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Artigo

Notas sobre o Teatro Ontológico-Histérico

21.1.2016  |  por Dirce Waltrick do Amarante

Foto de capa: Henrique Oda

Em 1968, o norte-americano Richard Foreman (1937), um dos mais importantes dramaturgos contemporâneos, fundou o Teatro Ontológico-Histérico (Ontological-Hysteric Theater) e pôs em prática as suas ideias sobre o teatro, que, para ele, não deveria ser um espaço de confrontação, de emoção e de ideias, mas sim um local de experiências, ou melhor, de suas próprias experiências mentais.
De fato, segundo a estudiosa e compatriota Kate Davy, Foreman nunca pensa ou se preocupa com as personalidades de suas personagens ou com seus rostos, pois todas são ele mesmo: “Eu realmente penso que todas elas são eu”, costuma afirmar o dramaturgo.

Nas peças, o eco de sua personalidade e de suas memórias é representado por uma figura feminina, Rhoda, personagem presente em quase todas as obras do Teatro Ontológico-Histérico.

O tema central do teatro de Foreman, se levarmos em conta os primeiros manifestos, é o “seu pensamento no ato de escrever”, o qual dispensa, obviamente, elementos dramáticos convencionais, como desenvolvimento do enredo e interação entre as personagens. Ele recria seu próprio mundo interior e, justamente por isso, impossibilita, ou desestabiliza, a identificação imediata do espectador. Há que se ressaltar, contudo, que a experiência de assistir a uma de suas peças é mais importante do que se identificar com ela ou compreendê-la.

Dessa construção celular, que Richard Foreman chama de estrutura ‘atômica’, nascem peças que patinam sobre uma pequena superfície, um pequeno tema ou detalhe

Suas peças são compostas de cenas quase estáticas, em que nada acontece, fazendo muitas vezes com que o espectador desvie o olhar do palco e olhe para a plateia, tomando consciência de onde está. Aliás, uma das perguntas que Foreman pretende formular com seu teatro é justamente: “Eu estou aqui; onde você está?”.

A respeito dessas cenas estáticas e altamente repetitivas, sabe-se que elas foram influenciadas pelo teatro da norte-americana Gertrude Stein (1874-1946), mais especificamente pelas suas peças-paisagem, que reforçam a ausência de progressão temporal e o desenvolvimento do enredo.

Com a cristalização da cena, Stein procurava recriar a essência do acontecimento ou do objeto. Foreman, contudo, procura expor “a essência da realidade”, que, para ele, estaria na célula da frase e do gesto colocada no palco. No seu Segundo manifesto do Teatro Ontológico-Histérico, de 1974, o dramaturgo afirmou que muitas pessoas são incapazes de perceber essas células, já que não foram treinadas para “ver o pequeno”, uma vez que esse pequeno seria a raiz perturbadora da realidade, que elas evitam a qualquer custo. Para entender o seu trabalho é preciso, portanto, entender essa célula e as possibilidades e implicações latentes nela.

Dessa construção celular, que Foreman chama de estrutura “atômica”, nascem peças que patinam sobre uma pequena superfície, um pequeno tema ou detalhe. Em Angelface, por exemplo, uma simples virada de cabeça ou um abrir e fechar de uma porta podem se transformar num evento:

“Max (ri uma vez): A porta se abre. Eu nem virei minha cabeça.
Walter: Ela vira?
Max: O quê?
Walter (ri uma vez): Cabeças viram.
Max: Cabeças viram. Minha cabeça é uma cabeça. Portanto: minha cabeça vira.
Walter: Por quê?
Max: Veja se a minha cabeça vira.
Walter: Não posso”.

Foreman criou o Teatro Ontológico-Histérico em 1968 Divulgação

Foreman criou o Teatro Ontológico-Histérico em 1968

Em 1972, Foreman publicou seu Primeiro manifesto Ontológico-Histérico e, nele, o dramaturgo deixa bem claro aquilo que considera a grande função da arte: “testar a alma, a psique”. Isso, sem dúvida, Foreman consegue com seu teatro, que mistura lógica e acaso e, assim, “deixa a mente ativa pois evita rápidas associações do sistema mental”. O Teatro Ontológico-Histérico não permite que o espectador relaxe ou que o usufrua espontânea e passivamente. Como afirma o dramaturgo, a arte é uma questão de vibrações, e “as vibrações estão na nossa cabeça, é claro”.

Por fim, fica a advertência de Foreman em relação ao Teatro Ontológico-Histérico: “o perigo que surge quando alguém decide subir uma montanha e – no meio do caminho em direção ao topo – queria não tê-lo feito”.

.:. Leia entrevista com Richard Foreman por Gabriela Mellão, aqui.

Ensaísta, tradutora e professora do curso de Artes Cênicas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Publicou, entre outros, Cenas do teatro moderno e contemporâneo (Iluminuras), Para ler ‘Finnegans Wake’ de James Joyce (Iluminuras). Colabora em jornais como O Estado de S. Paulo, O Globo e Notícias do Dia.

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