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Reportagem

‘O duelo’ abre Palco Giratório em Porto Alegre

3.5.2014  |  por Michele Rolim

Foto de capa: Renato-Mangolin

Uma das grandes mostras de produções nacionais no Estado, o Festival Palco Giratório Sesc começa nesta sexta-feira [2/5] e segue até o dia 25 de maio. Serão 130 ações, entre espetáculos e atividades formativas.

Um dos destaques da abertura é a peça O duelo, da Mundana Companhia (SP), adaptação da novela homônima de Anton Tchekhov. Haverá sessões de sexta a segunda, às 19h, no Sesc Navegantes. É a quarta incursão que o grupo realiza pela cultura russa, depois de O idiota – uma novela teatral (2010), Tchékhov 4 – uma experiência cênica (2010) e Pais e filhos (2012).

Criada por Aury Porto e Luah Guimarãez em 2000, a companhia carrega, desde o seu surgimento, a característica de encontros conscientemente transitórios. “Ela é mundana até no nome, para deixar claro que é uma companhia em movimento. Eu não sou da Mundana, eu estou de passagem nessa relação e quem está é o dono dela”, conta Porto, lembrando que a atriz Camila Pitanga e a diretora Georgette Fadel integram o espetáculo.

Camila interpreta Nadiejda, mulher de Laiévski, papel de Aury Porto. A atriz aproximou-se do grupo após assistir, em 2012, à elogiada montagem de O idiota. “Acabei quase me convidando, pois fiquei extasiada ao perceber como aqueles personagens estavam íntimos da plateia. A fronteira entre ator e espectador era menos delimitada”, comenta ela.

Apesar de, a cada projeto, a companhia ter um novo corpo de trabalho, algumas características são inerentes a quem se propõe a estar na Mundana, tais como a pesquisa de linguagem, os métodos criativos e colaborativos. “Não existe processo de gabinete”, comenta Porto. Essa forma de trabalho rendeu ao grupo montagens memoráveis, que trazem à tona grandes narrativas ficcionais do século XIX relacionadas com a contemporaneidade.

Um exemplo é O duelo, com duração de 3h30min. Escrita em 1891, a trama opõe um darwinista social e um herói russo sem caráter em um ambiente muito quente do litoral do Mar Negro, região do Cáucaso. A ideia era sobrepor a atmosfera montanhosa de Tchékhov – onde se passa a história – à do sertão nordestino, encontrando pontos em comum ou não para contar essa história.

Primeiro, o grupo embarcou para a Rússia em busca da mítica cidade do escritor. Depois, os atores residiram por um mês e meio no sertão cearense, nas cidades de Arneirós, Lavras da Mangabeira e Iracema até, enfim, estrearem em Fortaleza. Em cada uma dessas cidades eles moraram em casas dos habitantes locais. “Tchekhov só foi revolucionário porque foi autêntico. Queríamos ser Tchekhov e, para tanto, tivemos que nos apropriar da obra, não queríamos um clássico morto,” explica a diretora da peça Georgette Fadel.

Os elementos desse tempo de imersão, apesar de não estarem explícitos na encenação, aparecem na composição dos personagens. “Foram muitas informações sensoriais e visuais, como moscas, baratas, pôr do sol, calor etc. Não queríamos um olhar de colonizador, que vai lá procurar coisas pitorescas; queríamos viver na região, e isso está do nosso olhar, no coração e na alma”, relata Georgette.

Segundo ela, a peça traz conflitos bobos e burgueses, mas humanos e contemporâneos. A trama é composta por personagens medíocres, e não grandes heróis. Laiévski, por exemplo, não parece satisfeito com o lugar em que ele está e deseja fugir de sua mulher, da cidade. “Tchekhov faz uma crítica sutil na trama. Durante toda a novela se ouve tiros, mas os personagens estão alheios a isso. Ele consegue resgatar a beleza no medíocre, 90% do tempo não somos os heróis do O idiota, temos os nossos duelos internos”, reflete ela.

O duelo
De 2 a 5/4, sempre às 19h.
Onde: Sesc Navegantes (Avenida Brasil, 483, tel., 51 3342-5099.
Quanto: R$ 5 a R$ 20.

.:. Publicado originalmente no Jornal do Comércio, caderno Viver, página 1, em 2/5/2014.

.:. Confira a programação completa do 9º Festival Palco Giratório Porto Alegre, aqui.

.:. E a programação completa do Palco Giratório pelo país, aqui.

Jornalista e mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Desenvolve pesquisa em torno do tema curadoria em festivais de artes cênicas. É a repórter responsável pelo setor de artes cênicas do Jornal do Comércio, em Porto Alegre (desde 2010). Participou dos júris do Prêmio Açorianos de Teatro, do Troféu Tibicuera de Teatro Infantil (ambos da Prefeitura de Porto Alegre) e do Prêmio Braskem em Cena no festival internacional Porto Alegre Em Cena. É crítica e coeditora do site nacional Agora Crítica Teatral e membro da Associação Internacional de Críticos de Teatro, AICT-IACT (www.aict-iatc.org), filiada à Unesco). Por seu trabalho profissional e sua atuação jornalística, foi agraciada com o Prêmio Açorianos de Dança (2015), categoria mídia, da Secretaria de Cultura da Prefeitura de Porto Alegre (2014), e Prêmio Ari de Jornalismo, categoria reportagem cultural, da Associação Rio Grandense de Imprensa (2010, 2011, 2014).

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