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Reportagem

Canela tenta manter seu festival de bonecos

24.6.2014  |  por Michele Rolim

Foto de capa: Divulgação

Ainda que se constitua um gênero à parte, o teatro de bonecos estimula novas formas de fazer, ver e entender uma experiência cênica, tanto para crianças quanto para adultos. Onze espetáculos deste gênero integram a programação da 26ª edição do Festival Internacional de Bonecos de Canela, que ocorre de 26 a 29 de junho, na serra gaúcha.

Não é preciso dizer, para quem acompanha o festival – um dos mais longevos deste gênero – que há anos o evento dá sinal de desgastes. Apesar de sua relevância, não encontrou, em anos recentes, fôlego no orçamento para oferecer ao público uma programação diversificada da cena contemporânea do teatro de bonecos. Neste ano, de um orçamento previsto em R$ 1,5 milhão restaram apenas R$ 400 mil. “Tentamos fazer uma edição dos sonhos e vamos enxugando, enxugando e vira, simplesmente, uma programação enxuta”, desabafa o diretor e curador do festival há três anos, Tiago Melo. Segundo ele, o festival ainda resiste somente por ser uma tradição do município. A programação deste ano é composta por dois espetáculos internacionais, dois nacionais e oito regionais.

Entre os nomes de fora estão os peruanos Hugo e Inês, do espetáculo Contos pequenos – que abrem oficialmente o festival – e são importantes representantes na criação de personagens formados com partes do corpo, de modo que transformam joelho, barriga, pés e mãos em bonecos. A dupla já é bem conhecida de edições anteriores.

Outra atração internacional vem de Portugal: A lenda do menino da gralha, do Teatro do Mar. Com técnica de manipulação de marionetes de vara, conta a história de um pai que sonha ver o seu filho, de apenas oito anos, à frente de um grande exército, mas este filho detesta armas e tem coração de pacifista.

Peça da cia. portuguesa Teatro do Mar irá a Canela

Uma das grandes apostas do curador é Emoção por um fio!, do grupo Marionetes Guarujá, de São Paulo, que pretende agradar a todos os públicos. A montagem faz uma caricatura de artistas que estão na mídia, como Ivete Sangalo e Michael Jackson, entre outros. Também há bonecos que fazem shows de mágica. O grupo é formado pelos irmãos Tarcísio e Ulisses Magnusson (que herdaram o ofício do pai) e o amigo Thiago Marques Adjuto.

Na tentativa de se chegar mais perto de uma ilusão, constantemente se busca novas técnicas, como é o caso de um dos espetáculos mais aguardados e que esteve recentemente em Porto Alegre, Aventuras de Alice no país das maravilhas. Protagonizado pela companhia mineira Giramundo, leva ao palco uma versão multimídia do clássico de Lewis Carroll. Cerca de 50 bonecos dividem o palco com o ator Beto Militani, e o grupo também utiliza um boneco digital manipulado em tempo real através da tecnologia motion capture, comum no cinema, mas rara no teatro. O elenco reúne o ex-mutante Arnaldo Baptista, que faz a voz do Chapeleiro Maluco, e Fernanda Takai, que dubla Alice e também assina trilha sonora original ao lado do marido, o músico John Ulhoa.

Nem só de grupos profissionais será feita a festa dos bonecos na Serra. Desde março deste ano, crianças e adultos da comunidade canelense, que integram as oficinas de bonecos pela Fundação Cultural de Canela com o apoio da Funarte, se preparam para apresentar o resultado de meses de confecção de bonecos e estudos em dramaturgia e manipulação, em espetáculos gratuitos.

Também estão na programação a companhia Só Rindo, com Melhor do só rindo; Mira, da Companhia de Pernas pro Ar (Canoas); Enquanto a noite não chega e o clássico Pequeno Príncipe, ambos da Cia. Goliardos (Canela). Há, ainda, os espetáculos Criações, do grupo Nazareno, de Caxias do Sul; e Circo mininal, do grupo Gente Falante, de Porto Alegre, além disso, todos os dias, em vários horários, será apresentada, na praça central da cidade, A folia dos bonecos / Mr. Torillo, que narra a história inusitada por trás de oito clássicos infantis com direção de Melo. “Prefiro não me arriscar trazendo espetáculos muito cults ou muitos alternativos com pouca verba”, afirma ele.

Para o próximo ano há uma grande expectativa de mudanças, segundo Melo. O festival contratou a empresa CDI Marketing para a captação de recursos. De acordo com o curador, constatou-se que empresas grandes não têm interesse em investir no interior do Estado por um prazo curto – no caso, os quatro dias do festival. A solução seria passar a edição para duas semanas, em Canela, e na terceira semana, levar o festival para São Paulo, por um período de sexta a domingo. “Seria uma forma de conseguir trazer dinheiro para o festival, resolvendo o problema de poucos dias e localização”, comenta Melo. A torcida é grande, mas resta saber se, no próximo ano, o evento realmente terá o devido valor.

.:. Publicado originalmente no Jornal do Comércio, caderno Panorama, p. 1, em 24/6/2014.

.:. O site da 26ª edição do Festival Internacional de Bonecos de Canela, aqui.

Jornalista e mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Desenvolve pesquisa em torno do tema curadoria em festivais de artes cênicas. É a repórter responsável pelo setor de artes cênicas do Jornal do Comércio, em Porto Alegre (desde 2010). Participou dos júris do Prêmio Açorianos de Teatro, do Troféu Tibicuera de Teatro Infantil (ambos da Prefeitura de Porto Alegre) e do Prêmio Braskem em Cena no festival internacional Porto Alegre Em Cena. É crítica e coeditora do site nacional Agora Crítica Teatral e membro da Associação Internacional de Críticos de Teatro, AICT-IACT (www.aict-iatc.org), filiada à Unesco). Por seu trabalho profissional e sua atuação jornalística, foi agraciada com o Prêmio Açorianos de Dança (2015), categoria mídia, da Secretaria de Cultura da Prefeitura de Porto Alegre (2014), e Prêmio Ari de Jornalismo, categoria reportagem cultural, da Associação Rio Grandense de Imprensa (2010, 2011, 2014).

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