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Reportagem

Grupos cobram cachê do FIT Rio Preto de 2012

20.3.2014  |  por Valmir Santos

Foto de capa: Wacton Silva

Os grupos Ser Tão Teatro, de João Pessoa, e Cia. Les Commediens Tropicales, de São Paulo, cobram cachês que o Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto teria se comprometido a pagar por apresentações, ajuda de custo e atividade reflexiva durante a edição de 2012. A soma das duas dívidas é de R$ 9.300,00, desconsiderando-se correções.

Em julho daquele ano, portanto há 20 meses, o Ser Tão Teatro fez quatro sessões do espetáculo de rua Flor de macambira na cidade do noroeste paulista. A diretora Christina Streva diz que ainda resta receber R$ 5.500,00 dos R$ 21.000,00 compromissados.

Streva enviou ao Teatrojornal – Leituras de cena troca de email com uma das então produtoras do evento, Fernanda Hernandes, em que esta confirma cachê de R$ 12 mil pelas apresentações mais R$ 9 mil como ajuda de custo para transporte de cenário e de 12 integrantes do núcleo, a maioria desde a capital da Paraíba. “Esse valor total será pago mediante nota fiscal, portanto cachê e ajuda de custo serão pagos juntos”, escreve Hernandes em 25 de junho de 2012.

“Tivemos de colocar as passagens em cartões de crédito pessoais”, afirma a diretora. Nos primeiros doze meses de atraso, o Ser Tão teria conversado “de 30 a 40 vezes” com funcionários da Secretaria Municipal de Cultura, então correalizadora do FIT Rio Preto com o Sesc SP. “Em algumas épocas ligávamos semanalmente.”

Um dos álibis ouvidos, conforme Streva, era o de que o Sesc abandonara a parceria com o festival tendo deixado na mão os artistas que receberiam da parceria. Esta só veio a ser desfeita de fato a partir da edição deste 2014, prevista para agosto (programação consolidada, aqui).

“Diziam também que a prefeitura estava buscando formas de conseguir arcar com tais custos já que não tinha receita prevista para isso”, diz Streva. A partir de maio de 2013, a saga dos contatos por telefone tornou-se menos rocambolesca, com os funcionários públicos, sempre segundo a diretora, admitindo que “estavam cientes da dívida e tentando achar uma solução junto ao secretário” – Alexandre Costa, que assumiu a pasta em janeiro do ano passado.

“Toda vez em que pedíamos um email deles dando um posicionamento ou uma previsão de pagamento, eles pulavam fora e não mandavam nada”, diz Streva.

Assim que o jornal local Diário da Região publicou reportagem sobre o assunto, a produção do Ser Tão recebeu telefone de um funcionário solicitando material de outro espetáculo ou de oficina a ser ministrada por dois integrantes do grupo para um possível evento que ocorreria em outubro, na cidade, e assim pudessem justificar o pagamento. “Solicitamos que a proposta fosse feita por email para avaliarmos e darmos um retorno. No entanto, o email nunca chegou e o funcionário também parou de nos atender”, afirma a diretora.

O último contato com a secretaria aconteceu no final de janeiro deste ano, quando um funcionário da Cultura pediu os dados bancários para efetuar o depósito. “Até agora, nada.”

Para agravar a situação financeira o Ser Tão Teatro teve sua sede invadida na primeira semana deste mês no centro histórico de João Pessoa, ponto turístico da cidade. “(…) praticamente todo o nosso material de trabalho foi roubado – computador, impressora, modem, cabos de força, bebedouro, pia, caixa de som Yamaha DXR, mixer analógico Yamaha, microfone Shure lapela com receptor, teclado Yamaha, cabos, extensões, violão, etc.”, informa em sua página numa rede social.

O espaço é locado há três anos e meio com recursos advindos dos cachês do coletivo em atividade há sete anos e com três espetáculos no repertório. “O roubo do nosso material não prejudica apenas o nosso grupo. Diminui também nossa capacidade de ação, prejudica o trabalho que desenvolvemos, e compromete nossos sonhos. Hoje, estamos de luto.”

Canhameiro (esq.) e atuadores em ‘(ver[ ]ter)’

A Cia. Les Commediens Tropicales diz aguardar o pagamento de R$ 3.800,00, sendo R$ 3.000,00 relativos às três apresentações da obra intervencionista (ver[ ]ter) e R$ 800 pela participação do ator, diretor e dramaturgo Carlos Canhameiro na mesa de debate A cidade como dramaturgia.

“Após inúmeros contatos telefônicos e por e-mail, tanto junto ao Festival de Rio Preto (e-mails nunca respondidos) quanto à Secretaria de Cultura de São José do Rio Preto recebemos parte do valor das apresentações no dia 18 de dezembro de 2012”, diz Canhameiro. A nota fiscal 27.448 expressa valor de R$ 7.350,00, mas só teriam sido pagos R$ 3.550,00.

“Conversei com diversos funcionários que sempre prometeram um retorno e este nunca foi dado”, afirma. “Quase dois anos após as apresentações ainda não recebemos por elas. Não recebemos qualquer perspectiva de pagamento. Qualquer desculpas pelo atraso. Qualquer indicação de pagamento de juros pelo atraso.”

A Cia. Les Commediens diz ter arcado com os custos de transporte e dos cachês dos atores e músicos.

“As apresentações foram realizadas conforme contrato com o festival. Participei da mesa de debate conforme convite. Não houve atrasos. Honramos nossos compromissos e esperávamos o mesmo do FIT”, afirma o ator.

Durante a edição passada, após repercussão do atraso de cachês na imprensa (Folha de S.Paulo, blog Atores & Bastidores, entre outros), um funcionário entrou em contato com a companhia dizendo que a dívida seria reparada assim que o evento terminasse. “Nada ocorreu.” Canhameiro também ouviu a alegação de que o pagamento deveria ter sido cumprido pelo Sesc.

Outro lado

Procurado pela reportagem, o secretário de Comunicação, Deodoro Moreira, titular da pasta de Cultura em 2012, declarou: “Estamos apurando, revendo planilhas. Se elas realmente procederem, vamos pagá-las.”

De acordo com o gerente do Sesc Rio Preto, Sebastião Eduardo Costa Martins, o orçamento total para a execução do FIT sempre foi formado por verbas da prefeitura e de patrocinadores, via leis de incentivo, e este montante era administrado pelo governo municipal. “O Sesc ofereceu e geriu sua própria verba. Por acordo entre os parceiros, sem um fundo comum, foi determinado que cada um administrasse as despesas próprias para o festival. As várias contratações de grupos e serviços relativos eram distribuídas em acordo prévio, segundo as verbas que cada parceiro administrava”, afirma Martins.

O orçamento do FIT Rio Preto 2012 foi de R$ 2.175,875,34.

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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