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Reportagem

As múltiplas máscaras de Enrico Bonavera

27.5.2014  |  por Maria Eugênia de Menezes

Foto de capa: Roberto Croce

Uma máscara não é só uma máscara. Para Enrico Bonavera, cada uma delas pode trazer em si a porta que dá acesso a um outro mundo. Algum lugar onde as palavras podem ser suprimidas, onde o rosto do ator se apaga para que todo o seu corpo possa falar.

Intérprete do Piccolo Teatro de Milão e um dos grandes nomes da Commedia dell’Arte, o artista italiano encena na quarta-feira (28), no Itaú Cultural (em São Paulo), L’aAffaire PicPus. Inspirado no conto O nariz, de Nicolau Gogol, o espetáculo apresenta Bonavera interpretando um oficial de São Petersburgo que vê seu nariz separar-se do corpo e ganhar vida própria.

Com um humor que já emanava da proposição original e também certa dose de absurdo, a trama foi levada aos palcos em adaptação assinada por Bonavera e por Christian Zecca, que também dirige a montagem. “Tinha pensado em simplesmente adaptar o conto, mas o autor chega até certo ponto e não deixa a história prosseguir”, considera o ator.

Além do enredo proposto por Gogol, a dupla inseriu elementos da literatura de um outro russo, Mikhail Bulgákov. “São dois autores que usam o absurdo para criticar o poder”, lembra Bonavera. Depois de tornar-se independente, esse nariz perdido alcança a fama. Vira astro de TV, namora as mais belas mulheres e chega a ser eleito presidente de seu país.

O título da peça foi retirado da obra de um terceiro escritor: o belga Georges Simenon, autor das aventuras policiais do comissário Magret, entre elas Signé PicPus.

Outra diferença da criação em relação ao conto que lhe deu origem refere-se ao ponto de vista do narrador. Na versão teatral, PicPus já está morto. “Perdido em algum lugar que ele não conhece: não é o inferno nem o paraíso”, observa Bonavera. E, nesse limbo, ele passa a recordar, fazendo reaparecer, os diversos personagens que encontrou em sua jornada: um investigador de polícia, a zeladora do prédio, um cirurgião plástico, um padre.

Sozinho em cena, o intérprete vale-se de sua experiência para encarnar todas essas figuras. “A máscara te dá o caminho para esse outro universo”, considera ele.

Enrico Bonavera na recriação da obra de Gogol

Professor dessa técnica, Bonavera aprendeu o ofício com Ferruccio Soleri – mestre que é o mais famoso intérprete do clássico personagem Arlequim, figura central da Commedia Dell’arte que ele levou à cena por mais de 50 anos. “Na passagem de conhecimento entre um aluno e um professor existe um ato de cultura”, pondera o ator, que também tornou-se um célebre Arlequim. “Essa é a cultura real. Vivemos uma época em que existe um equívoco, de que a cultura está nas informações. Se fosse assim, bastaria a internet. Mas ensinar é uma atitude ética de generosidade e de respeito.”

A apresentação de um espetáculo, aliás, é apenas uma diminuta parte da estada de Bonavera no Brasil. Ao longo de duas semanas, ele ministrou cursos sobre os segredos da máscara teatral na SP Escola de Teatro e no Teatro Commune. “Em um mundo como o contemporâneo, em que tudo é incerto, as máscaras são uma certeza, algo de concreto”, lembra ele.

Serviço:
Onde: Itaú Cultural (Avenida Paulista, 149, tel. 11 2168-1776).
Quando: quarta-feira (28), às 20 h.
Quanto: Grátis (ingressos distribuídos 30 minutos antes).

Crítica teatral, formada em jornalismo pela USP, com especialização em crítica literária e literatura comparada pela mesma universidade. É colaboradora de O Estado de S.Paulo, jornal onde trabalhou como repórter e editora, entre 2010 e 2016. Escreveu para Folha de S.Paulo entre 2007 e 2010. Foi curadora de programas, como o Circuito Cultural Paulista, e jurada dos prêmios Bravo! de Cultura, APCA e Governador do Estado. Autora da pesquisa “Breve Mapa do Teatro Brasileiro” e de capítulos de livros, como Jogo de corpo.

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