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Crítica

Um clássico da mútua destruição

22.9.2014  |  por Miguel Anunciação

Foto de capa: Humberto Araujo/Clix FTC

Do mesmo modo que ser produzido e/ou estar em cartaz no Rio de Janeiro e São Paulo, hoje, beneficiam a divulgação de qualquer fato cultural comparado ao que se faz e/ou acontece, por exemplo, no Piauí, o fato de ser americano obviamente deve influenciar os críticos que consideram Edward Albee “um dos mais importantes dramaturgos do teatro moderno” ainda vivos. Os Estados Unidos são, digamos assim, a maior caixa de ressonância de notícias do mundo atual, o que obviamente ajuda a divulgar e promover sua riquíssima produção cultural.

Independentemente do que a nova ordem mundial consegue dispor sobre estas questões, é inegável o valor de Quem tem medo de Virginia Woolf?. Seu próprio autor chegou a afirmar: “Se existir uma história daqui a alguns anos e se eu fizer parte dela, atrevo-me a dizer que será a peça que melhor se identifica com o meu nome”. Escrito em 1962, nenhum outro dos seus texto é mais associado ao seu trabalho, ao seu talento de escritor. Mais até que A história do zoológico, de 1958, sua primeira peça encenada, outro grande sucesso.

Afora os dois citados, os textos de Albee não são montados no Brasil com a frequência que sua qualidade como autor levaria a prever. São textos exigentes, de articulação complexa (e portanto, menos favoráveis a agradar um grande público) e privilegia temas de entrechoques. A história do zoológico instala perceptível eletricidade homoerótica no encontro de dois desconhecidos (onde, tudo leva a crer, Bernard-Marie Koltés buscou os substratos que explicita em Na solidão dos campos de algodão) e Quem tem medo de Virginia Woolf? dilata o ringue onde o casal infeliz cumpre um ritual de carnificina verbal. Um ritual agônico de quase 2h30.

Montado quatro vezes no Brasil com respeitáveis artistas na ficha técnica e “imortalizado no cinema numa realização vencedora de cinco categorias do Oscar” de 1966, escalando Elizabeth Taylor e Richard Burton como protagonistas (sob a direção de Mike Nichols), Quem tem medo de Virginia Woolf? não é um clássico do teatro contemporâneo por acaso. É um retrato impressionante, talvez definitivo, de até onde duas pessoas podem levar uma tentativa de mútua destruição e como defendem o pacto neurótico que estabeleceram.

Notavelmente dirigida por Victor Garcia Peralta, esta nova montagem do clássico encontrou merecido reconhecimento nos prêmios destinados à temporada teatral carioca de 2013. Impecáveis, Daniel Dantas e Zezé Polessa levaram o Cengranrio de ator e atriz, e João Polessa Dantas foi indicado pela tradução. Zezé e Daniel também foram indicados ao Shell e o espetáculo APTR/RJ. Igualmente merecem destaque a cenografia de Gringo Cardia (que surpreende por ‘comentar’ o drama doméstico descrito no enredo, ao acender o interior das casinhas que circundam a sala onde Marta e Jorge recebem o casal jovem), a iluminação de Maneco Quinderé e os coadjuvantes Erom Cordeiro e Ana Kutner. Segundo a produção, aos 86 anos, Albee teria avaliado e aprovado pessoalmente a equipe de criação desta produção carioca apresentada no Cine Theatro Brasil Valourec, em Belo Horizonte, de 22 a 24 de agosto.

.:. Texto escrito originalmente no Blog da Cena, de Miguel Anunciação, que pode ser acompanhado aqui.

Ficha técnica:
Texto: Edward Albee
Tradução: João Polessa Dantas
Com: Zezé Polessa, Daniel Dantas, Erom Cordeiro e Ana Kutner
Direção: Victor Garcia Peralta
Direção de arte, cenografia e programação visual: Gringo Cardia
Iluminador: Maneco Quinderé
Figurinos: Marcelo Pies
Visagismo: Fernando Torquatto
Trilha sonora: Marcelo Alonso Neves
Produção executiva: Carmem Oliveira
Direção de produção: Giuliano Ricca
Produtores associados: Zezé Polessa e Giuliano Ricca
Realização: MJC Polessa Produções Artísticas e Ricca Produções Artísticas

Jornalista profissional desde 1977, já integrou órgãos de imprensa de São Paulo, Salvador e Belo Horizonte. Atua como repórter e crítico de espetáculos há 20 anos. É curador assistente do Multifestival de Teatro de Três Rios (RJ).

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