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Crítica

Mala Voadora rasga a etiqueta: a que viemos?

11.4.2015  |  por Mateus Araújo

Foto de capa: José Carlos Duarte

No final de Protocolo, peça do português Mala Voadora, os atores Jorge Andrade e Anabela Almeida se questionam sobre a quem agradarão com aquele trabalho. Tomando as regras e etiquetas impostas pela realeza, o espetáculo é uma desconstrução para qualquer cerimônia de pompa. Faz do cômico e sarcástico a reflexão de papeis e valores – muitos deles modificados com o tempo – que, não obstante, serviu como uma luva para a abertura do Festival de Teatro de Grupo do Recife – Trema!, numa edição “rebelde”. O espetáculo foi apresentado quarta (8), no Teatro Hermilo Borba Filho.

Metafórica em sua essência, a montagem usa os signos como subversão de um discurso hermético do Rei Luiz 14 para uma nova perspectiva da sociedade contemporânea. Jorge e Anabela são, ao mesmo tempo, narradores e cerimonialistas. Conduzem o espetáculo de maneira a fazer da teatralidade um caminho que, com humor, questiona, provoca e reflete sobre as regras, os status e as submissões. Donos de uma interpretação harmônica, os atores carregam na tinta das expressões, transitando entre figuras como bobos de corte e parte elegante da nobreza – ainda que não pertençam a ela.

Se de um lado, o texto baseado num documento oficial escrito por Luiz 14 é puramente formal, a encenação recorre a símbolos metalinguísticos para desconstruí-lo. O sério vira o engraçado; o real vira teatro. Posta a plateia espelhada no palco, tira-se o público de uma postura passiva para assumir em cena a figura de personagem. Estaria, ali, o recurso brechtiano como uma ruptura tão inerente a esse teatro atual que quebra barreiras, transforma papeis e, de maneira delicada, joga pra fora de uma zona de conforto aquele que o assiste.

O cenário, com uma cortina, jarros de flores e um tapete/grama que se estende até a arquibancada, se soma a essa simplicidade e objetividade de um espetáculo focado no texto e na crítica.

É também possível ampliar o discurso e as percepções de figuras, uma vez que a corte transformou-se em povo; o povo, em teatro. Desse modo, ao inverter as figuras, porém, pode-se transpor à cena o próprio teatro que, politizado, ressignifica seu próprio valor e sua destinação.

Quando os personagens se perguntam para quem e para quê servem seus discursos, também se permitem a refletir qual/quais as obstinações do teatro contemporâneo. Quando o Trema! colocou, não se sabe se propositalmente, Protocolo para abrir esta edição, cujo tema permeia o debate sobre ocupar e resistir numa guerrilha artística, o fez de maneira inteligente e instigante, fazendo-nos repensar a finalidade do próprio festival que é resistir.

.:. Publicado originalmente no blog Terceiro Ato, do Jornal do Commercio, em 10/4/2015.

.:. Mais informações sobre a programação do Festival de Teatro de Grupo do Recife – Trema!, aqui.

.:. Reportagem a respeito da edição de 2015 do festival organizado pelo Grupo Magiluth regido pelos sentidos da ocupação e da resistência, aqui.

Formou-se em Jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco e cursa o mestrado em Artes Cênicas na Universidade Estadual Paulista (Unesp), desenvolvendo uma pesquisa sobre masculinidade no teatro, com foco na obra do Grupo Magiluth. Escreve para a Folha de S. Paulo, UOL Entretenimento e revista Continente. Foi repórter de cultura do Jornal do Commercio, de 2011 a 2016, e titular do blog e da coluna Terceiro Ato. Integrou o núcleo de pesquisa da Ocupação Laura Cardoso (2017), do Itaú Cultural. Coordena a equipe de comunicação da SP Escola de Teatro. E é membro da Associação Internacional de Críticos de Teatro (AICT-IACT).

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