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Reportagem

Um baile para Callas com Marilena Ansaldi

16.5.2014  |  por Maria Eugênia de Menezes

Foto de capa: Annelize Tozetto

Prestes a completar 80 anos, Marilena Ansaldi ainda dança [foto no alto]. Depois de um afastamento de mais de cinco anos – em 2008, ela anunciou oficialmente sua aposentadoria – a intérprete retorna aos palcos com Paixão e fúria – Callas, o mito em curta temporada em São Paulo.

Homenagem a Maria Callas, a grande cantora lírica do século 20, o espetáculo que estreia hoje [15/5] une as artes que marcaram a trajetória de Ansaldi: a dança, o teatro e a música. “Fui gerada na ópera, passei toda a minha infância no palco”, conta ela, filha do barítono italiano Paulo Ansaldi e da corista Maria Nazareth da Silva. “É como voltar a minha origem.”

A personagem título da montagem foi essencial para que a dançarina decidisse retornar à cena. Não apenas pelo talento profissional de Callas. Mas pela dramaticidade que imprimiu tanto ao canto quanto à sua vida. Uma história com rasgos de folhetim, repleta de glórias, sofrimentos e reviravoltas.

Com direção de José Possi Neto e coreografia de Anselmo Zolla, a obra reúne 20 bailarinos da Studio 3 Cia. de Dança. A intenção é repassar momentos que imortalizaram a soprano de origem grega. São lembrados os seus grandes papéis na ópera: em Norma, de Bellini, em La Traviata, de Verdi, e na Tosca, de Puccini. O roteiro, embora não tenha pretensões biográficas, também pontua a avassaladora paixão por Aristóteles Onassis, o magnata que depois a deixaria para se casar com Jacqueline Kennedy.

Em cada uma das personagens que interpretou ao longo de sua carreira, Marilena Ansaldi diz nunca ter feito uma representação no sentido estrito do termo. “O que faço é pegar o espírito daquele artista, emprestar meu corpo e minha alma para torná-lo presente”, comenta.

Primeira bailarina do Teatro Municipal de São Paulo, Ansaldi partiu do País nos anos 1960 para a Rússia, convidada a ingressar no Balé Bolshoi. Ao regressar, não apenas persistiu no caminho que já havia trilhado. Foi adiante. O casamento com o crítico Sábato Magaldi abriu a possibilidade de concretizar um enlace entre dança e teatro, tornando-a uma precursora nessa confusão de disciplinas. “Sempre tentaram me rotular”, conta. “Querem saber se eu sou dançarina ou se sou atriz. Eu não tenho rótulo. Inventei a minha própria linguagem.”

Por conta dessa invenção, Ansaldi passou quase 40 anos sem se unir a uma companhia de dança. Começou a produzir os próprios espetáculos, a escrever seus roteiros, a encenar obras nas quais o texto ocupava lugar central. “Eu tinha um medo imenso de falar”, relembra. “Mas agora, depois de falar muito, eu voltei a ficar calada. As palavras estão esgotadas.”

Em Paixão e fúria os gestos detêm a primazia. Na cena inicial, o público acompanha o momento que antecede a morte de Callas. Em meio à agonia, ela ainda tenta cantar. Mas sua voz já havia se esgotado.

Até mesmo na trilha sonora, o canto de Callas é usado com parcimônia. Em meio aos trechos de ópera, entram títulos de Stravinski e Dvorak, além de composições originais de Felipe Venâncio, responsável pela direção musical. “Não queria impor a voz dela. A vida de Callas já é dramática o suficiente. Não era preciso sublinhar isso com a música”, observa Anselmo Zolla.

A bailarina Vera Lafer na obra encabeçada por Ansaldi

Sem uma narrativa linear, o espetáculo mistura épocas e sensações. “Concebi o espetáculo como se fosse um puzzle. Feito com passagens abstratas. Pedaços que vão, gradativamente, se juntando”, observa Possi.

Passada a cena da morte da diva, surgem as pompas fúnebres. A seguir, cinco movimentos que o diretor nomeia como “bailes”. Todos entremeados por memórias: uma síntese da Segunda Guerra, a hipótese de Callas teria se prostituído no período, o romance com Onassis. “Antes dela, as cantoras de ópera só cantavam. Callas mudou isso. A ponto de se tornar maior que as personagens que interpretou”, resume Possi.

Logo depois da temporada em São Paulo, a criação parte para Milão e Paris. Não é, aliás, a primeira vez que a companhia leva suas criações ao exterior. Outras parcerias entre Possi Neto e Anselmo Zolla, entre elas, Martha Graham memórias e Samba suor brasileiro também foram vistas na capital francesa.

.:. Publicado originalmente em O Estado de S.Paulo, Caderno 2, p. C10, em 15/5/2014.

Serviço:
Onde: Teatro Sérgio Cardoso (Rua Rui Barbosa, 153, Bela Vista, tel. 11 3288-0136)
Quando: Sexta e sábado, às 21h. Até 17/5.
Quanto: R$ 40

Cronologia trajetória de Marilena Ansaldi

Bolshoi (1962)
Participa de festival na Finlândia, e é convidada a integrar o Balé Bolshoi, na Rússia

Balé de câmara (1966)
De volta ao Brasil, ela cria o espetáculo com Victor Austin, Peter Hayden e Márika Gidali

Isso ou aquilo (1975)
Sua estreia como autora, lhe rendeu vários prêmios, como o APCA e o Molière

Hamletmachine (1987)
Sob direção de Marcio Aurélio, foi sua primeira atuação em obra de teatro de prosa

Desassossego (2005)
Escreveu e atuou na obra baseada em Fernando Pessoa

Ficha técnica:
Direção e roteiro: Jose Possi Neto
Criação coreográfica: Anselmo Zolla
Direção Musical: Felipe Venâncio
Artista Convidada: Marilena Ansaldi
Com: Beth Risoléu, Dilênia Reis, Laura Mayer, Liliane Benevento, Liris do Lago, Mara Mesquita, Melissa Soares, Renata Almeida , Vera Lafer, Alexandre Nascimento, Anderson Ribeiro, Edgar Dias, Israel Alves, José Perez, Jurandir Fanaroff, Laudinei Delgado, Luciano Martins e Sergio Galdino
Maítres de ballet: Liliane Benevento e Gustavo Lopes
Cenário: Renata Pati e Brito Antunes
Desenho de luz: José Possi Neto, Anselmo Zolla e Joyce Drummond
Figurinos: Fabio Namatame
Assistentes de Coreografia: Gustavo Lopes e Liris do Lago
Assessoria de produção: Gil Reichmann
Bibliotecária: Jane Baruque
Auxiliares: Vilma Costa e Lourdes Braga
Responsável pelos figurinos: Carmen Lidia e Silva
Responsável técnico: Joyce Drummond
Backstage: Elinah Jacqueline e Raquel Balekian
Equipe cabelereiros: Cassolaris e Robson Aleixo
Equipe de maquiagem: Silvana Marques e Simone Marques
Consultor: Guy Darmet
Direção artística: Anselmo Zolla
Direção geral: Evelyn Baruque
Assessoria de imprensa: Liège Monteiro
Realização: Studio3 Cia. de Dança
Patrocínio: Klabin

Crítica teatral, formada em jornalismo pela USP, com especialização em crítica literária e literatura comparada pela mesma universidade. É colaboradora de O Estado de S.Paulo, jornal onde trabalhou como repórter e editora, entre 2010 e 2016. Escreveu para Folha de S.Paulo entre 2007 e 2010. Foi curadora de programas, como o Circuito Cultural Paulista, e jurada dos prêmios Bravo! de Cultura, APCA e Governador do Estado. Autora da pesquisa “Breve Mapa do Teatro Brasileiro” e de capítulos de livros, como Jogo de corpo.

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