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Artigo

Arthur Miller, dramaturgo e contista

30.10.2015  |  por Dirce Waltrick do Amarante

Foto de capa: Flavio Colker

O escritor norte-americano Arthur Miller (1915-2005) teria completado cem anos em 2015, em 17 de outubro. Para quem quer conhecer um pouco de sua obra, há, no Brasil, duas importantes coletâneas de textos do autor, publicadas pela Companhia das Letras: A morte de um caixeiro-viajante e outras 4 peças, de 2009, e Eu não preciso mais de você e outros contos, de 2015.

Tanto na sua dramaturgia quanto nos seus contos, os leitores encontrarão, no retrato da sociedade americana de classe média do período da Segunda Guerra Mundial e do período subsequente, a desmitificação do sonho americano.

Sua peça mais aclamada, o drama realista A morte de um caixeiro-viajante, tem como protagonista um homem americano comum de classe média, chamado Willy Loman.

Loman é um caixeiro-viajante que acredita na receita de sucesso propagandeada à época pelo país, mas, na realidade, nada mais é do que um fracassado em todos os sentidos, revelando, desse modo, que o sonho americano pode não passar de um grande pesadelo. Nem mesmo seus filhos escapam desse fracasso, frustrando definitivamente o pai. A relação pai e filho é muito comum nas peças de Miller. Ambos são sempre vítimas das circunstâncias sociais e econômicas do país.

Há muito de biográfico na obra de Miller; afinal, o próprio dramaturgo foi por um período também um fracassado, que frustrava o sonho de seu pai e engrossava a fila de desempregados

Essa e outras peças contestam o modelo americano de sucesso e felicidade do pós-guerra e, em razão desses temas, Arthur Miller foi considerado um esquerdista. Depois de prestar esclarecimentos “pouco cooperativos” ao Comitê de Investigação de Atividades Antiamericanas do Senado dos Estados Unidos, comandado pelo senador Joseph McCarthy, foi condenado, no ano de 1957, a trinta dias de prisão.

O dramaturgo dizia que suas peças (e, eu acrescentaria, seus contos) constituíam a sua reação ao que “andava no ar”. Era uma maneira de deixar seus contemporâneos conscientes de suas vidas. Na realidade suas peças “desvendavam uma verdade já sabida, mas não reconhecida como tal” por muitos.

Sábato Magaldi afirma que, no teatro, de um modo geral, “o gênio de um autor está intimamente ligado à capacidade de apreender as coordenadas sociais do instante e colocá-las no palco”, como o fez Arthur Miller.

Arthur Miller em imagem de 1966 Eric Koch/Anefoint

Arthur Miller em imagem de 1966

Diria que há muito de biográfico na obra de Miller; afinal, o próprio dramaturgo foi por um período também um fracassado, que frustrava o sonho de seu pai e engrossava a fila de desempregados, no período da grande depressão americana.

Vez por outra, a biografia de Arthur Miller se confunde com a sua ficção. De acordo com os críticos, Depois da queda, escrita logo após a morte de sua ex-mulher, a atriz Marilyn Monroe, contaria a história de seu relacionamento fracassado, com base na relação dilacerante dos protagonistas da peça, uma cantora famosa e um advogado bem-sucedido.

O conto Fama narra um acontecimento na vida de um dramaturgo de sucesso, que, embora reconhecido pelo público, carrega a dúvida sobre se poderá ou não escrever uma nova peça. O conto foi escrito em 1966, justamente na época em que Miller passava por uma crise criativa, que começou em 1964, com alguns fracassos sucessivos de crítica.

Embora Miller tenha sido essencialmente um dramaturgo, ele via no conto uma forma de estabelecer alguma conexão com os leitores: “É paradoxal, mas verdadeiro ao menos para mim, que, mesmo que o conto caia, por assim dizer, num poço de silêncio quando publicado, enquanto uma peça vem sempre acompanhada por todo tipo de ruído humano, é no conto que me sinto estabelecendo uma relação com o leitor, com estranhos”.

O dramaturgo dizia ter conhecido Tchekhov por seus contos, e Shakespeare por seus sonetos, muito mais do que por suas peças. Apesar disso, é sempre a partir do teatro que Miller pensa sua ficção. No prefácio escrito para a primeira edição da coletânea de seus contos, publicada em 1967, e reproduzido no livro Eu não preciso mais de você e outros contos, Miller contrapõe conto e dramaturgia: para ele, no palco há a necessidade de se desenvolver a personagem; já no conto, pode-se mantê-la congelada; e, conclui: “nenhuma forma sozinha é capaz de fazer tudo direito”.

.:. Publicado originalmente no jornal Notícias do Dia, Caderno Plural, p. 8, em 27/10/2015.

.:. Mais informações sobre os livros: A morte de um caixeiro-viajante e outras 4 peças e Eu não preciso mais de você e outros contos.

Ensaísta, tradutora e professora do curso de Artes Cênicas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Publicou, entre outros, Cenas do teatro moderno e contemporâneo (Iluminuras), Para ler ‘Finnegans Wake’ de James Joyce (Iluminuras). Colabora em jornais como O Estado de S. Paulo, O Globo e Notícias do Dia.

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