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Crítica

FIT-BH: infelizmente para todos

28.5.2014  |  por Miguel Anunciação

Foto de capa: Divulgação/FIT-BH

Talvez não proceda a afirmação que a nova equipe de curadoria do FIT-BH (Cássio Pinheiro, Jefferson da Fonseca e Geraldo Peninha) não possua experiência, qualificações e boas intenções o bastante para encabeçar um evento de tal magnitude. Tudo na vida começa em algum lugar, em algum estágio. Mas parece não restar dúvidas que a edição do festival de maior relevância na cidade – em se tratando das artes cênicas – frustrou expectativas em demasia. Comparada às edições anteriores, gerou bem mais desagrados que satisfações.

De positivo, a edição de 20 anos do FIT marcou as reaberturas dos teatros Francisco Nunes e Marília, de suma importância à produção local para continuarem fechados; e temporariamente suspendeu as desconfianças que rondavam a administração municipal, incapaz de pagar todas as contas da edição passada. Apesar das dívidas, a Prefeitura de Belo Horizonte pôde organizar e oferecer um leque de atrações daqui e de fora, cobrando relativamente em conta pelos ingressos, R$ 20 e R$ 10 (meia).

Recursos e empenho não faltaram. Oficialmente, a produção deste FIT dispôs de R$ 7 milhões para sua realização – sem computar os possíveis gastos de última hora, ao longo do evento. O Festival de Curitiba, que abrigou mais de 400 espetáculos este ano, divulgou ter gasto R$ 6,5 milhões. E respeitáveis profissionais de diversas áreas colaboraram nesta edição, mão de obra afiada para as demandas de um dos mais importantes festivais internacionais do país.

O que insatisfez mais no FIT, portanto? Através das redes sociais, este jornalismo informal do mundo atual, reclamou-se dos desacertos de organização: da venda dos ingressos (de novo) não honrar a antecipação prometida, da escassa divulgação publicitária, das alterações de dias e horários comprometerem a agenda dos espectadores, dos problemas causados pela emissão eletrônica dos ingressos. Reclamou-se, principalmente, da qualidade duvidosa dos espetáculos, um percentual muito alto este ano.

É sempre temerário, redutor, sintetizar um festival que durou 20 dias (de 6 a 25/5), programou 54 espetáculos e um notável punhado adicional de atividades paralelas. Mas como é impossível ver e avaliar tudo o que é oferecido, talvez seja justo tentar concluir pelo que é racional conferir. Algumas conclusões são óbvias: o fato de ter 28 montagens locais na grade não necessariamente estimula os curadores a levá-las a seus festivais. Elas precisam ter estatura. Por isso, incluir tantas soa só uma decisão simpática.

Menos óbvio é especular que critérios justificaram convidar espetáculos tão discutíveis (quando não evidentemente sem virtudes, ao menos para o espectador local, acostumado a ver criações memoráveis, muitas delas trazidas pelo próprio FIT) como Adormecidos, Duas mulheres em preto e branco, Fínchenla si pueden, Frag#3, I call my brothers, Rapsódia para el mulo, À distância lado A e lado B, Bundesjugengallett, Salada mista, dentre outros.

Cena da obra cubana ‘Rapsódia para el mulo’

E tantos foram os maus espetáculos que virou hábito antecipar pelas redes sociais o que valeria a pena conferir, mesmo sob pena de perder ingressos comprados com antecedência a ter que deparar-se com outra escalação equivocada. Não é exatamente um elogio haver gostado desta edição alegando “sorte na escolha dos espetáculos”. Um festival não depende de sorte para durar na memória de quem o prestigia, de quem paga para acompanhá-lo. Um festival defensável carece de organização e de um olhar apurado e interessante de curadoria.

Considerando o que foi proposto nesta edição de 20 anos do FIT, é justo perguntar se os curadores viram realmente todos os espetáculos, se enxergaram virtudes nos (muitos) espetáculos que o público rejeitou. Inclusive em Jamais 203, do Générik Vapeur, uma das maiores apostas, tido como caro em excesso para o que veio apresentar. Esta enorme divergência entre o que propôs a curadoria e as expectativas do público só corroboram os boatos que o FIT não prometia.

Em off, integrantes do núcleo de festivais (organização que congrega os representantes dos maiores festivais internacionais de artes cênicas do país) já levantavam dúvidas sobre que fisionomia esta edição do nosso festival adotaria. Segundo eles, os curadores do FIT nunca se dispunham a buscar informações sobre espetáculos, sobre medidas bem sucedidas noutras praças, a travar contato com outros curadores. O que talvez explique, em alguma medida, o insucesso que acabamos de acompanhar. Como uma crônica de uma morte já prenunciada.

Apesar até do que houve de mais defensável (o Hamlet do Berliner Ensemble, o Concertos para bebês do grupo português Musicalmente, o Cine monstro de Enrique Diaz, o argentino Emília, da Timbre 4), infelizmente para todos.

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Jornalista profissional desde 1977, já integrou órgãos de imprensa de São Paulo, Salvador e Belo Horizonte. Atua como repórter e crítico de espetáculos há 20 anos. É curador assistente do Multifestival de Teatro de Três Rios (RJ).

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