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Artigo

Muitos aprendizes, poucos espectadores

28.9.2015  |  por Dirce Waltrick do Amarante

Foto de capa: Divulgação/Cia. Rodamoinho

“MULHER: Adivinha só, quando eu estava subindo as escadas, a nossa vizinha deu de cara comigo e me ofereceu uma coisa. Adivinha o que ela me ofereceu?

MARIDO: Deixe de ser criança. Diz logo.

MULHER: Toma, olha. Dois ingressos de teatro para o Fausto. O que você me diz?

MARIDO: Muito obrigado, mas por que não vai ela mesma, essa velha rabugenta?

MULHER: Ah, na certa, ela não tem tempo.

MARIDO: Ah, é? Ela não tem tempo e nós temos de ter tempo?

MULHER: Não seja mal-agradecido.

MARIDO: Você sabe muito bem que essa mulher não gosta da gente; se gostasse, não teria oferecido os ingressos justamente para nós.”

Assim começa A ida ao teatro, um sketch escrito em 1934 pelo dramaturgo e ator alemão Karl Valentin (1882-1948). A crise do teatro não é mesmo recente. No início do século passado, o teatro perdia público e já enfrentava a concorrência do cinema, que despontava com força. O próprio Valentin participou, como roteirista e ator, de vários filmes e sabia da importância da nova mídia.

Recentemente, Tori Haring-Smith, diretora do College of Liberal Arts (EUA), afirmou que é fácil culpar o crescimento do cinema e da televisão pela crise do teatro; contudo, “o problema não está nessas invenções nem nas capacidades extraordinárias delas, mas na tentativa do teatro de imitá-las”, o que tornaria o teatro cada vez mais parecido com o cinema e, como no cinema, os seus espectadores não passariam de voyeurs. Haring-Smith acredita que, para sobreviver, o teatro deverá encontrar novamente as suas raízes, lembrando que nelas o público é participativo.

Em poucos anos Santa Catarina ganhou duas faculdades: uma de Teatro, na UDESC, e outra de Artes Cênicas, na UFSC. Alunos não faltam para esses cursos, mesmo sabendo que o público interessado em espetáculos teatrais é escasso

Enquanto isso, o teatro continua atravessando uma crise. Segundo Denis Guénoun, a rarefação do público teatral é evidente, mas, paradoxalmente, cresce o número de pessoas que frequenta cursos e oficinas de teatro e se multiplicam os grupos teatrais amadores e profissionais.

Se pensarmos em Santa Catarina, para citar um exemplo de onde eu falo, Guénoun parece ter razão. Em poucos anos o Estado ganhou duas faculdades: uma de Teatro, na UDESC, e outra de Artes Cênicas, na UFSC. Alunos não faltam para esses cursos, mesmo sabendo que o público interessado em espetáculos teatrais é escasso.

A discussão da crise teatral, levando em conta o paradoxo apontado por Guénoun, parece oportuna por aqui; e a pergunta que fica é: Por que o interesse pelos cursos de teatro e artes cênicas? Os cursos serviriam apenas de ponte para os alunos chegarem ao cinema e à televisão? Caso os alunos pensem em permanecer no teatro, como fazer para aumentar o número de espectadores para os grupos teatrais que vão surgir desses cursos?

A diretora teatral norte-americana Roberta Levitow enumera algumas possíveis razões da crise teatral: as desconexões entre a forma teatral e as transformações dominantes da vida contemporânea; a desconexão entre os praticantes dessa forma artística e os gostos e interesses do público em geral; a ausência de uma vanguarda teatral; a tentativa de fazer da forma teatral apenas um produto de consumo etc.

O fato é que muitos espetáculos teatrais (incluo aqui também as performances) apresentados dentro e fora do Estado não convencem esteticamente, não provocam debate, não revelam nenhuma experiência significativa, não contagiam o público e acabam, portanto, por afastá-lo ainda mais do teatro. Não adianta culpar somente o Estado, como o fez ironicamente Valentin num sketch de 1925: “Por que todos estes teatros vazios? Simplesmente, porque o público não vem. Culpa de quem? Unicamente do Estado. Se cada um de nós se visse obrigado a ir ao teatro, as coisas mudariam completamente”. Valeria a pena “obrigar” os espectadores a irem ao teatro?

Mas se o público de teatro não crescer, seus profissionais correrão para o cinema, para a televisão etc., para garantir sua segurança financeira, como lembra Levitow, que conclui: enquanto o teatro estiver em crise, os seus profissionais não passarão de mendigos que suplicam por dinheiro, por público, por atenção e por respeito.

.:. Publicado originalmente no jornal Notícias do Dia, p. 8, em 21/9/2015.

Ensaísta, tradutora e professora do curso de Artes Cênicas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Publicou, entre outros, Cenas do teatro moderno e contemporâneo (Iluminuras), Para ler ‘Finnegans Wake’ de James Joyce (Iluminuras). Colabora em jornais como O Estado de S. Paulo, O Globo e Notícias do Dia.

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