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Reportagem

A guerra sob o olhar da criança

8.5.2014  |  por Michele Rolim

Foto de capa: Douglas Renné

Assuntos polêmicos e conflitos violentos já foram muito bem retratados no cinema sob a ótica infantil, como no caso de O menino do pijama listrado, A culpa é do Fidel e A vida é bela. O diretor Nelson Baskerville busca este olhar através do teatro. Trata-se da peça As estrelas cadentes do meu céu são feitas de bombas do inimigo, que tem sessões quinta e sexta-feira, às 19h, no Teatro do Sesc (Alberto Bins, 665), dentro do Palco Giratório Sesc-RS.

Baskerville foi convidado da paulista Companhia Provisório-Definitivo, que comemora 13 anos de história, e a cada novo espetáculo convida um diretor para ampliar o fazer teatral. Tendo como ponto de partida a adaptação do livro Vozes roubadas – diários de guerra (Companhia das Letras, 376 págs., R$ 45,00), organizado por Zlata Filipovic e Melanie Challenger, mostra a história de crianças vítimas de conflitos que marcam a humanidade.

Através da publicação é possível entender que o diário de uma criança, durante a guerra, pode se tornar uma ferramenta poderosa. A montagem foi inspirada pelos relatos de Anne Frank – uma adolescente alemã de origem judaica, vítima do Holocausto, que se tornou mundialmente famosa com a publicação póstuma de seu diário, no qual escrevia as experiências do período em que sua família se escondeu da perseguição.

Zlata, uma das editoras do livro, alertou o mundo para os horrores da guerra da Bósnia, escrevendo na infância aconselhada pela mãe. Neste romance, estão reunidos, além do seu relato, mais treze diários de conflitos, todos escritos por crianças ou jovens, da Primeira Guerra Mundial à mais recente invasão do Iraque, passando pelo Vietnã, pela Intifada e por diversos momentos da Segunda Guerra Mundial.

“Crianças não fazem distinção de raça; essa diferenciação começa na idade adulta. O que eu quis fazer é reforçar esse olhar não viciado sobre os acontecimentos da guerra”, descreve o diretor.

No entanto, como atingir o público brasileiro, que nunca passou, historicamente, por estas guerras? Apesar de o Brasil não ter um histórico de conflitos, há uma guerra constante nas ruas do País, segundo Baskerville. Para aproximar o espectador deste universo, e elucidar essa conexão, está em cena um personagem que não está no livro. Inspirado no documentário de Evaldo Mocarzel, Jardim Ângela, surge um novo personagem na história, um jovem da periferia de São Paulo, que representa a guerra do tráfico brasileiro. É Washington Silva, que conta de seus crimes, as vezes em que correu da polícia e como foi vítima de vários tiros.

“Busquei o que havia de universal nessas histórias e, além disso, é uma realidade que temos que lidar no nosso cotidiano”, comenta o diretor.

O espetáculo vai ao encontro da linha de trabalho de Baskerville na peça Luis Antonio-Gabriela. Não se sabe o que é mentira e verdade na cena.

“Antes de querer me aliar a algum formato de gênero teatral, a minha preocupação é falar com o público”, diz ele.

Obra da Provisório-Definitivo no Palco Giratório RS

O diretor utiliza como exemplo o dramaturgo norte-americano Tennessee Williams, em que a grande maioria da história que estava no palco era verdade. “O Brasil está tão louco que a realidade é muito mais teatral do que o teatro, não se sabe mais quem fala a verdade. O teatro é o reflexo disso. As pessoas estão ávidas para saber o que é verdade e mentira”, comenta o diretor.

O cenário, quase artesanal, é composto por caixas que vão alternando formas e funções, manequins representam adultos, em um ambiente tomado pela fumaça e precário de iluminação, não se sabe se os personagens que estão no palco são crianças ou fantasmas. A ideia é que o espectador lance um novo olhar sobre a guerra, mais sensível e reflexivo.

.:. Publicado originalmente no Jornal do Comércio, caderno Panorama, p. 1, em 7/5/2014.

Serviço:
Onde: Teatro do Sesc (Avenida Alberto Bins, 665, Porto Alegre, tel. 51 3284-2000).
Quando: hoje e amanhã, 8 e 9/5, às às 19h
Quanto: R$ 5 a R$ 20.

Discutindo a cena:
Após a sessão, o público poderá participar de bate-papo sobre o espetáculo com mediação de Kil Abreu (8/5) e Valmir Santos (9/5).

Ficha técnica:
Dramaturgia: Carlos Baldim, Paula Arruda, Pedro Guilherme, Thaís Medeiros e Nelson Baskerville
Direção: Nelson Baskerville
Com: Carlos Baldim, Paula Arruda, Pedro Guilherme, Carolina Tilkian e Victor Merseguel
Assistência de direção: Sandra Modesto
Preparação corporal: Neca Zarvos
Cenário: Cynthia Sansevero e Nelson Baskerville
Figurinos: Marichilene Artisevskis
Iluminação: Aline Santini e Nelson Baskerville
Concepção sonora: Gregory Slivar (todas as músicas foram compostas, gravadas e interpretadas por Gregory Slivar)
Projeto audiovisual: Lucas Bêda
Visagismo: Emi Sato
Assistência de visagismo: Valeria Gomes
Adereços: PalhAssada Ateliê (Karina Diglio e Marcos Tadeu Diglio)
Costureiras: Judite Gerônimo de Lima e Desolina
Operação de vídeo: Felipe Jóia
Operação de som: Samuel Gambini
Design gráfico: Benoit Jeay
Assistência de produção e bilheteria: Maria Medeiros
Fotos: Ligia Jardim e Douglas Renné
Registro em vídeo: Edson Kumasaka
Contabilidade: Paula Romano e Raquel Chaves
Coordenação geral: Paula Arruda
Produção executiva e realização: Cia. Provisório-Definitivo

Jornalista e mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Desenvolve pesquisa em torno do tema curadoria em festivais de artes cênicas. É a repórter responsável pelo setor de artes cênicas do Jornal do Comércio, em Porto Alegre (desde 2010). Participou dos júris do Prêmio Açorianos de Teatro, do Troféu Tibicuera de Teatro Infantil (ambos da Prefeitura de Porto Alegre) e do Prêmio Braskem em Cena no festival internacional Porto Alegre Em Cena. É crítica e coeditora do site nacional Agora Crítica Teatral e membro da Associação Internacional de Críticos de Teatro, AICT-IACT (www.aict-iatc.org), filiada à Unesco). Por seu trabalho profissional e sua atuação jornalística, foi agraciada com o Prêmio Açorianos de Dança (2015), categoria mídia, da Secretaria de Cultura da Prefeitura de Porto Alegre (2014), e Prêmio Ari de Jornalismo, categoria reportagem cultural, da Associação Rio Grandense de Imprensa (2010, 2011, 2014).

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