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Reportagem

Teatro Máquina tensiona ‘Fatzer’ de Brecht

24.3.2015  |  por Helena Carnieri

Foto de capa: Deivyson Teixeira

Quando um escritor estimado deixa algum texto inacabado, pode ter certeza de que muita gente irá se concentrar nele. A curiosidade em torno do que aquilo poderia ter sido estimula adaptações, como acontece com a peça sem desfecho conhecida como Material Fatzer, escrita em fragmentos entre 1926 e 1931 por Bertolt Brecht. Entre outros, o conceituado dramaturgo Heiner Müeller fez uma versão que completa a obra, que ele chamou de O declínio do egoísta Johann Fatzer.

A versão que o grupo cearense Teatro Máquina traz durante o Festival de Curitiba, Diga que você está de acordo! Máquina Fatzer, transforma aquilo que Brecht deixou com nova roupagem. “Novos temas precisam de novas formas”, diz a diretora Fran Teixeira, citando Brecht, que por sua vez citava, surpreendentemente, Jesus.

Em conversa com a reportagem por telefone, a partir da distante Fortaleza, Fran contou que o material bruto é composto de cenas abertas, meras indicações do que poderia ser feito no palco. Como num diário pessoal, o dramaturgo alemão deixou registrados não apenas os rudimentos da trama, que se passa durante a Primeira Grande Guerra, mas diversas ideias de rubrica para uma futura montagem, descrições de personagem, teoria teatral, poesia e músicas.

O enredo fala de quatro soldados que desertam e se escondem na casa de um deles, onde está sua mulher. Os cinco personagens, que aguardam uma revolução, vivem em seguida um período tenso de confinamento em que cada decisão precisa ser debatida arduamente – no que, à época, representava uma paródia da formação dos sovietes, os conselhos operários russos pós-revolução. Entre eles, o ex-soldado Fatzer surge como o egoísta do grupo e elemento de conflito.

Na montagem que teremos dias 1º e 2 de abril no Teatro da Reitoria, a dificuldade de comunicação é expressada por uma “nova forma”, também ela uma homenagem a Brecht. Trata-se do idioma falado pelos personagens, que é uma língua inventada. O exercício perdura por todo o espetáculo.

“O grupo Máquina se atém mais ao lado formal e gestual de Brecht, não diretamente ao político”, diz Fran, referindo-se ao traço politizado, comumente destacado nas peças do alemão. “Esse é um autor instigador do nosso trabalho, mas não fazemos teatro engajado, nem ‘brechtiano’”.

Loreta Dialla na obra dirigida por Fran TeixeiraDeivyson Teixeira

Loreta Dialla na obra dirigida por Fran Teixeira

Além de dança e música, que eram frequentes no teatro de Brecht, existe espaço para o improviso, algo que acrescenta um elemento de risco às apresentações.

O resultado é um misto de diversão com tensão, em se tratando de um tema pesado como a guerra.

O trabalho com o material original da peça fez parte da pesquisa do doutorado de Fran. Durante o processo de construção do espetáculo, o grupo Máquina teve o apoio de artistas brasileiros e alemães, a partir do Prêmio Funarte Myriam Muniz 2013 de estímulo a novas montagens. A peça que agora circula pelo país comemora os 10 anos do grupo cearense.

“Nosso espetáculo não retrata apenas quatro soldados confinados. É muito mais sobre o acordo e sobre o que nos resta. Sobre esse lugar sombrio que revela a natureza, revela o que pensamos termos construído como humanidade, revela o que não podemos entender como homens, o que não queremos saber”, afirma Fran.

.:. Publicado originalmente no jornal A Gazeta do Povo, Caderno G, em 17/3/2015.

.:. As apresentações no Festival de Curitiba, aqui.

.:. O blog do grupo Teatro Máquina, aqui.

Ficha técnica:
Direção: Fran Teixeira
Com: Fabiano Veríssimo, Felipe de Paula, Márcio Medeiros, Levy Mota e Loreta Dialla
Tutoria: Guillermo Cacace
Colaboração: Júlia Sarmento, Michael Wehren (Friendly Fire) e Stephane Brodt (Amok Teatro)
Registro dos encontros: Guilherme Bruno
Produção: Fran Teixeira, Levy Mota e Ana Luiza Rios
Criação de sonoplastia: Ayrton Pessoa Bob (orientador), Marcos Paulo Leão (assistente), Israel Silveira (assistente), Glauber Bass, Laylton Maia, Marcelo Freitas, Marcos Au Coelho, Matheus Ramilen, Rami Freitas, Saulo de Castro e Tuilla Cláudia
Cenografia: Frederico Teixeira
Cenotecnia: Fernando Casari (orientador), Diego Brito, Gabura Mn, Israel Silveira, Jacqueline Brito e Pedro Moreira
Objetos cenográficos: Alex Ferreira
Iluminação: Walter Façanha
Figurino: Diogo Costa
Costureiras: Francisca Maria, Odaíde Baía e Tetê Ferreira
Adereços de couro: Muñoz Aguirre
Arte gráfica: Fernanda Porto
Fotos: Deivyson Teixeira
Operação de luz e som: Ana Luiza Rios e Fran Teixeira
Áudio-intervenção Voz de gente para ouvir:
Co-produção Friendly Fire e Teatro Máquina
Vozes: Ana Luíza Rios, Fabiano Veríssimo, Felipe de Paula, Fran Teixeira, Helena Wölfl, Levy Mota, Loreta Dialla, Márcio Medeiros, Melanie Albrecht e Michael Wehren.

Jornalista formada pela Universidade Federal do Paraná, instituição onde cursa o mestrado em estudos literários, com uma pesquisa sobre A dama do mar de Robert Wilson. Cobre as artes cênicas para a Gazeta do Povo, de Curitiba, há três anos. No mesmo jornal, já atuou nas editorias de economia e internacional.

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