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Crítica

Solo é um exercício de estilo para Soldatelli

5.11.2013  |  por Fábio Prikladnicki

Foto de capa: Simone Buttelli

O monólogo A mulher do padeiro é um verdadeiro exercício de estilo para o ator Evandro Soldatelli. Durante uma hora, ele começa com uma representação mais mundana, envereda por um tom lírico e chega ao metafórico, simbólico. Baseada na versão teatral de Marcel Pagnol do filme homônimo de 1938 dirigido pelo próprio, a dramaturgia transita com naturalidade entre esses registros. É um espetáculo complexo na ideia e simples na execução. Parece artesanal, no melhor sentido da palavra, como o ofício do padeiro que Soldatelli incorpora.

É a história de um padeiro de um vilarejo no sul da França abandonado pela jovem mulher, que foge com um pastor de ovelhas. Com o coração partido, o homem decide parar de produzir pães, gerando comoção no vilarejo. Assustada com a falta do alimento, a população se mobiliza para trazer a moça de volta.

Claro que há algo de cômico nessa história, e a peça tem momentos de humor sutil. Na maior parte do tempo, no entanto, é um drama sentimental. A adaptação operada no texto original reduz o contexto social. Tudo gira em torno do sofrimento do padeiro. Há menções a dados geográficos, como os nomes franceses dos personagens, mas, de resto, o que se tem é uma peça que poderia se passar em qualquer lugar. É preciso dizer que essa opção por universalizar a trama tira um pouco da graça da história. Torna-se apenas mais uma narrativa de frustração amorosa decorrente de traição. É nobre, no entanto, que Soldatelli e o diretor Ramiro Silveira tenham se esforçado para minimizar o potencial conteúdo sexista do texto original, evitando que a culpa seja imputada à mulher.

A configuração pouco usual do palco da Cia. de Arte impõe um desafio: como ocupá-lo? Há uma parte do palco (onde ficam os travesseiros e uma grande pilha de sacos de farinha da cenografia) que poucas pessoas na plateia conseguem ver. O cenário conta com elementos espalhados aqui e ali: além dos sacos de farinha e dos travesseiros, há fornos de assar pão e uma espécie de cama. Tenho dúvida se esses objetos chegam a configurar uma unidade. Já a iluminação nem sempre chega onde precisa estar.

Essas observações não são motivos para deixar de conferir esta produção, que se revela, ao final de tudo, um depoimento comovente sobre o ofício do ator.

A mulher do padeiro

De sexta a domingo, às 21h. Temporada até 27 de outubro. Cia. de Arte (Rua dos Andradas, 1.780), em Porto Alegre. R$ 20.

Publicado originalmente no jornal Zero Hora, 10/10/2013.

Jornalista e doutor em Literatura Comparada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É setorista de artes cênicas do jornal Zero Hora, em Porto Alegre (RS). Foi coordenador do curso de extensão em Crítica Cultural da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, em São Leopoldo (RS). Já participou dos júris do Prêmio Açorianos de Teatro, do Troféu Tibicuera de Teatro Infantil (ambos da prefeitura de Porto Alegre) e do Prêmio Braskem em Cena no festival Porto Alegre Em Cena. Em 2011, foi crítico convidado no Festival Recife de Teatro Nacional.

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