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Crítica

A teatralidade na ‘Ópera do malandro’

16.5.2015  |  por Mateus Araújo

Foto de capa: Leo Aversa

O pernambucano João Falcão fez sua versão da Ópera do malandro explorando a teatralidade dentro dos universos da malandragem e da prostituição, propostos por Chico Buarque de Holanda no texto escrito originalmente no final da década de 1970. A peça de João estreou em agosto do ano passado no Rio de Janeiro, cumpriu temporada de março até o último dia 3 de maio no Theatro Net em São Paulo e agora vai iniciar turnê pelo País.

A obra de Chico tem origem na Ópera dos três vinténs, de Brecht e Kurt Weill, que é, por sua vez, uma recriação da Ópera dos mendigos, de John Gay. O autor brasileiro recria a história dos gangsteres de Chicago na realidade dos malandros cariocas. Na trama – que se passa no Brasil dos anos 1940, em pleno Estado Novo e auge da segunda Guerra Mundial – a rivalidade entre o cafetão Duran e o contrabandista anti-herói Max Overseas se intensifica quando Teresinha, a filha única daquele, se apaixona e casa com este.

Como crítica à influência norte-americana a partir da guerra, Chico Buarque dá aos malandro do Rio de Janeiro os nomes dos bandidos dos Estados Unidos. Com uma encenação irônica sem parcimônia, João Falcão revisita a obra original retratando os contextos de agiotagem, roubo, interesses econômicos e influência política com um elenco formado em sua maioria por homens – há apenas uma mulher em cena – e uma estética marcada pela teatralidade.

Os figurinos ratificam a proposta de expansão proposta pelo diretor: contrapondo brilhos e farrapos, carregando as tintas e cores. O cenário usa estruturas de ferros – num paredão de escadaria e em carroças que fazem a transição das cenas.

A insolência das prostitutas da história soma-se, numa caricata associação, aos corpos volumosos dos atores. O fato de apenas usar homens para as personagens nos aparece como recurso para criar o distanciamento proposto por Brecht (origem de toda a obra). As vozes oscilante e a graça que a teatralidade oferecem à interpretação desloca o enredo para o caminho do épico.

É impossível não destacar a interpretação da Adrén Alves, no papel de Vitória, cuja personalidade assume traços fortes, irônicos e expansivos, num jogo de voz e gestual. Falta, por outro lado, o carisma do malandro de Moyseis Marques. Salientes, divertidas e provocantes são as “meninas” Shirley Paquete (Bruce de Araújo); Fichinha (Renato Luciano) e Dóris Pelanca (Rafael Cavalcanti). Já Guilherme Borges cria uma Lúcia extremamente cômica e surpreende cantando Palavra de mulher.

Um dos bons exemplos de interpretação é a de de Eduardo Landim, que faz Genivaldo, cantando ‘Geni e o zepelim’.

A qualidade musical deste estilo de teatro de João Falcão (seu anterior trabalho com esta companhia é Gonzagão – A lenda) mantém-se na Ópera. Embora a direção musical e os arranjos criados por Beto Lemos não destoem muito dos originais criados por Chico Buarque, a presença de canções consagradas da música popular brasileira é um fator que se soma à positividade do espetáculo. Nele, a canção faz a plateia pensar, põe em reflexão. O repertório tem, entre outras músicas, Meu amor, Teresinha e A volta do malandro.

Um dos bons exemplos de interpretação é a de de Eduardo Landim, que faz Genivaldo [foto no alto], cantando Geni e o zepelim. Ele equivale o épico e o dramático, ao invés de nos distanciar do drama – como defenderia Brecht – nos aproxima dele, uma vez que a narrativa da música nos prende e nos esclarece parte da história.

Nos falta, porém, um final apoteótico – mas eis aqui um problema da dramaturgia de Chico Buarque, que neste caso se torna cansativa e confusa. Entretanto, é atual ao oferece à plateia alusão aos tempos políticos atuais brasileiros, uma vez que João Alegre (Larissa Luz, única mulher do elenco), personagem do narrador/autor da história, recorre a frases que dizem respeito à necessidade de acordos e conchaves políticos – duvidosos – para a resolução e realização de uma gestão.

O protesto que encerra o espetáculo traz-nos, ainda, símbolos contemporâneos das insatisfações sociais do Brasil. O elenco hasteia faixas que estampam repúdio à corrupção e à ditadura militar, e apoio ao movimento recifense Ocupe Estelita.

.:. Publicado originalmente no blog Terceiro Ato, do Jornal do Commercio, em 11/05/2015.

.:. O site do ator Eduardo Okamoto, aqui.

Ficha técnica:
Adaptação e direção: João Falcão
Direção musical: Beto Lemos
Direção de produção e idealização: Andréa Alves
Elenco: Adrén Alves, Alfredo Del Penho, Bruce de Araújo, Davi Guilhermme, Eduardo Landim, Eduardo Rios, Fábio Enriquez, Guilherme Borges, Larissa Luz,Rafael Cavalcanti, Renato Luciano, Ricca Barros e Thomás Aquino
Apresentando: Moyses Marques
Cenografia: Aurora dos Campos
Figurinos: Kika Lopes
Iluminação: Cesar de Ramires
Coreografia: Rodrigo Marques
Projeto de som: Fernando Fortes
Visagismo: Uirandê de Holanda
Assistente de direção: Clayton Marques
Preparação vocal: Maria Teresa Madeira
Programação visual: Gabriela Rocha
Músicos: Beto Lemos (violão, rabeca, bandolim, viola e guitarra); Daniel Silva (violoncelo e baixo elétrico); Rick de La Torre (bateria e percussão); Roberto Kauffmann (teclado e acordeon); Frederico Cavaliere (clarineta); e Dudu Oliveira (flauta, sax e bandolim)

Formou-se em Jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco e cursa o mestrado em Artes Cênicas na Universidade Estadual Paulista (Unesp), desenvolvendo uma pesquisa sobre masculinidade no teatro, com foco na obra do Grupo Magiluth. Escreve para a Folha de S. Paulo, UOL Entretenimento e revista Continente. Foi repórter de cultura do Jornal do Commercio, de 2011 a 2016, e titular do blog e da coluna Terceiro Ato. Integrou o núcleo de pesquisa da Ocupação Laura Cardoso (2017), do Itaú Cultural. Coordena a equipe de comunicação da SP Escola de Teatro. E é membro da Associação Internacional de Críticos de Teatro (AICT-IACT).

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