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Reportagem

Irmãos Guimarães enquadram Beckett

29.5.2015  |  por Gabriela Mellão

Foto de capa: Emília Silberstein

Irmãos Guimarães, coletivo notório por seus trabalhos inspirados na obra de Beckett, apresenta o resumo de 17 anos de trabalho na ocupação “Sozinho Juntos” no Sesc Belenzinho, em São Paulo.

O evento que se estende até final de junho reúne três peças, três performances e um ciclo de palestras sobre o autor irlandês. Todos os trabalhos esbarram no tema da solidão, enfocado sobretudo a sensação de isolamento que surge do encontro com o outro. “Em seus textos, Beckett apresenta, em diferentes abordagens, a relação entre presença e ausência. Tivemos os ritmos destas aparições e apagamentos como ponto de partida”, diz o diretor Fernando Guimarães.

Quadrado, espetáculo sem palavras que é quase um bailado, abriu a ocupação na semana passada e pode ser visto neste próximo final de semana. Nele, sete atores percorrem um pequeno quadrado branco. Estão todos nus, rodeados por quatro baús de roupas. Ao mesmo tempo em que se vestem, são despidos ininterruptamente, uns pelos outros. A ação é repetitiva, feita de forma quase mecânica.

A rapidez e frieza dessas trocas entre os atores parecem haikais sobre relacionamentos descartáveis da contemporaneidade.

As roupas que se acumulam pelo chão também podem se transformar, de acordo com a imaginação do espectador, nas diversas máscaras ou armaduras que o homem usa durante sua existência.

Os amontoados passam a dificultar o percurso dos atores bailarinos. Simbolizam obstáculos irrevogáveis, como se cada desencontro se solidificasse, atrapalhando o fluxo dos novos encontros.

No final, duplas de atores se amalgamam no centro do quadrado. Um entra dentro das vestimentas do outro, se apossando de seu corpo ao mesmo tempo em que é metamorfoseado por ele. Deixam de ser dois para se transformarem em um. Um novo um, que nasce da união, está sempre em movimento, e, como se pode observar, invariavelmente se desfaz. “Cada pessoa que vê essa obra me conta uma interpretação diferente. Buscamos uma encenação aberta, para que cada espectador faça sua própria leitura”, explica Guimarães.

Em Ato em palavras I, livre interpretação da obra homônima original que integra o espetáculo Sopro e pode ser vista de 5/6 a 14/6, a solidão é compartilhada com vento.

Beckett propõe um enquadramento narrativo preciso, quase cinematográfico, calcando-se não somente na palavra.

Muito vento. Um ventilador de 2m de altura está no canto da cena e impede um ato bastante banal de acontecer: o de uma senhora, que tenta tomar um chá. Sua tentativa é fadada ao fracasso. Como na obra original, a ação se torna metáfora da impotência humana.

A intenção dos encenadores através dos experimentos de essência performática é produzir no espectador um entendimento da obra que ultrapasse a razão. A fidelidade a Beckett se dá, portanto, através da tentativa de ampliar a compressão racional da obra. “Beckett propõe um enquadramento narrativo preciso, quase cinematográfico, calcando-se não somente na palavra. Estes procedimentos podem gerar outro tipo de percepção para o espectador, outra experiência”, afirma o diretor Adriano Guimarães.

A atriz Yara de Cunto em 'Sopro', dos Irmãos GuimarãesDiego Bresani

A atriz Yara de Cunto em ‘Sopro’, dos Irmãos Guimarães

Espetáculos:

Quadrado
Livremente inspirado em Quad e Noite e sonho, de Samuel Beckett. Com Edson Beserra, Lavínia Bizzotto ou Alessandro Brandão, Leandro Menezes, Lina Frazão, Rafael Alves e Valéria Rocha.
De 22 a 31/5
Sexta e sábado, às 21h30; domingo, às 18h30
R$ 7,50 a R$ 25

Sopro
A partir dos textos Ato sem palavras I e Passos, de Samuel Beckett. Com Liliane Rovaris e Yara De Cunto
De 5 a 14/6
Sexta e sábado, às 21h30; domingo, às 18h30
R$ 7,50 a R$ 25

Fôlego
A partir dos textos Improviso de Ohio e Ato sem palavras II, de Samuel Beckett. Com Emanuel Aragão e Mateus Ferrari
De 19 a 28/6
Sexta e sábado, às 21h30; domingos, às 18h30
R$ 7,50 a R$ 25

Performances

Nada se move
Com Yara de Cunto
28/5, quinta, às 20h
Grátis
Com Denise Stutz
4/6, quinta, às 18h30
Grátis
Com Miwa Yanagizawa
11/6, quinta, às 20h
Grátis

59 minutos e 59 segundos
Com Liliane Rovaris
18/6, quinta, às 20h
Grátis

99 A 1
Com Emanuel Aragão
25/6, quinta, às 10h e às 22h
Grátis

Ciclo de palestras: A materialidade do ausente

Quadrangulares
Com Marília Panitz
27/5, quarta, às 20h
Grátis

Matéria e antimatéria: a invisibilidade ativa na cena beckettiana
Com Luiz Fernando Ramos
3/6, quarta, às 20h
Grátis

Do pobre mente ao palco e de volta: as pontes de palavras no último Beckett
Com Fábio de Souza Andrade
10/6, quarta, às 20h
Grátis

Vazios e repetições
Com Cassiano Sydow Quilici
17/6, quarta, às 20h
Grátis

Onde: Sesc Belenzinho (Rua Padre Adelino, 1.000, Belenzinho, São Paulo, tel. 11 2076-9700).

.:. O site do Coletivo Irmãos Guimarães, aqui.

Autora, diretora e jornalista teatral. Pós-graduada em Jornalismo Cultural na PUC-SP, estudou Cultura e Civilização Francesa na Sorbonne, em Paris, e Dramaturgia e História do Teatro Moderno em Harvard, Boston. Escreve para Folha de S.Paulo e revista Vogue. Compõe o júri do prêmio APCA de teatro. É autora e diretora de Nijinsky - Minha loucura é o amor da humanidade (2014), peça convidada a integrar o Festival de Avignon de 2015. Tem cinco peças encenadas, Ilhada em mim – Sylvia Plath (indicada ao prêmio de melhor direção pela APCA de 2014); Espasmo (2013); Correnteza (2012); Parasita (2009), A história dela (2008), além de um livro publicado com suas obras teatrais: Gabriela Mellão – Coleção primeiras obras. Lecionou Laboratório de Crítica Teatral para o curso de Jornalismo Cultural na pós-graduação da Faap, entre 2009 e 2012. Foi crítica da revista Bravo! entre 2009 e 2013, ano de fechamento da mesma.

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