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Reportagem

Gestos para dizer o que não cabe em palavras

2.8.2013  |  por Maria Eugênia de Menezes

Foto de capa: Lee Taylor

Ainda que todas as palavras tenham sido usadas, nem tudo foi dito. Ao menos, não de todas as maneiras. O episódio do holocausto já ensejou um sem-número de análises, filmes, livros e peças. Parece ter sido visto por todos os ângulos. Mas algo ali permanece intocado, capaz de instigar novos criadores. “Retomar esses temas revela quanto o ser humano pode tomar rumos absurdos e inusitados”, considera Lee Taylor, diretor do espetáculo Mise en scène: Holoch. “Há alguns anos, o questionamento sobre como se reuniram condições políticas e sociais para que tal acontecimento fosse possível tem sido recorrente, mas obviamente nunca haverá uma resposta satisfatória.”

Lee, que se destacou como intérprete nas recentes obras de Antunes Filho, alça agora voo solo como encenador. A montagem, concebida por ele, revisita a temática do extermínio de judeus durante a Segunda Guerra. Só que tenta fazê-lo abrindo mão de qualquer discurso. “As palavras não contemplariam essa dimensão”, acredita ele, que optou pela linguagem da dança nessa obra.

Habituado a levar ao palco grandes textos – esteve à frente das versões que Antunes fez de A pedra do reino e Policarpo Quaresma -, Lee também já havia tomado parte em uma obra que privilegiava a estética corporal em detrimento das palavras. Em 2008, atuou em Foi Carmen, uma homenagem do veterano diretor do CPT ao bailarino Kazuo Ohno. E, agora, ainda que indiretamente, traz parte dessa experiência para Holoch. “O substrato do butô, como meio de expressão, deu origem a ambos os trabalhos”, diz ele.

A presença de Emilie Sugai é outro dos elos do atual trabalho com Foi Carmen. Só que agora, além de atuar, a bailarina também toma parte no processo criativo. “Essa posição de ‘diretor’ ou ‘encenador’, que nunca exerci nem pretendo exercer, é apenas uma convenção para a divulgação do espetáculo”, comenta Taylor. “Busquei um diálogo artístico com a Emilie. Nesse sentido, houve uma sintonia de absoluta sensibilidade.”

Para servir de norte à criação, o diretor invocou a imagem de Moloch, uma divindade a quem os cananeus ofereciam crianças em sacrifício. O termo evoca ainda uma outra referência: o filme Moloch, do cineasta Alexander Sokurov, sobre a vida do ditador Adolf Hitler.

Apresentada no edifício do Centro da Cultura Judaica, a coreografia utiliza vários espaços. Primeiro, a ação está concentrada em uma claraboia. Aos espectadores é dada a chance de ver como a intérprete consegue formar imagens utilizando apenas areia. O percurso de Emilie continua pela escada externa do prédio até chegar a um espelho d’água. É ali que se concentram as cenas mais contundentes. O uso de luzes, pedras submersas e de uma escultura concebida pelo artista plástico Paulo Bordhin reforçam a atmosfera criada.

“Pensei que inserir a escultura do Paulo nesse contexto potencializaria ainda mais as qualidades inerentes à obra e completa a dimensão poética que estava procurando instaurar no espetáculo. Houve uma simbiose entre espaço, dança e escultura que resultou em um poema cênico, um haicai, construído não para ser analisado com os olhos, mas para ser sentido com a alma”, crê Taylor.

Mise en scène: Holoch é o primeiro espetáculo de Lee Taylor à frente do Núcleo de Artes Cênicas do Centro da Cultura Judaica, que ele coordena desde abril. Além do curso Poética do Ator, já em andamento, a longo prazo ele tem a intenção de criar um coletivo de artistas ligado à instituição.

Crítica teatral, formada em jornalismo pela USP, com especialização em crítica literária e literatura comparada pela mesma universidade. É colaboradora de O Estado de S.Paulo, jornal onde trabalhou como repórter e editora, entre 2010 e 2016. Escreveu para Folha de S.Paulo entre 2007 e 2010. Foi curadora de programas, como o Circuito Cultural Paulista, e jurada dos prêmios Bravo! de Cultura, APCA e Governador do Estado. Autora da pesquisa “Breve Mapa do Teatro Brasileiro” e de capítulos de livros, como Jogo de corpo.

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