Menu

Entrevista

Berliner Ensemble funde heranças em ‘Hamlet’

20.5.2014  |  por Maria Eugênia de Menezes

Foto de capa: Guto Muniz/FIT-BH

Herdeira direta do pensamento de Bertolt Brecht, a Berliner Ensemble foi criada pelo dramaturgo, em 1949. Foi à frente dessa companhia que o artista alemão conquistou projeção internacional – em 1955, Paris recebeu boquiaberta sua montagem de Mãe coragem e seus filhos e espalhou sua fama mundo afora. Mesmo depois de sua morte, pode-se dizer que essa ligação tão próxima entre criador e obra continuou. Sua mulher, Helene Weigel, dirigiu o grupo até 1971.

Fiel a essa origem, a Berliner nunca se apartou da herança brechtiana. Mas também soube beber em outras escolas estéticas. Após a queda do Muro de Berlim, em 1992, o governo local convocou cinco diretores a compartilhar o comando da companhia. Entre eles, Heiner Müller, discípulo que soube subverter sua herança de Brecht. Mais recentemente, o grupo também pôde ser visto sob a condução de encenadores de perfil completamente distinto, caso do imagético norte-americano Bob Wilson.

Em Hamlet, vemos a junção das duas pontas dessa história.

Dos princípios do teatro épico, que remontam ao seu ideário original, podemos observar a intenção de revelar os procedimentos de cena, de reforçar a quebra das ilusões, de trazer atores que entram e saem de seus papéis à vista do público.

Outro dado marcante de sua trajetória que a Berliner convoca para a atual montagem é sua ligação com a música. Em Brecht, as canções nunca entraram como elemento acessório, mas como artifício fundamental, comentando as ações. Nessa versão de Shakespeare, duas cantoras e instrumentistas pontuam a trama.

A toda essa carga de tradição, unem-se procedimentos da encenação contemporânea. Luzes e cenário trabalham para desestabilizar os momentos de encenação realista, ampliando os sentidos do que é levado ao palco. É imenso o impacto visual. A postura essencialmente performática dos intérpretes, em especial do protagonista, é outro sinal das “novidades” que o grupo abraçou.

Christopher Nell na montagem de Leander Haußmann

>> ‘Ser ou não ser’ permeia toda a montagem, diz ator Christopher Nell

Leia a seguir entrevista com o protagonista do papel-título no Hamlet do Berliner Ensemble. A encenação de Leander Hausmann estreou na capital alemã em novembro de 2013 e fez duas apresentações durante o FIT de Belo Horizonte, no sábado e domingo.

Uma tragédia política ou uma saga familiar? Como você vê Hamlet?
Definitivamente, ambas. A família é a menor célula política, um microcosmo de toda a sociedade. A peça é muito política em si, mas nós realmente nos concentramos mais no nível familiar, que é onde tudo começa.

A versão do Berliner Ensemble chama atenção pelo seu caráter sangrento, especialmente durante o famoso monólogo do ‘ser ou não ser’. Como essa opção influencia sua interpretação?
É uma peça sangrenta em sua origem. O famoso monólogo do “ser ou não ser”, que traz uma das mais conhecidas questões existenciais, é um fenômeno interessante. Todo mundo conhece essa fala, mas poucos saberiam dizer sobre o que esse discurso está realmente falando – e não há vergonha nisso. Esse monólogo pode ser trazido para qualquer situação da trama e sempre estará conectado imediatamente com o que está acontecendo. Aqui, ele é dito no início – uma opção que me ajudou a descobrir as diferentes formas e estados de Hamlet, e permanecer flexível e atento para ser capaz de lidar com essas ideias a qualquer momento.

A cia. já trabalhou com diferentes escolas, de uma vertente mais tradicional do teatro épico até o minimalismo de Bob Wilson. Como você vê a opção estética dessa encenação?
Leander Haußman é um diretor com uma enorme e incrível capacidade de fantasiar, mas também com uma forte conexão com a realidade. Tudo isso resulta em imagens expressivas e teatrais, que são quebradas por situação realistas e, depois, retornam ao estado de fantasia. É um jogo lúdico radical com a história e com a nossa própria realidade, sem medo de utilizar todos os meios e mídias teatrais.

.:. Publicado originalmente em O Estado de S.Paulo, Caderno 2, p. C8, em 20/5/2014.

Crítica teatral, formada em jornalismo pela USP, com especialização em crítica literária e literatura comparada pela mesma universidade. É colaboradora de O Estado de S.Paulo, jornal onde trabalhou como repórter e editora, entre 2010 e 2016. Escreveu para Folha de S.Paulo entre 2007 e 2010. Foi curadora de programas, como o Circuito Cultural Paulista, e jurada dos prêmios Bravo! de Cultura, APCA e Governador do Estado. Autora da pesquisa “Breve Mapa do Teatro Brasileiro” e de capítulos de livros, como Jogo de corpo.

Relacionados