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Crítica

‘Callas’ não faz jus ao mito

1.5.2014  |  por Miguel Anunciação

Foto de capa: Houston Rogers

Não deve ser fácil tornar convincente uma interpretação de Maria Callas, sobretudo no teatro, onde o público avalia de perto o que o ator consegue fazer. Além disso, a soprano foi extraordinariamente fora dos padrões. Considerada a melhor cantora (segundo especialistas, acima até da italiana Renata Tebaldi) e a maior celebridade do mundo da ópera de todo o século 20, ela foi prima donna em vários sentidos: temperamental, prepotente, de frequentes ataques de estrelismo. Exibido em duas sessões no Teatro Bradesco de Belo Horizonte na semana passada, Callas retrata o poente do mito. Quando a americana descendente de gregos já não era A voz, nem atraía mais as multidões que logrou reunir durante sua longa carreira.

Embora não cante nem um trecho de ária, sequer faça de conta, o que lhe seria ainda mais exigente, Sílvia Pffeifer não está à altura do maiúsculo personagem que se propôs a desenhar. Mesmo que Marília Pêra dirija a montagem e, como se publicou, a incentivasse a aceitar o papel. Bem mais sensato seria recusá-lo. Querer não é poder, talentos não surgem de repente: conduzida à TV depois de projetar-se como manequim, Sílvia nunca demonstrou domínio no novo ofício. Se manteve limitada, distante do teatro, onde atuou apenas uma vez antes deste encontro com um mito.

De personalidade tão exuberante que motivou o cineasta italiano Pier Paolo Pasolini a lhe oferecer o papel-título da sua versão para o arcabouço trágico de Medéia, Callas chega ao palco monocórdia, engessada. Mais apropriada para o dramático das novelas. Conhecido também pelo que realizou na TV, Cássio Reis não teria como socorrer os desacertos. Precisa imprimir veracidade ao tipo que organiza uma homenagem pública à Callas, um fã que, pasme, declina do convite para jantar a sós com o ídolo. Mas não consegue firmar boa impressão como nenhum. Por este trabalho, permanecerá lembrado como o apresentador de TV e o ex de alguém.

Como os atores são igualmente frágeis, indefensáveis, a direção desvia a atenção da plateia, projetando palavras e com trocas seguidas (e sem cabimento) de figurinos. O enredo de Fernando Duarte faz de Callas uma falastrona e o fã de Cássio Reis, mero pedestal. O texto empilha fatos irrelevantes para quem idolatra a diva, já sobejamente publicados, por isso, não informa nada de mais interessante. Ser fiel à realidade não justifica a reverência, o marasmo: o teatro é um território de liberdades. Autores de fato, artistas de verdade, sabem que poderão instaurar a Maria Callas que bem lhes aprouver. As artes lhes dão esta espécie de asas.

Mas só alguns perceberão como obtê-las. Donde se deduz que os figurinos, os cenário e os objetos de cena de Callas – caros, ainda assim, de gosto duvidoso – são ostensivos em sublinhar o caixa da produção – no Brasil, as subvenções públicas contradizem o slogan que rico é um país sem pobreza. Em termos estritamente artísticos, a estética da montagem é ainda menos defensável, já que o teatro não mantém parentescos com decoração. De modo que Paulo César Medeiros é um mestre ao iluminar, mas também parece contaminado. Este trabalho não deverá realçar seu currículo.

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Ficha técnica:
Autor: Fernando Duarte
Direção: Marília Pêra
Com: Silvia Pfeiffer e Cássio Reis
Figurinista: Sonia Soares
Cenógrafo: Rafael Guedes
Design de luz: Paulo Cesar Medeiros
Trilha Sonora: Paulo Arguelles
Design de som: Alessandro Person
Direção de projeções: Paola Soares
Visagismo: Evânio Alves
Assistente de Marilia Pêra: Nilza Guimarães
Assistente de direção: Mayara Travassos
Assistente de figurino: Juliana
Confecção de figurinos: Neiva Mota
Design gráfico: Ronaldo Filho
Fotos material gráfico: Renata Dillon
Foto Maria Callas: Houston Rogers
Assessoria de imprensa: Will Comunição e Luiz Menna Barreto
Produção executiva: Fernando Duarte
Direção de produção: Cássia Vilasbôas
Produtores associados: Cássio Reis e Fernando Duarte
Realização: Nove Produções Culturais

Jornalista profissional desde 1977, já integrou órgãos de imprensa de São Paulo, Salvador e Belo Horizonte. Atua como repórter e crítico de espetáculos há 20 anos. É curador assistente do Multifestival de Teatro de Três Rios (RJ).

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