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Reportagem

Samir Yazbek examina conflito na Palestina

1.4.2015  |  por Maria Eugênia de Menezes

Foto de capa: Fernando Stankun

Uma das sete estreias nacionais previstas para o Festival de Teatro de Curitiba deste ano, Post scriptum é o novo espetáculo do dramaturgo e diretor Samir Yazbek. Atualmente em cartaz em São Paulo com uma remontagem de O fingidor – título que o revelou em 1999 e permanece como seu maior sucesso -, Yazbek trouxe à mostra paranaense um texto em que volta a explorar um tema que pontua seu percurso: sua origem de imigrante árabe.

A questão já havia sido visitada por ele em A terra prometida (2001) e Folhas do cedro (2010). Mas retorna, desta vez, com caráter político acentuado. E buscando, sobretudo, construir uma ponte com a problemática atual do País.

Ainda que, em Post scriptum, o autor se debruce sobre a disputa entre israelenses e palestinos, a mirada para o conflito se dá pelo ponto de vista de uma família que, apesar das origens no Oriente Médio, vive no Brasil e teve aqui dois filhos – dotados de entendimentos e posições distintas acerca da guerra santa que há tanto se arrasta.

Apresentada no Teatro Paiol, em Curitiba, a peça da Cia. Arnesto nos Convidou deve estrear em São Paulo ainda no primeiro semestre. Sua estrutura se apoia, primeiramente, em uma tragédia familiar para daí criar contexto para a reflexão de natureza geopolítica. “Trata-se, de certa maneira, de um levante contra o maniqueísmo”, crê Yazbek, que assinou a dramaturgia ao lado do ator Helio Cícero. “Cada vez mais complexa, a questão política também tem se mostrado cada vez mais polarizada.”

Ainda que a origem dos protagonistas seja a mesma do autor, um único dado verdadeiramente biográfico foi utilizado na criação. Assim como o pai de Yazbek, o patriarca da peça também sofreu um acidente aéreo na Amazônia e, desaparecido, foi dado como morto. Ultrapassado esse ponto, tudo o que vai ao palco é ficção.

Após o desaparecimento de um homem nessas circunstâncias, sua mulher e os dois filhos tentam compreender seu legado. O primogênito (Fause Haten) – resultado da união do pai com uma empregada doméstica vinda da Região Norte – toma estritamente os ensinamentos paternos e revela-se fiel à causa palestina. Grita por aqueles que perderam suas terras, foram enviados a campos de refugiados ou sofrem ataques constantes de um dos mais poderosos exército do mundo.

Para o caçula (Pedro Augusto Monteiro), porém, o embate tem mais matizes do que se pode ver à primeira vista. Naturalmente mais rebelde, ele se envolve amorosamente com uma jovem judia. E, se não abraça a bandeira do expansionismo de Israel, também relativiza o discurso vitimizado propalado com tanto despudor dentro de sua casa.

Se, tematicamente, Yazbek trafega em campo conhecido, a forma escolhida também se mostra tributária de criações anteriores. Parte de um contexto doméstico e familiar. E reveste-o de tonalidades míticas – traço que também já havia se manifestado em sua literatura. Para combinar tantos elementos, o cenário de Fause Haten delimita os espaços da realidade, da imaginação e do mito.

Em Terra prometida, a relação entre dois homens – pretexto para tratar de intolerância e fé – era vista à luz do texto bíblico do Êxodos. Na nova criação, o subtexto também se mostra pautado por um excerto do Velho Testamento.

Na Bíblia, a história de Abraão representa a imagem do fundador de três grandes religiões: o cristianismo, o judaísmo e o islamismo. Em Post scriptum, o patriarca vivido por Helio Cícero é casado com uma mulher de origem católica (Daniela Duarte). Tem um filho que segue a fé muçulmana. E outro, agnóstico, mas flertando com o universo judaico.

A forma como os dois irmãos foram gerados também encontra lastro mítico, com suas mães – uma senhora e outra escrava – como antagonistas. No lugar da escrava egípcia do texto bíblico, a serviçal de origem indígena da criação atual vem reforçar o vínculo pretendido com a realidade local. “Eles estão tratando de outras guerras, do outro lado do mundo, e a verdadeira guerra está aqui, no Brasil”, diz o autor. “No próximo trabalho, quero me voltar para as origens do País. Separar aparência e essência.”

.:. A repórter viajou a convite da organização do Festival de Teatro de Curitiba.

.:. Publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo, Caderno 2, p. C5, em 31/3/2015.

.:. Mais informações no site do Festival de Teatro de Curitiba, aqui.

Crítica teatral, formada em jornalismo pela USP, com especialização em crítica literária e literatura comparada pela mesma universidade. É colaboradora de O Estado de S.Paulo, jornal onde trabalhou como repórter e editora, entre 2010 e 2016. Escreveu para Folha de S.Paulo entre 2007 e 2010. Foi curadora de programas, como o Circuito Cultural Paulista, e jurada dos prêmios Bravo! de Cultura, APCA e Governador do Estado. Autora da pesquisa “Breve Mapa do Teatro Brasileiro” e de capítulos de livros, como Jogo de corpo.

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