, respectivamente, conduzem o espectador nessa viagem com a espiritualidade que o teatro pode alcançar com sofisticação. Isso pode ser tributado, em parte, à preparação de ator de Antônio Januzelli, o pedagogo que investiga estados corporais.

Com a equidistância que a realidade biográfica e a ficção concedem às artes, Yazbek percebe o próprio texto por meio de outras lentes e ouvidos da equipe, parte dela parceira antiga, anterior ao nascimento da Companhia Teatral Arnesto nos Convidou, em 2007.

Leia aqui a crítica publicada na revista Bravo!, bem como o serviço da temporada que vai até 29 de setembro.

 

(17 de setembro de 2011)

 

 

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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