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Crítica

Banalidades espetaculares

28.4.2016  |  por Gabriela Mellão

Foto de capa: Andre Stefafno

A realidade é o pilar estrutural de Pessoas sublimes, segundo espetáculo da Trilogia das Pessoas realizado pela Cia. de Teatro Os Satyros. Como em Pessoas perfeitas – primeira montagem, que venceu o Shell de melhor texto e o APCA de melhor espetáculo de 2014 –, a peça escrita pelos fundadores Rodolfo García Vázquez, diretor, e Ivam Cabral, ator chave do grupo, é fruto de uma pesquisa feita pelos integrantes do coletivo com habitantes da cidade de São Paulo. Desta vez, o foco recai sobre moradores do entorno da represa de Guarapiranga.

A natureza torna-se, portanto, presença marcante. É exaltada sobretudo por Delírio (Helena Ignez), senhora sábia, amante dos bichos e do sonho, e pela bela iluminação. Refletores imitam luz natural através de feixes que atravessam galhos de árvores secos pendurados no teto do teatro. Camadas horizontais de cortinas brancas manipuladas pelos próprios atores transformam o espaço em uma floresta estilizada.

A encenação aposta numa leitura surrealista do universo de contos de fadas para descolar as figuras apresentadas da aridez da realidade na qual estão inseridas

A tônica é a existência solitária e desamparada dos paulistas. A mesma do espetáculo anterior, apesar dos personagens contarem desta vez com a proteção da natureza e o distanciamento da esterilidade própria dos centros urbanos.

A encenação aposta numa leitura surrealista do universo de contos de fadas para descolar as figuras apresentadas da aridez da realidade na qual estão inseridas.

O encenador parte dos fatos para subvertê-los. Transforma verdade em fábula, como a evidenciar ao espectador o quão espetacular são as vidas banais.

A inventividade cênica de Vázquez é ilimitada, como é habitual em suas montagens. Desta vez, o diretor esbalda-se em criar evocações sui generis do homem contemporâneo contando inclusive com próteses aplicadas nos rostos dos atores.

A estética é elaborada de forma a construir um universo particular para cada personagem, o que torna cada fragmento de vida a apresentação de um mundo inteiro.

A performance de Bel Friósi como DoresdeiAndre Stefafno

A performance de Bel Friósi como Doresdei

Claramente inspirado no homem de negócios de O pequeno príncipe, de Saint-Exupéry, Tresvario (Gustavo Ferreira) é um matemático obsessivo pela estabilidade dos números. Faz contas compulsivamente de forma a garantir um mundo seguro para si. Misto de ser humano e boneca, Doresdei (Bel Friósi) é uma lolita que trata seu corpo como produto buscando fora de si substâncias para preencher-se. De orelhas de Elfos, como em O senhor dos anéis, o nerd solitário Arcanjo (Henrique Mello) perde-se no mundo virtual para driblar o real.

Os personagens são engrandecidos pelos adornos da irrealidade. A pequenez de Melodia, bancária infeliz e preconceituosa, por exemplo, torna-se quase grande através da caracterização lúdica e da interpretação de Maria Tuca Fanchin.

Pessoas sublimes é sublime também pelo raro elenco que reúne. Destacam-se os atores já citados, Cabral inclusive, e ainda Fernanda D’Umbra, que empresta força e fragilidade em iguais medidas para dar vida a uma artista atropelada por uma doença.

A mágica de Vázquez inspira o público a olhar os protagonistas não como homens, mas criaturas. O feito permite que a plateia observe os personagens de mais perto do que de costume. O espectador se aproxima desses monstros solitários, compactua com eles. Só depois avista em cena seu próprio reflexo, já de forma perturbadoramente nítida.

.:. Leia as críticas de Valmir Santos e Ferdinando Martins a partir de Pessoas sublimes.

Serviço:
Pessoas sublimes
Onde: Espaço dos Satyros Um (Praça Franklin Roosevelt, 214, Consolação, tel. 3258-6345)
Quando: Sexta e sábado, às 21h. Até 7/5
Quanto: R$ 20 e R$ 5 (moradores da Praça Roosevelt)
Duração: 110 minutos
Classificação: Livre

Ficha Técnica:
Autores: Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez
Encenação: Rodolfo García Vázquez
Assistente de direção: Marjorie Serrano
Com: Bel Friósi, Eduardo Chagas, Fábio Penna, Felipe Moretti, Fernanda D’Umbra, Gustavo Ferreira, Helena Ignez, Henrique Mello, Ivam Cabral, Luiza Gottschalk, Maria Tuca Fanchin, Phedra de Córdoba e Sabrina Denobile
Cenários: Marcelo Maffei
Figurinos: Bia Pieratti e Carol Reissman
Iluminação: Rodolfo García Vázquez e Flávio Duarte
Trilha sonora: Henrique Mello
Próteses: Eduardo Chagas
Perucas: Lenin Cattai
Dramaturgismo: Guilherme Dearo e Nina Nóbile
Fotografias: Andre Stefano
Divulgação: Diego Ribeiro
Coordenação de produção: Daniela Machado
Produção Executiva: Sílvio Eduardo
Administração: Israel Silva

Autora, diretora e jornalista teatral. Pós-graduada em Jornalismo Cultural na PUC-SP, estudou Cultura e Civilização Francesa na Sorbonne, em Paris, e Dramaturgia e História do Teatro Moderno em Harvard, Boston. Escreve para Folha de S.Paulo e revista Vogue. Compõe o júri do prêmio APCA de teatro. É autora e diretora de Nijinsky - Minha loucura é o amor da humanidade (2014), peça convidada a integrar o Festival de Avignon de 2015. Tem cinco peças encenadas, Ilhada em mim – Sylvia Plath (indicada ao prêmio de melhor direção pela APCA de 2014); Espasmo (2013); Correnteza (2012); Parasita (2009), A história dela (2008), além de um livro publicado com suas obras teatrais: Gabriela Mellão – Coleção primeiras obras. Lecionou Laboratório de Crítica Teatral para o curso de Jornalismo Cultural na pós-graduação da Faap, entre 2009 e 2012. Foi crítica da revista Bravo! entre 2009 e 2013, ano de fechamento da mesma.

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