Menu

Entrevista

Pesquisadores propõem novos ângulos para a história do teatro brasileiro

9.10.2012  |  por Valmir Santos

Foto de capa: Valmir Santos

A seguir, entrevista realizada por email com o professor e pesquisador João Roberto Faria, titular de literatura brasileira na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

Faria acaba de lançar História do teatro brasileiro: volume I – Das origens ao teatro profissional da primeira metade do século XX (Vários autores. Ed. Perspectiva e Edições Sesc SP; 502 págs., R$ 95). O projeto editorial que dirige constitui ambicioso e rigoroso estudo de equipe planejado desde 2002 com o professor emérito e editor J. Guinsburg, também da USP.

Na introdução, Faria reivindica “uma nova história do teatro brasileiro” com a consciência de abordar o texto dramático e a cena conjuntamente. Almeja recuperar o atraso da historiografia do teatro em relação à historiografia da literatura brasileira. “Por atraso, entendo o seguinte: ao longo do século XIX nossa literatura foi objeto de vários estudos críticos e historiográficos, os primeiros feitos com regularidade no país, nos quais se estabeleceu o cânone relativo aos gêneros épicos e lírico que serviu de base às histórias literárias do século XX. (…) No caso do teatro, vale dizer que a dramaturgia – apenas a dramaturgia, não a arte do espetáculo – sempre foi um apêndice dessa historiografia, não merecendo, até 1904, nenhuma obra específica”.

Coordenador da coleção “Dramaturgos do Brasil”, da editora WMF Martins Fontes, e autor de Ideias teatrais: O século xix no Brasil (2001), Faria cumpre temporada de pesquisa em pós-doutorado na University of Wisconsin (Madison, EUA).

Capa do livro dirigido por Faria - Reprodução

Capa do livro dirigido por Faria

TeatrojornalDois aspectos parecem cruciais à História do teatro brasileiro: o pioneirismo em construir uma narrativa, preenchendo lacunas imensas, e a adesão empenhada dos departamentos de artes cênicas das principais universidades do país. A pesquisa e o embasamento científico constituem o princípio e a plataforma desse projeto editorial?

João Roberto Faria – Os dois aspectos apontados por você estão presentes na nossa História do teatro brasileiro. Com o incremento da pesquisa em artes cênicas nos cursos de pós-graduação de todo o país, conhecemos hoje o nosso passado teatral com detalhes que escaparam aos historiadores de 30 ou 40 anos atrás. Há muita gente estudando o teatro brasileiro. Dissertações e teses sobre os aspectos mais variados da nossa vida cênica tornaram possível preencher lacunas e construir a história do nosso teatro numa narrativa mais completa. Até pouco tempo atrás, o século XIX era estudado apenas pela sua dramaturgia, exceção feita às biografias do ator João Caetano que nos permitiam compreender algo da interpretação romântica. Hoje, temos um panorama completo do período no primeiro volume da História do teatro brasileiro, visto tanto pela dramaturgia quanto pelas condições do espetáculo teatral, estilos de interpretação, artistas principais, ideias críticas, presença de artistas estrangeiros nos palcos do país, companhias dramáticas e seus empresários. Os capítulos que tratam desses assuntos foram escritos com base em pesquisa rigorosa, por especialistas que têm sólida formação intelectual. O mesmo vale para os capítulos que dizem respeito à primeira metade do século XX: eles captam a continuidade e o esgotamento da forma de fazer teatro do século anterior, daí tratarem também da dramaturgia que não se modernizou, das companhias dramáticas, ensaiadores e artistas que insistiram em preservar os velhos modelos de organização e construção do espetáculo teatral.

Teatrojornal Por que a dramaturgia surge como eixo? É ela que tradicionalmente fundamenta as historiografias de outros países?
Faria – Esta História do teatro brasileiro não é uma história da dramaturgia brasileira. Todos os aspectos da vida cênica foram contemplados. Acontece que por vezes a dramaturgia se impõe, ou porque num determinado período sua importância parece ser maior ou porque os registros sobre os espetáculos são mínimos. É o caso do teatro no período colonial. Que memória restou dos espetáculos feitos precariamente por atores amadores, quando nem mesmo jornal havia no país? Por sorte temos alguns relatos dos viajantes, que descrevem o que viram em nossos palcos. Se observarmos os capítulos sobre o teatro romântico, veremos que três tratam da dramaturgia e apenas um da encenação e da arte do intérprete. Isso não significa que a dramaturgia é o eixo do livro, mas que naquele período de formação do nosso teatro um único ator, que era também empresário, foi realmente um grande artista [João Caetano, 1808 -1863]. Já os autores dramáticos escreveram em gêneros diferentes, o que exigiu uma divisão dos capítulos para dar conta da tragédia e do melodrama, do drama e da comédia. Observa-se maior equilíbrio na parte seguinte do livro, sobre o teatro realista: um capítulo sobre a dramaturgia, um sobre as encenações e os artistas e um sobre as ideias críticas. Em toda a História do teatro brasileiro esse equilíbrio foi buscado.

TeatrojornalO sr. acredita que além das abrangências de fôlego dos respectivos volumes, o período contemporâneo também se ressente de sistematização, a partir dos anos de 1960? É mais difícil a missão de dar unidade aos panoramas recentes? O próprio projeto de História do teatro brasileiro pode impulsionar essa prospecção atual?
Faria – Todos sabemos que para fazer história literária ou teatral é preciso um recuo no tempo. Sem esse recuo, não pode haver julgamento que leve em conta de modo balanceado as várias tendências que se contrapuseram num determinado período. O nosso teatro moderno, assunto do segundo volume desta História do teatro brasileiro, já tem imensa bibliografia. Nossos principais dramaturgos, encenadores e artistas têm sido estudados de maneira sistematizada em biografias e estudos críticos, bem como nas dissertações e teses dos cursos de pós-graduação em artes cênicas. É claro que depois da publicação desta História do teatro brasileiro continuarão a surgir obras que vão lançar mais luz sobre nosso teatro moderno. O que posso garantir é que os colaboradores desta História do teatro brasileiro escreveram seus capítulos com base em bibliografia atualizada, de modo a passar ao leitor o que se conhece hoje do nosso teatro. Penso que é mais difícil traçar panoramas do teatro contemporâneo, porque a filtragem do que realmente importa guardar na memória nos é dada pela passagem do tempo. Mas quem sabe esta publicação aponte um caminho para futuras histórias do nosso teatro de hoje… As coordenadas estão dadas em capítulos que tratam tanto da dramaturgia quanto da encenação.

Teatrojornal Qual o estágio do segundo volume? O sr. pode nos situar em relação à unidade de percurso ou mesmo de capítulos que advirão?
Faria – O segundo volume está previsto para sair no final de outubro. Começa com um capítulo sobre o teatro no Modernismo e outro sobre as primeiras tentativas de modernização do nosso teatro, passando em seguida pelo trabalho dos grupos amadores, das companhias profissionais dos anos 1940-1960, do fortalecimento da dramaturgia, do surgimento dos grupos como Arena e Oficina, dos efeitos da ditadura de 1964 sobre o teatro, chegando por fim às diversas manifestações da contemporaneidade, num total de 25 capítulos.

Teatrojornal Por que tamanha deferência ao teatro em sua carreira de professor de literatura?
Faria – Fiz a minha pós-graduação na área de Literatura Brasileira, na Universidade de São Paulo, e tive como orientador Décio de Almeida Prado [1917 2000]. Nos anos de 1970, no curso de Letras, ele dava aulas de dramaturgia brasileira, trabalhando na interface da literatura com o teatro. Escolhi para mim o mesmo caminho e não parei mais. Daí meu interesse pela obra de um José de Alencar ou de um Machado de Assis. Qual a importância do teatro na vida desses dois grandes escritores? Estudei a produção dramática de cada um e o envolvimento que tiveram com o teatro, que não foi pequeno. Como professor de literatura brasileira no curso de Letras da FFLCH-USP, ofereço disciplinas optativas sobre dramaturgia brasileira aos alunos da graduação. Na pós-graduação, dou aulas, oriento dissertações de mestrado e teses de doutorado sobre o teatro brasileiro de modo mais abrangente.

 

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

Relacionados