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Reportagem

Édipo encontra John Lennon

22.5.2015  |  por Fábio Prikladnicki

Foto de capa: João Julio Mello

Do mito grego à novela oitentista Mandala, passando pela tragédia Édipo rei, de Sófocles, e – claro – pelo Complexo de Édipo, de Freud, a história do homem que tem como destino matar o pai e casar com a mãe entrou de vez na cultura pop.

De olho nesse amálgama de referências tão díspares entre si, a Aquela Cia. (RJ) montou o musical Edypop, que tem sessões amanhã, às 21h, e domingo, às 18h, no Theatro São Pedro, em Porto Alegre, dentro da programação do 10º Festival Palco Giratório Sesc/POA. Da mesma companhia o público gaúcho teve a oportunidade de assistir, na edição de 2014, ao espetáculo Cara de Cavalo, sobre o bandido homônimo que viveu no Rio nos anos 1960.

Escrito por Pedro Kosovski, o novo trabalho reconta o mito de Édipo com algunas cositas más. Laio, o rei de Tebas, passa por dois infernos: um deles é a predição do oráculo de que será morto pelo filho Edy, que por sua vez desposará a mulher do pai, Jocasta; o outro inferno é a multidão de mascarados que, insatisfeita com a situação de Tebas, quer invadir o castelo (se você pensou nas manifestações de 2013 no Brasil, acertou a referência). Entre eles, está ninguém menos do que um certo John, que não por acaso tem a cara de John Lennon. Para tentar ajudar o marido a superar os problemas, Jocasta chama um certo Freud. Quem também aparece é o irmão de Jocasta, chamado não de Creonte, mas de Clement Greenberg – como o célebre crítico de arte americano que tinha ressalvas sobre a Pop Art. É o segundo espetáculo da Aquela Cia. com Letícia Spiller (aqui, no papel de Jocasta), depois de Outside, um musical noir (2011), sobre o universo artístico de David Bowie.

“Tínhamos vontade de entrar na questão da tragédia e nos perguntamos: ‘Qual é a tragédia mais pop?’. Édipo, claro. A questão que surgiu foi: o que une Édipo, o mais pop dos heróis gregos, e John Lennon, o mais edipiano dos artistas pop? Lennon lamentava pela mãe que morreu quando ele tinha 17 anos e não conseguiu amar”, conta Kosovski, autor do texto, que interpretará o papel de uma das moiras nas sessões em Porto Alegre.

Nós ‘popificamos’ o mito, mas tem momentos de erudição dentro dessa popificação

Edypop é resultado de uma pesquisa sobre a linguagem do gênero musical que não repisasse os modelos da Broadway e dos musicais biográficos que viraram moda nos palcos brasileiros. Além de uma banda, haverá um coro de atores escolhidos em uma oficina que será realizada hoje em Porto Alegre (inscrições encerradas). Serão apresentadas canções compostas para o espetáculo por Kosovski e pelo diretor musical Felipe Storino e sucessos de Lennon com os Beatles (Tomorrow never knows e Cry baby cry) e em carreira solo (como Mother e Jealous Guy).

O diretor Marco André Nunes observa que a intenção foi criar um espetáculo que fosse ele mesmo pop, mas oferecesse, ao mesmo tempo, uma mirada crítica sobre o fenômeno:

“O pop é homogeneizante, voraz, devora tudo. Faz com que você tenha uma visão superficial das coisas. Mas o pop tem uma beleza. Se interessa a tanta gente é porque tem um encanto. Nós ‘popificamos’ o mito, mas tem momentos de erudição dentro dessa popificação. O espectador que estiver atento a isso vai ter um prazer muito maior ao assistir ao espetáculo, mas qualquer um pode acompanhar e fruir.”

.:. Publicado originalmente no jornal Zero Hora, Segundo Caderno, p. 1, em 22/4/2015.

.:. A programação do 10º Festival Palco Giratório Sesc/POA, aqui.

Serviço:
Onde: Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/nº, Porto Alegre, tel. 51 3227-5100)
Quando: Sábado (23), às 21h, e domingo (24), às 18h.
Quanto: R$ 7 a R$ 20

Ficha técnica:
Texto: Pedro Kosovski
Direção: Marco André Nunes
Com: Letícia Spiller, João Velho, André Marques Dale, Jorge Caetano, Ricardo Santos, Laura Araújo, Gabriela Geluda, Luciana Hudson, Paula Otero, Felipe Storino, Maurício Chiari e Carolina Lavigne
Arranjos e direção musical: Felipe Storino
Cenografia: Fernando Mello Da Costa
Figurinos: Marcelo Marques
Direção de movimento: Marcia Rubin
Iluminação: Renato Machado
Visagismo: Josef Chasilew
Preparação vocal: Danielle Lima
Músicas originais: Felipe Storino E Pedro Kosovski
Videografismo: Gustavo Gelmini
Direção de produção: Verônica Prates

Jornalista e doutor em Literatura Comparada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É setorista de artes cênicas do jornal Zero Hora, em Porto Alegre (RS). Foi coordenador do curso de extensão em Crítica Cultural da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, em São Leopoldo (RS). Já participou dos júris do Prêmio Açorianos de Teatro, do Troféu Tibicuera de Teatro Infantil (ambos da prefeitura de Porto Alegre) e do Prêmio Braskem em Cena no festival Porto Alegre Em Cena. Em 2011, foi crítico convidado no Festival Recife de Teatro Nacional.

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