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Reportagem

Poa recebe criações inquietantes de Fortaleza

22.3.2014  |  por Michele Rolim

Foto de capa: Levy Mota

Quando o ator e diretor cearense Silvero Pereira desembarcou em Porto Alegre, em janeiro de 2013, não sabia ao certo quais proporções tomaria o intercâmbio artístico que objetivava na cidade. Durante seis meses, Silvero pesquisou e conversou com travestis, transformistas e transexuais pelas ruas e casas de show da cidade. O levantamento deste material, ao lado dos relatos colhidos sobre este universo em Fortaleza (CE), resultou no espetáculo BR-Trans, sob direção da diretora gaúcha Jezebel De Carli (da Santa Estação Cia de Teatro).

Cerca de um ano depois, surge a primeira edição do Festival Conexão Teatro Fortaleza-Porto Alegre. Mesmo sem financiamentos, artistas de três coletivos encabeçaram a realização do festival de teatro independente, quebrando fronteiras geográficas em busca de estabelecer relação com novos públicos. “A distância existe apenas nas nossas cabeças. Queríamos poder circular de forma mais independente, sem ter que precisar de editais, patrocínios, etc.”, conta o ator Pereira, que também apresenta BR-Trans, do Coletivo As Travestidas, na mostra oficial do Festival de Teatro de Curitiba deste ano.

O performer Silvero Pereira em ‘BR-Trans’

Um dos trabalhos artísticos, Projeto achados & perdidos tem apresentações de sexta-feira a domingo, no Teatro de Arena, às 20h. O espetáculo BR-Trans é encenado de terça a quinta-feira, no mesmo local e horário. Já Metrópole tem sessões somente na próxima sexta-feira, no Museu do Trabalho, às 19h e às 22h.

As três produções são realizadas por artistas egressos da graduação de Artes Cênicas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). Essas obras se destacam por refletirem sobre um tema frequente nas encenações contemporâneas que inquietam e provocam espectadores: a linha tênue que separa realidade e ficção. “Não é à toa que a memória é um tema tão celebrado na criação artística. Temos a necessidade de criarmos mais referência de nós mesmos. Estamos vivendo uma época em que o interesse e as possibilidades de registro, devido à tecnologia, são cada vez maiores”, opina Gyl Giffony.

Giffony é diretor e também atua ao lado de Silvero Pereira em Metrópole, da Inquieta Cia. de Teatros. De autoria de Rafael Barbosa, a dramaturgia do espetáculo foi construída a partir de questionários com os atores, com perguntas sobre literatura, cinema e teatro, além de referências pessoais. “É um texto feito a partir de uma escuta”, explica Giffony.

Pereira e Giffony em "Metrópole', de Rafael BarbosaSem créditos

Pereira e Giffony em “Metrópole’, de Rafael Barbosa

Já no Projeto Achados & Perdidos, quatro artistas transformam memórias em uma obra cênica, tendo como suporte uma instalação e a performance. “Começamos a nos questionar por que é necessário encenar a história de um grande autor para estar no teatro. E tomamos coragem para nos desnudar em cena”, comenta um dos atores, Danilo Castro – que integra o projeto com Andrei Bessa, Edivaldo Batista e Keka Abrantes.

Castro explica que, com o passar do tempo, eles se deram conta de que também poderiam se apropriar das memórias do público. Para isso, a plateia é convidada a doar objetos que fazem parte da sua história pessoal, chamados pelo coletivo de “tralhas afetivas” ou “pedaços de todos nós”. Todo esse material passa a alimentar o espetáculo, desenvolvido em processos colaborativos. “A ideia é que, com esses três trabalhos, possamos criar laços com a cena de Porto Alegre. Para, quem sabe, ampliarmos o festival no próximo ano”, avalia o ator. O teatro agradece.

Serviço:
Festival Conexão Teatro Fortaleza-Porto Alegre
Onde: Teatro de Arena (Borges de Medeiros, 835) e no Teatro do Museu do Trabalho (Andradas, 230).
Quando: 21 a 28/3
Quanto: R$ 20

.:. Publicado originalmente no Jornal do Comércio, caderno Viver, p. 3, em 21/3/2014.

.:. Leia textos de Valmir Santos sobre o Projeto Achados & Perdidos, aqui, e sobre Metrópole, aqui.

Jornalista e mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Desenvolve pesquisa em torno do tema curadoria em festivais de artes cênicas. É a repórter responsável pelo setor de artes cênicas do Jornal do Comércio, em Porto Alegre (desde 2010). Participou dos júris do Prêmio Açorianos de Teatro, do Troféu Tibicuera de Teatro Infantil (ambos da Prefeitura de Porto Alegre) e do Prêmio Braskem em Cena no festival internacional Porto Alegre Em Cena. É crítica e coeditora do site nacional Agora Crítica Teatral e membro da Associação Internacional de Críticos de Teatro, AICT-IACT (www.aict-iatc.org), filiada à Unesco). Por seu trabalho profissional e sua atuação jornalística, foi agraciada com o Prêmio Açorianos de Dança (2015), categoria mídia, da Secretaria de Cultura da Prefeitura de Porto Alegre (2014), e Prêmio Ari de Jornalismo, categoria reportagem cultural, da Associação Rio Grandense de Imprensa (2010, 2011, 2014).

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