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Reportagem

Cassio Scapin relembra Myriam Muniz

22.7.2013  |  por Maria Eugênia de Menezes

Foto de capa: João Caldas

Uma romântica. Dessas que não existem mais. Para criar o espetáculo Eu não dava praquilo, o ator Cássio Scapin debruçou-se sobre os poucos registros que conseguiu encontrar sobre Myriam Muniz. Vestígios de uma mulher completamente devotada ao teatro, “que ia muito além do estereótipo de atriz engraçada que guardamos dela”, comenta o intérprete.

Na peça, que tem estreia marcada para amanhã no CCBB, Scapin rememora a trajetória da grande atriz. Perpassa os momentos e experiências que ela teve até sua morte, em 2004: a participação no Teatro de Arena, onde conviveu com Augusto Boal. A relação estreita com Flávio Império, artista plástico e cenógrafo. A vontade de ensinar, que a levou a criar uma escola. As ocasiões em que dirigiu shows musicais, como Falso brilhante, com Elis Regina.

Trata-se, sem dúvida, de uma homenagem. Para isso, porém, Scapin não incorpora a figura de Myriam, nem mimetiza seus trejeitos ou feições. “A gente conhece a Myriam de uma maneira quase estereotipada”, constata o diretor Elias Andreato, que optou por uma encenação sóbria. “Mas sabemos pouco sobre o que essa mulher pensou. É o pensamento dela que mobiliza esse espetáculo, e não a sua figura. ”

O que está no horizonte da montagem é menos uma biografia do que a visão de mundo de uma outra época. De uma geração que viveu tudo intensamente. De alguém que se permitia sonhar, sem colocar limites entre a arte e sua vida. “Trago a figura da Myriam e também o que ela falava”, pontua Scapin. “Isso porque ela e o seu ofício eram um só, indivisíveis. A questão do teatro para Myriam vai além de uma profissão. Mesmo quando falava de sua vida pessoal, ela era de uma incrível teatralidade. ”

A despeito do tema, Eu não dava praquilo não quer atingir apenas os especialistas ou interessados em refletir sobre as artes cênicas. O foco, essencialmente, é a descoberta de uma vocação verdadeira. Caminho que a intérprete trilhou. Antes de estrear no teatro profissional, em 1961, Myriam já havia tentado ser enfermeira – trabalhou no Hospital Samaritano. Também teve pendores pelo balé clássico e chegou a ingressar no Corpo de Baile do Teatro Municipal de São Paulo. “Quando você encontra o que quer fazer de verdade é um impacto imenso na sua existência. A peça fala disso.”

É escassa a bibliografia sobre profissionais e momentos da história teatral brasileira. Aqui, não foi diferente. Ao lado de Cassio Junqueira, Scapin escreveu o roteiro recorrendo basicamente a três fontes documentais: o livro

Giramundo, da pesquisadora Maria Thereza Vargas; uma entrevista gravada por Sandra Mantovani; e um depoimento, concedido já no final de sua vida, em um evento no Teatro de Arena. “É um momento triste, em que ela já estava cansada de tudo, não tinha mais paciência para se arrumar”, conta Scapin.

Myriam era notória pelo talento cômico, traço que muitos atribuíam às raízes italianas. Mas tinha igual força quando se lançava ao drama, o que outros creditam aos antepassados açorianos. Fato é que, além da técnica, combinava impulsividade a uma aguda intuição. E foram esses os traços que pautaram grande parte de suas escolhas profissionais. Myriam não acumulou bens. E, nos últimos anos, dependia da ajuda financeira dos amigos. “Ela surgiu no teatro de Arena, onde alimentava o sonho de mudar o mundo. Foi fiel a isso até o fim, a essa ideia de usar o teatro como meio de transformação. E pagou um preço por isso”, pontua Andreato.

Para evocar Myriam Muniz, Cassio Scapin optou por um monólogo. “Não foi um conceito que surgiu a priori. Mas algo que o próprio projeto foi impondo”, acredita o intérprete. “Não trouxemos nada ao palco que não dialogasse inteiramente com a maneira como ela pensava. ” Sozinho em cena, ele se presta a um duplo desafio. Oscila constantemente entre a figura da atriz e a sua própria, confrontada com essa presença.

Crítica teatral, formada em jornalismo pela USP, com especialização em crítica literária e literatura comparada pela mesma universidade. É colaboradora de O Estado de S.Paulo, jornal onde trabalhou como repórter e editora, entre 2010 e 2016. Escreveu para Folha de S.Paulo entre 2007 e 2010. Foi curadora de programas, como o Circuito Cultural Paulista, e jurada dos prêmios Bravo! de Cultura, APCA e Governador do Estado. Autora da pesquisa “Breve Mapa do Teatro Brasileiro” e de capítulos de livros, como Jogo de corpo.

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