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Crítica

Uma alma artística sensual e radical

26.6.2015  |  por Helena Carnieri

Foto de capa: Eli Fimreza

Antes de mais nada, é fantástico sair de casa num domingo à noite, Curitiba, 17 graus, e encontrar várias outras pessoas pagantes desejosas por assistir a uma performance como Incêndio. As apresentações, na Casa Hoffmann, terminam no próximo fim de semana, de sexta-feira a domingo, às 20 horas.

Ter público é essencial para o projeto da atriz Ana Ferreira, que está sozinha no palco, nua, em vários sentidos. Em vários momentos, a plateia fica livre para se manifestar, não que o faça livremente. Mas fica aberta a ponte para esse tipo de encenação que termina de se construir no palco, com algum espaço para o improviso.

O tema do fogo é manipulado por Ana de forma bastante metafórica. Por vezes, sensual, depois lírica, com experimentalismo. Esse salto no vazio envolve o texto, de sua autoria, modulações da fala e a operação de luzes e som, que ela faz ao vivo.

Um trabalho solo é o que há de mais autoral. Dificilmente um se parecerá com outro. No palco, revela-se muito da personalidade do artista, a começar por suas escolhas. E as inquietações de Ana se insinuam nessa “conversa decorada”, envolvendo coisa pesada, como a morte, a violência, mas também o contato humano.

Essa atitude radical de dar o corpo à arte aparece em gérmen na pesquisa de Ana

A forma como ela faz o teatro falar de si mesmo, satirizando a própria tradição da performance, me ganhou como espectadora já no começo: olhando com cara de sapeca para a plateia, ela gospe lentamente numa mão, depois na outra, depois no pé. Depois lambe. Está aberta a conexão Marina Abramovic.

Em seguida, microfone na mão, ela avisa que fez aquela “nojeira” toda (palavra sua) para tirar isso do caminho. Pago o pedágio da parte física “chocante”, começa a verdadeira performance da comunicação entre artista e espectadores. Ela dá um minuto para que a audiência peça que ela faça qualquer coisa, lembrando ações daquela mestre sérvia que chegavam ao cúmulo de entregar uma arma carregada ao público e dizer “faça o que quiser”.

Essa atitude radical de dar o corpo à arte aparece em gérmen na pesquisa de Ana. Apenas no final, a menção à plateia (“vocês agora vão para casa…”) acaba sendo um pouco agressiva.

.:. Publicado originalmente no site do jornal Gazeta do Povo, Caderno G, em 22/6/2015.

Serviço:
Onde: Casa Hoffmann (Rua Claudino dos Santos, 58, Largo da Ordem, Curitiba, tel. 41 3321-3228)
Quando: Sexta a domingo, às 20h. Até 28/6
Quanto: R$ 10

Ana Ferreira interage com o espaço externo e o públicoEli Firmeza

Ana Ferreira, do Agora Coletivo, opera sobre o tema do fogo

Ficha técnica:
Concepção, direção e interpretação: Ana Ferreira
Colaboração: Fábia Regina, Larissa Lima e Renato Sbardelotto
Fotos: Eli Firmeza
Realização: Agora Coletivo

Jornalista formada pela Universidade Federal do Paraná, instituição onde cursa o mestrado em estudos literários, com uma pesquisa sobre A dama do mar de Robert Wilson. Cobre as artes cênicas para a Gazeta do Povo, de Curitiba, há três anos. No mesmo jornal, já atuou nas editorias de economia e internacional.

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