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Artigo

Decifrando a crise dos festivais de teatro

26.2.2016  |  por Alexandre Vargas

Foto de capa: Francesco Lisboa

No ambiente nacional de declínio público, os problemas dos festivais de teatro vêm sistematicamente à tona. Para terminar com os enigmas insolúveis e quebra-cabeças mágicos que envolvem mostras de caráter continuado é necessária uma reflexão sobre a sustentabilidade e a renovação do setor no país.

Acreditar que a crise é cambial, ou de redução de patrocinadores, ou de custeio de carga, esvazia o caráter objetivo de penetrar na raiz do problema e dilata autojustificações, além de induzir ao erro. A maioria dos festivais de teatro aborda suas negociações com o Estado, podemos dizer, com certo espírito de resignação. É uma debilidade pública que tem um alcance muito mais amplo do que as transações políticas e empobrece a todos nós brasileiros.

A atuação do Estado por intermédio do Ministério da Cultura (MinC),  das leis de incentivo e de parcos recursos das estatais tem patrocinado os festivais de teatro e a difusão das suas atividades. Esse mecanismo se concentra, majoritariamente, no apoio à produção e difusão, e não no desenvolvimento e na organização desse setor cultural de imensa capilaridade.

O grupo de trabalho do setor vem desenvolvendo pesquisas que visam a apresentar indicadores de impactos sociais, econômicos e de resultados formativos desses eventos

Assim, nos moldes atuais, uma atuação mais enérgica, política e pública do MinC propiciaria o estímulo necessário ao crescimento do setor, à profissionalização da gestão e à estruturação das cadeias produtivas da economia e da cultura.

A atuação dos festivais nacionais e internacionais de teatro em conjunto com o MinC e em parceria com outros órgãos – como o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), a ApexBrasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada), a Secom (Secretaria de Comunicação Social) e as estatais – é decisiva para potencializar a execução e a formulação de políticas de instrumentos financeiros para o desenvolvimento setorial. Essas ações são prioritárias para promover efetivamente o desenvolvimento do setor no Brasil.

Com o objetivo de ultrapassar seus desafios e ampliar a produtividade de tais parcerias, os gestores dos festivais tomam iniciativas para melhorias na captação de insumos, como a proposta de desenvolvimento de um sistema de indicadores dos festivais brasileiros, cujo objetivo seria o de fornecer informações essenciais ao planejamento e controle dos processos gerenciais e artísticos, possibilitando, ainda, o monitoramento e o controle dos objetivos e metas estratégicas no desenvolvimento de uma politica setorial. Diante desse contexto, o grupo de trabalho do setor vem desenvolvendo, desde 2015, pesquisas que visam a apresentar indicadores de impactos sociais, econômicos e de resultados formativos desses eventos. Deste modo, estabelece um movimento nacional, sem um assembleísmo inócuo e heroísmo momentâneo, que propicia o arranjo institucional para o desenvolvimento de uma política pública setorial.

Ao MinC foi solicitado adotar um novo enfoque cultural para o setor como parte de sua função institucional. Essa demanda clara foi apregoada no I Encontro Internacional de Políticas de Fomento e Sustentabilidade para Festivais de Teatro, ocorrido entre 6 e 8 de novembro de 2015, em Fortaleza, produzido pela Quitanda das Artes e articulado pela Política Nacional das Artes do Ministério da Cultura/Funarte. Mais precisamente, os gestores estão solicitando um enfoque que migre da visão de patrocínio para a de desenvolvimento e fortalecimento dessa cadeia produtiva, que possui inerente potencialidade de geração de resultados econômicos, emprego e renda, e ainda inegável capilaridade e valor como expressão simbólica da cultura desenvolvida em nosso país.

São inúmeros os festivais na iminência de não acontecer no ano de 2016, porque vêm acumulando perdas que estão abalando o seu sistema de financiamento nos últimos anos, crise que se potencializou recentemente.

Grupo De Pernas Pro Ar na capital gaúchaFernando Pires

Grupo De Pernas Pro Ar na capital gaúcha em 2010

As perdas estão relacionadas a editais públicos nacionais que deixaram de existir ou não tiveram continuidade; à perda de investimentos no setor; e a um desarranjo institucional do MinC com as estatais. Em alguns casos, os recursos dos editais públicos representam cerca de 40% dos orçamentos dos festivais de artes cênicas independentes. Uma minoria dos estados da federação possui linhas de financiamento, ou fomento específico para o setor, e a participação dos municípios é praticamente nula nesse processo.

O mercado cultural brasileiro dos festivais é vigoroso, mas não é estruturado. A competência dessa estruturação cabe ao MinC, em parceria com as diversas cadeias produtivas da cultura brasileira. Portanto esse setor está solicitando uma escuta mais apurada do ministério e de seus secretários de Estado.

Os últimos anos têm sido turbulentos para a realidade social, econômica e politica do Brasil. O conservadorismo e a violência se espalharam por todo o território nacional. Nesse contexto a economia vem moldando as ideias dos festivais e as causas são as circunstâncias da crise brasileira e a falta de uma política nacional de cultura setorial para os festivais. O impacto disso é um relativismo na dinâmica da programação e na logística organizacional, o que faz com que esses eventos percam suas identidades e entrem em declínio no sentido público.

Sem uma ação emergencial e estruturante em conjunto com o MinC as consequências serão desastrosas. Podemos projetar a própria extinção de festivais, ou passivos orçamentários, o que pode ser traduzido por não pagamento de serviços, dívidas com juros acumulados, títulos protestados e inadimplência. Sem contar evidentemente a perda do sentido de capilaridade que esses festivais possuem ao fazer chegar à população brasileira a produção de artes cênicas de outras regiões. [Os parágrafos seguintes exigem paciência do leitor para a travessia de dados fundamentais e raramente assim pensados].

Em 2015, o valor total captado no campo das artes por meio da Lei Rouanet foi de R$ 1.178.152.186,43 (um bilhão, cento e setenta e oito milhões, cento e cinquenta e dois mil, cento e oitenta e seis reais e quarenta e três centavos). Segundo os dados do Salicnet (sistema de apoio às leis de incentivo à cultura, que permite acesso à base de dados do Programa Nacional de Apoio à Cultura, Pronac), o ano passado, se comparado ao de 2014, teve uma retração de 11,73%, o que corresponde a uma redução de R$ 156 milhões para a cultura no país.

No ano de 2015 a verba destinada aos festivais de teatro representou 1,4% do total captado por meio da Lei Rouanet

Do montante captado, 85,02% veio de empresas privadas, o que corresponde a R$ 1.001.643.486,21, enquanto o valor com origem nas estatais representa 12,10% do total, R$ 142.529.599,81. A contribuição da pessoa física no total desses recursos é de 2,88%, o que corresponde ao valor de R$ 33.979.100,41. Se houve queda na disponibilização de verba de pessoas jurídicas, por outro lado houve um crescimento de 34,98% na participação da pessoa física, número significativo que expressa aceitação da sociedade civil e pode indicar uma tendência.

O valor dos recursos disponibilizados pelas estatais, os já citados R$ 142.529.599,81, estão distribuídos da seguinte maneira: Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), participação de R$ 56.031.970,46, alta de 2.40% em relação a 2014. Banco da Amazônia, R$ 595.000,00, acréscimo de 138% em relação a 2014. Banco do Brasil, R$ 37.345.136,83, queda expressiva de 31,66% em relação a 2014. Banco do Nordeste do Brasil, R$ 3.684.398,74, crescimento de 51,34% em relação a 2014. Centrais Elétricas Brasileiras (Eletrobrás), R$ 9.563.268,42, outra queda significativa de 44,74% em relação a 2014.

Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBTC), R$ 14.396.861,71, alta de 27,76% em relação a 2014, o que chama bastante atenção pela sua disparidade com as demais estatais. Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras), com R$ 11.050.488,65, queda de 30,44% em relação a 2014. E Caixa Econômica Federal (CEF) com a participação de R$ 9.862.475,00, outra queda de 35,63% em relação a 2014. Em termos gerais os valores dispendidos pelas estatais, via Lei Rouanet, no ano de 2015, encolheram 14,95% em relação a 2014, o que corresponde a uma perda de R$ 25.061.054,90.

Do montante de R$ 142.529.599,81, referente ao apoio às artes por meio das estatais, apenas R$ 33.575.287,83 foram destinados às artes cênicas em 2015 (circo, teatro e dança), ou seja, 23,56%. Observa-se que em relação a 2014 é uma queda de 29,40%, o que corresponde a uma perda de R$ 9.872.416,13.

A distribuição desse valor de R$ 33.575.287,83 se deu da seguinte maneira. Em 2015 o BNDES patrocinou cinco projetos num total de R$ 2.262.360,84 assim distribuídos: Bolshoi Brasil 15 Anos – Um Espetáculo na Capital Federal, R$ 562.360,84; Retrovisor, série de espetáculos teatrais, R$ 250.000,00; Segunda Temporada Lírica 2015 Theatro Municipal de São Paulo, R$ 1.000,000,00; Semana Arte Mulher, R$ 200,000,00; e Programação Cultural da 17a Fenamilho Internacional, R$ 250.000,00. Pela disparidade de propostas conceituais contempladas é possível perceber que o banco não possui uma diretriz clara e objetiva para os projetos de patrocínio em artes cênicas, o que dá margem a especular sobre os procedimentos adotados.

O Banco da Amazônia disponibilizou R$ 200.000,00; o Banco do Nordeste, R$ 815.252,20; e o Banco do Brasil, R$ 10.804.397,35 – tendo este queda de 5,86% em relação a 2014. Esses recursos foram investidos basicamente em montagens teatrais e algumas circulações. No caso do BB, a produção é fortemente concentrada nos estados que possuem CCBB, como RJ e SP, além da cidade de Brasília. O BB não possui um edital público nacional para os festivais de teatro.

A Eletrobrás destinou R$ 3.303.029,69, queda de 54,89% em relação a 2014, o que corresponde a uma perda de R$ 4.019.958,05. Há mais de dois anos a estatal eliminou seu edital público nacional, um dos poucos que contemplava festivais de teatro, ainda que os valores fossem irrisórios. Os Correios investiram R$ 5.835.509,10, acréscimo de 135,30% em relação a 2014, empresa que também eliminou o edital público nacional que contemplava os festivais e concentrou os recursos em montagens e circulações. A Petrobras liberou R$ 10.354.738,65, queda de 24,14% em relação ao ano anterior, o que corresponde a uma perda de R$ 3.295.280,08.

A CEF participou com R$ 3.200.000,00, perda de R$ 3.729.750,00 em relação a 2014, quando teve a participação na disponibilização de recursos pela Lei Rouanet de R$ 6.929.750,00. Desse montante, R$ 5.893.750,00 foram para o projeto Prêmio Funarte Caixa Carequinha de Estímulo ao Circo, da Funarte; R$ 1.000.000,00 para O Ritual do Ilê AiyÊ no Carnaval 2014; e R$ 36.000,00 para o espetáculo O duelo. Na verdade a participação da CEF para o teatro em 2015 foi nula, pois esse valor de R$ 3.200.000,00, informado no Salicnet como “artes cênicas” patrocinou os seguintes projetos: Bloco Afro Muzenza – Carnaval 2015 – Nordeste negro, com R$ 400.000,00; Filhos de Gandhy – Carnaval 2015 – Águas sagradas e Oficinas de Capacitação para o Mercado do Carnaval, com R$ 1.000,000,00; O Ritual do Ilê Aiyê no Carnaval 2015, com R$ 1.000,000,00; Cortejo Afro – Carnaval 2015 – Iansã balé: A dona porteira do continente africano e Oficinas de Capacitação para o Mercado do Carnaval, com R$ 400.000,00; e por fim Malê Debalê – Carnaval 2015 – Kirimurê: o Malê reconta o reconcavo e Oficinas de Capacitação para o Mercado do Carnaval, com R$ 400.000,00. Chama a atenção que esses projetos tenham sido enquadrados como “dança”, artigo 18, o que tecnicamente significa 100% de isenção fiscal. Em anos anteriores a maioria foi enquadrada como música, exceção a O Ritual do Ilê Aiyê no Carnaval 2014. É difícil de pensar nesse processo sem intermediação de interesses. Pois estamos falando de R$ 3.200.000,00 investidos no Carnaval da Bahia e lançados no sistema do Salicnet como artes cênicas.

A CEF é hoje a única estatal com um edital público nacional para os festivais. No entanto sofreu forte queda nos seus investimentos em 2016. No ano anterior o banco investiu, através de recursos diretos e edital público nacional, o valor de R$ 2.328.610,00. Para 2016: R$ 1.795.000,00, retração de 22,92%, com o agravante de que 30% desses recursos estão concentrados no Sudeste. O MinC detecta que a maior parcela dos recursos do mecenato é destinada à região, no entanto, o montante disponibilizado pela Caixa Econômica Federal em 2016, que não é por meio de leis de incentivo, está concentrado no Sudeste, o que revela a fragilidade da relação das estatais com o ministério.

No ano de 2015 a verba destinada aos festivais de teatro representou 1,4% do total captado por meio da Lei Rouanet, R$ 16.494.130,61. A participação das estatais sobre tal montante foi de 11,78%, o que equivale a R$ 1.943.000,00. Destaque-se que 88,22% dos recursos de captação da Rouanet para festivais são de origem de renúncia fiscal das empresas privadas. Portanto, dos R$ 33.575.287,83 destinados às artes cênicas em 2015 (circo, teatro e dança), apenas 5,79% foi para os festivais, o que corresponde ao valor de R$ 1.943.000,00.

A distribuição desse valor se deu da seguinte maneira: BNDES, Banco da Amazônia, Banco do Nordeste do Brasil e Correios não destinaram verba para o setor. O Banco do Brasil aportou R$ 873.000,00 para os seguintes eventos: Festival Internacional de Teatro de Bonecos (MG), R$ 340.000,00; Festival Panorama 2015 (RJ), R$ 60.000,00; Mostra Estudantil de Teatro (RJ), R$ 33.000,00; e IV Cena Brasil Internacional (RJ), R$ 440.000,00.

Ainda no ano de 2015 a Eletrobrás, por meio da Companhia Energética de São Paulo (Cesp), destinou R$ 500.000,00 para a MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, sendo R$ 250.000,00 para a segunda edição e outros R$ 250.000,00 para a terceira, que acontece em março de 2016. A Petrobras distribuiu R$ 570.000,00, assim: R$ 320.000,00 para o XVII Festival de Teatro Brasileiro (DF) e R$ 250.000,00 para a Mostra de Teatro (RJ). Já a Caixa Econômica Federal anuncia participação de R$ 3.200.000,00, mas na verdade equivale a R$ 0,00 (zero real), pois esse valor patrocinou o Carnaval na Bahia.

Como podemos verificar, os recursos se concentram no Sudeste, com exceção do XVII Festival de Teatro Brasileiro (DF) que aconteceu no Pará, Espirito Santo, Alagoas, Ceará e Paraíba, e do investimento da CEF, voltado para o Carnaval baiano.

Tais recursos são inexpressivos se comparados ao valor total de captação por meio da Lei Rouanet. No entanto, é valor extremamente relevante para o setor, uma vez que o MinC não possui nenhuma linha de investimento ou fomento nos inúmeros festivais de teatro no Brasil, alguns com mais de 40 anos.

O circo-teatro da Compagnie Bam no FiloDivulgação

O circo-teatro da Compagnie Bam no Filo em 2015

Quando o sistema de subsídio à cultura via renúncia fiscal foi criado no Brasil, há quase 25 anos, o contexto era de profunda recessão orçamentária para a cultura. Podemos dizer que o panorama de viabilização financeira do setor cultural mudou em mais de duas décadas, mas temos que assumir que nos últimos anos, e mais especificamente em 2016, a profunda recessão para a cultura explodiu. Cabe destacar que a precariedade no sentido conceitual, público e republicano sobre os direitos e a economia cultural é um retrocesso sem precedentes que compromete a estruturação social do país.

Os interesses e o risco do dirigismo sempre existem, seja do governo, dos empresários, da militância do partido da hora, da classe artística, dos sindicatos ou dos congressistas. O significativo é termos uma política cultural e de mecanismos de fomento e financiamento que dê conta do direito constitucional do cidadão de estruturação do crescimento do setor cultural. E ainda profissionalização da gestão e da estruturação das cadeias produtivas da economia da cultura. Função republicana do MinC que o setor dos festivais de teatro vem reivindicando.

Como demostramos com as distorções relatadas, é clara a falta de alinhamento politico e institucional do MinC com as estatais, o que pode indicar inversão de prioridades no uso de recursos públicos, agravada ante a escassez de verbas para a cultura.

Um parecer técnico do Ministério Público (MP) ou do Tribunal de Contas da União (TCU) deveria ser emitido sobre a relação do MinC e as estatais de modo a investigar se a falta desse alinhamento politico, institucional não estaria, de fato, transgredindo o princípio do interesse público.

O Ministério da Cultura considera positiva a decisão do Tribunal de Contas da União de que projetos culturais lucrativos não se beneficiem da Lei Rouanet. A justificativa é de que há distorções na lei, que beneficiaria apenas “consagrados” e não atenderia aos interesses públicos. Sim, existem distorções na Lei Rouanet, mas não é verdade que o mecanismo beneficia apenas nomes consagrados. A representação que provocou a decisão do Ministério Público junto ao TCU se refere ao Rock in Rio, mas os ministros estenderam os efeitos de tal decisão a todos os eventos culturais que forem buscar apoio da lei. A alegação do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União é de inversão de prioridades no uso de recurso público.

Segundo os dados do Salicnet a empresa Correios é a maior patrocinadora das duas últimas edições do Rock in Rio, contribuindo em 2013 com R$ 3.000.000,00, o que representa 31,08% sobre o total do valor captado pela Lei Rouanet. E com R$ 2.040.000,00 em 2015, o que representa 50,50% do valor captado via Lei Rouanet pelo referido projeto. O viés concentrador delegado somente à Lei Rouanet é uma falsa pista. Existe inversão de prioridades não apenas no uso do recurso público, mas também na constituição da agenda política. A distorção é na condução da política pública da cultura e não apenas no uso de recursos da Lei Rouanet. Não é grave que os Correios, uma estatal, seja a maior patrocinadora via Lei Rouanet nas duas últimas edições do Rock in Rio?

Cabe ao Ministério da Cultura expor à população, com clareza, por que a Lei Rouanet é incapaz de lidar com a complexidade da cultura

Ainda que a Lei Rouanet não atenda às demandas da cultura nacional, o alcance, a transparência e os resultados desta não encontram paralelo em nenhum outro programa do MinC. Milhares de projetos em todos os estados são operacionalizados, sem precedente no Brasil, o que torna a Lei Rouanet o principal mecanismo de financiamento da cultura na atualidade. Corrigir as distorções é imprescindível e, segundo o ministério, deve sair até março a nova instrução normativa da lei, buscando dar mais eficiência e rapidez às análises de projetos. Precisamos que o Senado aprove uma nova lei? Mas e o projeto do ProCultura [Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura], que ainda está em tramitação, recebeu que modificações?

O debate é rico para a sociedade e quando outras instâncias participam dele é sinal de que a questão está reverberando mais amplamente e não apenas no âmbito do setor cultural. Cabe ao MinC expor à população, com clareza, por que a Lei Rouanet é incapaz de lidar com a complexidade da cultura nos termos atuais e por que o ProCultura é uma lei melhor.

Institucionalmente quem deve ser capaz de lidar com a complexidade da cultura brasileira é o Estado e não a Lei Rouanet ou o ProCultura. É o MinC que, soberanamente, cria condições para fomentar as atividades sem apelo mercadológico, de experimentação e de formação. E deve fomentar também o mercado cultural que explora as dinâmicas lucrativas e o estímulo às parcerias público-privadas, trazendo recursos para a cultura. Sem falar nas questões trabalhistas, fiscais e tributárias.

É difícil conceber um panorama nos festivais que esteja centralizado no fato artístico e público com as circunstâncias descritas. As dificuldades são mais robustas do que a questão cambial ou a reformulação da Lei Rouanet, ou a aprovação do ProCultura. A necessidade é de que o Ministério da Cultura assuma com vigor e inclua na sua agenda pública e politica, para a sociedade brasileira, a adoção de um novo enfoque cultural como parte de sua função institucional para o setor dos festivais de teatro no país.

Ator, diretor e empreendedor cultural. Diretor artístico e coordenador geral do Festival Internacional de Teatro de Rua de Porto Alegre (www.ftrpa.com.br). Fundador do CPTA – Centro de Pesquisa do Trabalho do Ator (2013). Em 25 anos de atividade em artes cênicas gerou inúmeros projetos, além de realizar consultorias e curadorias em mostras ou festivais.

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