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Reportagem

Paixão por Shakespeare

25.3.2014  |  por Maria Eugênia de Menezes

Foto de capa: Keith Pattison

Um festival para celebrar Shakespeare. No ano em que o maior autor teatral da história completa 450 anos de nascimento, o Festival de Curitiba reservou parte considerável de sua programação para homenageá-lo. O mais esperado título de 2014, The rape of Lucrece, é uma criação da prestigiosa Royal Shakespeare Company. Inspirado em um poema do escritor inglês, trata-se, segundo seus criadores, de uma “terrível fábula sobre a luxúria, o estupro e a política”.

Ovacionado no último Festival de Edimburgo, o espetáculo combina música e narrativa e é protagonizado pela cantora Camille O’ Sullivan. Cabe a ela interpretar os papéis dos oponentes Tarquin e Lucrece, oferecendo ao público os pontos de vista de ambos. A obra será vista na capital paranaense nos dias 4 e 5. Uma novidade de última hora é a ida da companhia para São Paulo. As apresentações ocorrem no Sesc Pinheiros e estão marcadas para os dias 12 e 13.

O programa dedicado ao bardo ganha corpo com Otelo. Mais um dos títulos internacionais previstos nessa edição, a tragédia shakespeariana será vista em versão chilena, com a companhia Viajeinmóvil, nos dias 27 e 28. Dirigida pelos próprios atores – Jaime Lorca e Teresita Iacobelli -, a peça relata a história da intriga perpetrada por Iago com a manipulação de bonecos e objetos. Desdêmona e Otelo são representados em cena por apenas duas cabeças de manequim. A trama foge aos contornos de época e não falta humor à adaptação do clássico.

Também os brasileiros participam das homenagens. O evento selecionou duas novas versões de Ricardo III: uma do Rio, outra de São Paulo. Dirigida por Marcelo Lazzaratto, a montagem paulistana (apresentada nos dias 29 e 30) abre um ciclo que pretende montar as 39 peças do autor ao longo de uma década. O personagem-título é vivido por Chico Carvalho, que recentemente mereceu o Prêmio Shell de melhor ator por sua interpretação.

Chico Carvalho e Mayara Magri em ‘Ricardo III’ (SP)

Com feições menos tradicionais, a proposta carioca (a ser encenada nos dias 27 e 28) traz um único ator, Gustavo Gasparani, desdobrando-se para dar conta de 21 personagens. Coube ao diretor Sérgio Módena a proposta de encenação da saga do sórdido Ricardo, capaz dos mais terríveis crimes e assassinatos para conquistar o trono.

Linha reta. Com uma programação que se estende até o dia 6, o Festival de Curitiba deve reunir cerca de 500 atrações e 3 mil artistas. Estão previstas as participações de 19 Estados brasileiros e de quatro países. Na mostra oficial de 2014, permanece a intenção de servir de vitrine das artes cênicas nacionais. “A vontade é fazer um retrato do que está acontecendo”, observa o diretor do festival, Leandro Knopfholz.

Fica evidente ainda a continuidade da proposta da curadoria. Formado por Celso Curi, Lucia Camargo e Tânia Brandão, o trio de curadores repetiu algumas das apostas das edições mais recentes. A valorização do trabalho de grupos estáveis é um desses eixos norteadores. Presentes na grade, a Armazém Cia. de Teatro (RJ), a Cia. dos Atores (RJ), o Núcleo Experimental (SP), o Grupo 3 de Teatro (MG) e a Cia. Brasileira de Teatro (PR) são alguns exemplos dessa vertente.

A presença de dramaturgia brasileira é mais um dos focos. Criado a partir da convivência com travestis e transexuais de Porto Alegre, BR Trans (dias 29 e 30) se encaixa nessa vertente. Concreto armado (dias 26 e 27), do jovem Diogo Liberano, segue em direção semelhante e trata de um grupo de estudantes de arquitetura em visita a um dos estádios da Copa do Mundo.

Dram as contemporâneos vindos de outras partes do mundo também foram contemplados. Em 2 x Matéi (dias 26 e 27) e Espelho para cegos (dias 26 e 27), a inspiração é a obra do romeno Matéi Visniec. O escritor, que mereceu recentemente tradução completa de seus trabalhos para o português, é considerado pela crítica europeia como um novo discípulo do Teatro do Absurdo de Ionesco. A italiana Letizia Russo é outra representante da contemporaneidade. Assim como em outros de seus dramas já encenados no Brasil, em Tumba de cães (dias 28 e 29) ela retrata um mundo à beira da dissolução, atravessado por guerras e disputas pela posse de água.

A grande diferença em 2014 é o crescimento da presença internacional. “Tem tanta coisa acontecendo fora que tivemos que começar a prestar atenção”, pontua Knopfholz. Na mostra atual, serão cinco os espetáculos estrangeiros previstos. Entre eles, o destaque é Sonata de outono, do argentino Daniel Veronese.

.:. Publicado originalmente em O Estado de S.Paulo, Caderno 2, p. C3, em 25/3/2014.

Serviço:
23º Festival de Teatro de Curitiba
Quando: abre para convidados amanhã. Programação de 26/3 a 6/4
Quanto? R$ 60. Mostra paralela/Fringe: de entrada franca a R$ 60. Mais informações, aqui.

Crítica teatral, formada em jornalismo pela USP, com especialização em crítica literária e literatura comparada pela mesma universidade. É colaboradora de O Estado de S.Paulo, jornal onde trabalhou como repórter e editora, entre 2010 e 2016. Escreveu para Folha de S.Paulo entre 2007 e 2010. Foi curadora de programas, como o Circuito Cultural Paulista, e jurada dos prêmios Bravo! de Cultura, APCA e Governador do Estado. Autora da pesquisa “Breve Mapa do Teatro Brasileiro” e de capítulos de livros, como Jogo de corpo.

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