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Encontro com Espectadores

‘Refluxo’ expõe cada um fora do seu quadrado

28.2.2018  |  por Teatrojornal

Foto de capa: Leekyung Kim

O diretor e cenógrafo Eric Lenate, a atriz Agnes Zuliani e o ator Laerte Késsimos representaram a equipe criativa do espetáculo Refluxo, mote do 11º Encontro com o Espectador. A conversa transcrita e editada abaixo, sob mediação do jornalista Valmir Santos, aconteceu na noite de 26 de junho de 2017, no Ágora Teatro, apoiador da ação desse site, quando a produção realizada pelo Sesi-SP cumpriria última semana de temporada no Espaço Mezanino do Centro Cultural Fiesp, na Avenida Paulista.

A autora Angela Ribeiro escreveu Refluxo no âmbito da sétima turma do Núcleo de Dramaturgia Sesi-British Council, curso que ao final promove leituras dos textos gestados. Lenate foi assistir a uma delas e saiu absorvido pela estrutura narrativa que crava um dia de inquietudes comuns na jornada do ascensorista de um prédio de classe média decadente e seus moradores ou visitantes autocentrados. Tempos depois, sincronicamente, acabou convidado a encená-lo.

Na ocasião desse Encontro com o Espectador, Angela não pôde participar porque integrava o elenco da montagem demarcadora dos dez anos da Companhia Bruta de Arte, Quantos segundos dura uma nuvem de poeira, também de sua autoria.

A dramaturga foi indicada à 30ª edição do Prêmio Shell de Teatro em São Paulo, por Refluxo, espetáculo mencionado ainda nas categorias direção e cenário, ambas concebidas por Lenate. Os vencedores deverão ser conhecidos em 20 de março de 2018.

A seguir, o diretor discorre sobre as etapas do processo criativo que envolveu diferentes gerações, passando pelos atores Carlos Morelli, Lavínia Pannunzio e Maurício de Barros, entre outros. Aborda ainda o projeto-provocação Sociedade Líquida, por meio do qual aglutina outros pares em torno das produções que assina.

Eu disse para o ator Maurício de Barros: ‘Imagina que o ascensorista do prédio, o Dário, é a mistura do Chaplin com o Mazzaropi dirigido pelo [Akira] Kurosawa’ (Eric Lenate)

Excepcionalmente, o registro em áudio dessa edição não capturou o início do diálogo, quando se introduz um resumo das trajetórias dos convidados.

Eric Lenate frequentou o Centro de Pesquisa Teatral por quatro anos. Aliás, muitos dos criadores de Refluxo têm passagem pelo CPT coordenado por Antunes Filho no Sesc Consolação. Lenate dirige profissionalmente desde 2012, com O céu cinco minutos antes da tempestade, de Silvia Gomez, até o recente Love, love, love, do Grupo 3 de Teatro, produção vinda do Rio de Janeiro com estreia em São Paulo prevista para este semestre.

A formação da atriz e tradutora Agnes Zuliani inclui estudos no exterior e curso de história na USP. Ela trabalhou em espetáculos de grupos e aos poucos se firmou como comediante, inclusive protagonizando solos. Participa do projeto humorístico Terça insana, desde 2006, atuando ou colaborando com roteiros bolados ao lado da colega Grace Gianoukas e parceiros. No cinema, integrou o elenco de Boleiros: Era uma vez o futebol… (1998) e Uma noite em Sampa (2016).

O ator Laerte Késsimos é formado pela Escola de Teatro Ewerton de Castro. Iniciou a carreira profissional na Companhia de Teatro Os Satyros (2004-2009), tendo atuado em espetáculos como A vida na Praça Roosevelt, Transex e Inocência. No cinema, participou do longa-metragem Trabalhar cansa (2011), entre outros filmes.

Eric Lenate
Todo final de ano o Núcleo de Dramaturgia Sesi-British Council realiza o projeto “Portas Abertas”. Eu costumo acompanhar ou dirigir alguma leitura ou simplesmente vou lá assistir o que os dramaturgos estão fazendo. Curiosamente, naquele ano [2016], eu não estava dirigindo nenhuma leitura. Fui em dois dias específicos e, num deles, aconteceu a leitura de Refluxo, da Angela Ribeiro, com direção do Nelson Baskerville. E dessa leitura faziam parte o Maurício de Barros e a Lavínia Pannunzio, ambos também atuantes agora na montagem de Refluxo. Enquanto eu via e ouvia a leitura do texto, já comecei a imaginar o espetáculo. Toda vez que estou lendo algum texto no papel ou estou ouvindo a leitura dele e começo a imaginar a peça, é sinal de que vou conseguir mexer com aquele material, que vai ficar me incomodando até eu dar um destino a ele: ou o palco ou o lixo.

Então, um tempo depois da leitura no Sesi, na cara de pau, eu procurei a Angela. Já a conhecia do CPT porque estudamos juntos lá durante uma época e falei: “Angela, adorei seu texto. Você me deixa dirigir ele?”. Ela disse: “Claro, que legal”. Mas que estava esperando ainda os desígnios do Sesi, porque é um texto vinculado ao Núcleo de Dramaturgia e tem a questão da publicação. Esperei mais uns seis meses. Um dia ela me escreveu dizendo que o texto dela tinha sido escolhido e sugeriu a eles que eu fosse o diretor. Passa mais seis meses, a Marici Salomão me chama pra conversar sobre um projeto e eu já fui pensando: “Tomara que seja o texto dela”.

O meu envolvimento com a ideia de encenar esse espetáculo foi tanto que eu cheguei pra conversar e na reunião eu estava sendo convidado para dirigir o Refluxo… Conversei com eles, fingi surpresa e já saquei uma pré-planta de como eu pensava a encenação do espetáculo. O meu envolvimento com o texto começou muito antes da oficialização. Foi um texto que me deixou muito intrigado, muito movimentado, essa coisa de você ficar vibrando naquilo que quer que aconteça, e uma hora acontece. E eu fiquei nisso e comecei a imaginar e visualizar aquele espetáculo no mezanino, normalmente as montagens do Núcleo de Dramaturgia são feitas no mezanino do Sesi, que é um corredor amaldiçoado para qualquer encenador. Como é que você vai colocar uma peça num corredor de cinco metros de largura por 35 metros de comprimento? E aí começou a coisa toda.

O foco do espetáculo é o ascensorista, um texto dissertado dentro e fora do elevador, mas a Angela não determina de que maneira isso tem de ser diagramado, de que maneira o diretor ou o encenador tem de lidar com aquilo ou muito menos o cenógrafo. Pensei: preciso de um elevador porque tenho um ascensorista; de um apartamento porque tenho moradores; de um saguão porque tem a saída, a árvore caída na frente da entrada do prédio, numa das cenas.

Aí eu fui pensando nessas coisas e qual seria a abordagem primeira, tradicional de quem está de fora: olhar para um elevador onde as pessoas entram. Vou inverter a perspectiva: vou fazer as pessoas assistirem ao espetáculo pela perspectiva do Dário, que é o ascensorista. Em de fazer as pessoas olharem para o elevador, eu coloquei as pessoas dentro do elevador com ele, forneci para o público, num passo a passo, a sensação de que eles estão adentrando o edifício, adentrando o saguão, passam por um trem fantasma, um castelo dos horrores; depois a porta do elevador se abre, eles cruzam o elevador e sentam na arquibancada, que está para além do elevador.

Então passa aquela 1h30 de espetáculo tendo uma relação um pouco mais íntima com o Dário, principalmente nos momentos em que a porta do elevador fecha. O elevador fica apartado do restante do prédio, e ali a gente tem algum momento solo do Dário com o passarinho ou dele lá sozinho passando mal, sufocado, ou ainda um momento um pouco mais íntimo do Dário com algum outro personagem do espetáculo, como acontece com o Laerte. O personagem do Laerte é o Seu Túlio. Acontece também com a personagem da Agnes, que é a Dona Corina, a avó que cria peixes. São descrições da Angela a respeito dos personagens, que inclusive a gente ficou muito influenciado por essa maneira atípica de descrever em poucas palavras do que se trata cada figura, para além de um nome.

A gente criou os personagens, as figuras deles, todo os visagismos, a caracterização num trabalho conjunto entre o Laerte Késsimos [também respondendo pelo material gráfico] e o João Pirolla, que é um ilustrador, um desenhista foda daqui de São Paulo. Então eles fizeram um trabalho muito conjunto para o Laerte conseguir criar de maneira impressa aquilo que a gente tentou criar em movimento do espetáculo, que era essa linguagem meio quadrinista, em que as pessoas chegam e falam uma linguagem de HQ. Eram palavras, aproximações que a gente conseguiu fazer para tentar entender pra onde a gente estava caminhando com aquela diagramação toda: do espaço, da encenação e também das figuras, dos personagens que seriam habitadas pelos atores e pelas atrizes.

Leekyung Kim

Laerte Késsimos é Seu Túlio, escritor desempregado

E aí, o processo de encenação foi acontecendo. Por exemplo, no caso da criação do material gráfico, pelo Laerte, a gente tinha a presença do João ali no ensaio, depois tinha uma reunião em paralelo, daí ele fazia algum esboço. E teve até a questão da própria ilustração do João interferir também no trabalho de caracterização do Leopoldo Pacheco no visagismo e de interferir também no pensamento da Rosângela Ribeiro na hora da elaboração dos figurinos; ou ainda na troca de uma cor por outra. Na hora em que o João foi desenhar, ele usou uma tonalidade um pouco mais forte de laranja, que a Rosângela olhou e trocou a tonalidade dela porque concordou ser melhor. A coisa foi acontecendo muito em conjunto, o que aconteceu também com a direção de arte do espetáculo, eu só fui fechar o projeto executivo do desenho da cenografia um dia depois da estreia. Até a estreia não estava pronto. Inclusive o nosso corrido [ensaio] geral foi no dia da estreia. Não me orgulho disso, foi um caos, a gente quase morreu, quase surtou, porque a gente teve uma série de dificuldades, mas que depois eu parei para pensar e foram o motor de propulsão de criação desse trabalho. Sobretudo, um marco de mudança de mentalidade no nosso trabalho, especialmente dessa “gangue” que trabalha comigo, que é o Laerte, a Rosângela, a Aline [Santini], o Leo [L. P. Daniel, trilha sonora], enfim, que é a nossa sociedade artística [em torno do núcleo criador Sociedade Líquida].

A gente chegou num ponto em que o trabalho de um não vai rolar se o outro não estiver te acompanhando, estimulando, levando você adiante. Então, eu me orgulho muito, e acredito que os meninos também, por a gente ter conseguido uma integração entre todos os aspectos técnicos do espetáculo, e eu estou falando da área técnica no sentido de figurino, cenografia, iluminação, trilha sonora, sonoplastia, engenharia de som, direção audiovisual, tirando a parte técnica dos atores, porque os atores também têm que ser técnicos. Ator que não é técnico não é ator. Então, indo por esse lado do tecnicismo da máquina teatro, a gente chegou num ponto ali, não sei se vocês que assistiram ao espetáculo também conseguem enxergar, em que as linhas demarcatórias dos territórios de atuação, meu, do Laerte, da Aline, a gente já não consegue mais ver essas linhas demarcatórias. É um afetando o trabalho do outro e se envolvendo pelo trabalho do outro e se deixando levar pelo trabalho do outro e se completando através do trabalho do outro…

Chega um ponto em que eu olhava para aquilo que estava acontecendo e não sabia se o que estava fazendo com a cenografia era mais concreto do que a informação que o Leo está me fornecendo com aquele determinado efeito sonoro que é tão concreto quanto aquela porta que coloquei ali. Eu não sei se teria colocado aquela parede ali se não fosse pela Aline me atravessando com a luz daquela parede. Aí eu definia onde estava a parede, não por minha causa, mas por causa da Aline, se eu tivesse colocado em um outro lugar ela não conseguiria atravessar a cena como devia ser atravessada. Então fica aquela sensação: em que ponto o Laerte se confunde com a Aline. As pessoas não sabem o que é iluminação e o que é projeção na peça, elas ficam meio confusas porque não sabem o que está sendo projetado através de vídeo e o que está sendo desenhado atmosfericamente no espaço através da iluminação de teto, de solo ou de lateral.

Eu acredito que esse caos todo rolou até o dia da estreia porque a gente estava virando uma chave e esse texto da Angela foi o estopim para isso, porque do contrário não daria. Desde o primeiro momento em que eu tive contato com o texto, e o Nelson [Baskerville] foi muito inteligente e perspicaz nisso, na própria leitura que ele forneceu pra gente lá no Sesi, ele já sugeria um tipo de destacamento de expressão que fica mais perto de um realismo que eu chamo de prosaico cotidiano. Ele percebeu e eu percebi junto com ele, depois fui aumentando a minha percepção a respeito disso, de que não daria pra gente trabalhar esse espetáculo naquele plano de expressão que eu costumo chamar de um realismo cotidiano, prosaico, de uma conversa aqui, sentados, tomando uma água e se movimentando, como a gente se movimenta e fala no cotidiano, se interrelacionando como a gente faz no cotidiano.

Eu me perguntei qual seria o grau de destacamento, de ressignificação que vou precisar instaurar pra coisa toda. E foi aí que veio essa palavra absurda e que me ajudou a pensar muito: inventei um termo que é o realismo cubista. O cubismo são várias perspectivas habitando a mesma perspectiva bidimensional, então são três pontos de vista do mesmo rosto habitando a mesma imagem bidimensional. E eu já tinha uma sensação de que eu falava de uma coisa tridimensional desse espetáculo e que é meio bidimensional, ficava com essa coisa na minha cabeça porque o texto é bidimensional. Quando eu estou lendo um texto e sei que vou mexer com ele, ele começa a dançar na minha frente, ele levanta e começa a dançar e começam a vir cenas, personagens, movimentações, como se fosse um hologramazinho. Só que ao mesmo tempo em que essa peça levantou pra mim, ela continuou deitada, e pensei o que é essa bidimensionalidade dentro da tridimensionalidade do espetáculo, e foi aí que eu inventei essa palavra maluca pra me ajudar a pensar. Eu sou muito encanado com as palavras que eu falo, que os atores falam, e eu fico enchendo o saco, mas acho que é o tipo de postura neolinguística que ou afeta ou faz a gente dar o pulo do gato, praticar uma determinada palavra, ficar repetindo uma determinada palavra pode te fazer bem ou pode te fazer mal.

E aí que a gente começou a entender que tipo de trabalho deveria fazer, eu, junto com os atores e as atrizes pra gente entender qual o grau de destacamento, o grau de ressignificação do nosso cotidiano, do prosaico, e a gente começou a investigar isso no corpo e na voz. Tem uma coisa que sempre parte de qualquer trabalho meu que é estudar o texto, entender a metrificação dele, o ritmo do texto, entender que tipo de embocadura a gente vai ter de treinar saindo da mesa e indo para o palco.

Tivemos muito trabalho para entender a metrificação do texto, de que maneira os atores deveriam falar e em que momento deveriam parar de falar. Respiram e continuam falando, a gente teve um trabalho danado nisso… Da mesma forma que a gente foi entender a métrica do texto, depois a gente foi para a métrica do corpo. Fomos entendendo que precisaria uma maneira que não era um corpo que ia trabalhar o que chamamos na música de notas, cada movimento como uma nota. O corpo não trabalharia com notas em legato e a gente precisava de um ruído na cena que partisse dos próprios atores em congruência com a dramaturgia, que fosse meio que incompleto. Um movimento que se interrompe e depois é ligado a um outro movimento que também se interrompe. Então a gente foi percebendo que o espetáculo todo ia ser em staccato [tipo de articulação que resulta em notas muito curtas], por causa de algumas fissuras que a Angela abre na dramaturgia dela e de algumas pistas falsas que ela dá e também de algumas incompletudes que ela fornece. Às vezes ela começa um raciocínio, para e começa outro na mesma frase; e retoma o raciocínio ali na frente, então você vai ficando doido com aquilo tudo.

A dramaturga Angela Ribeiro fala desse pássaro da liberdade que a gente mata dentro da gente, ou o desejo, ou o sonho, a justiça. Tanto que o texto fala em “Matar o pássaro do outro”. Você mantém o seu de alguma forma, mas mata o do outro, e a sociedade está fazendo isso (Agnes Zuliani)

Eu não uso aquela expressão que é bastante citada no meio artístico que é: forma e conteúdo. Eu encaro a coisa como forma é conteúdo, coloco um acento [agudo] porque isso me faz pensar mais e me deixa mais movimentado na questão de entender qual é o limite entre uma coisa e outra, se existe uma parede demarcatória entre um território e outro, ou se uma coisa não existe sem a outra a ponto de não existir uma parede demarcando territórios. Já faz um bom tempo que eu dei essa virada na cabeça, de colocar esse acento no “é”, e comecei a pensar nessa questão da forma como o próprio conteúdo da obra. Assistindo às coisas que eu venho fazendo e também de artistas que eu admiro, diretores e companhias que admiro, para mim foi ficando cada vez mais forte essa sensação de que o conteúdo que está sendo fornecido para o público como matéria de discussão, para além da obra, percebi que são obras que têm uma preocupação bastante significativa em termos de forma. Têm uma preocupação formal – vamos dizer assim – com as questões formais do espetáculo que me fornecem material e impacto de uma maneira muito mais forte do que algum trabalho que eu perceba algum tipo de descaso ou de desimportância em relação a isso.

Porque na hora de eu desenhar um gesto, por exemplo, no Refluxo, desenhar um gesto do Laerte, da Agnes, do Maurício, esse gesto não foi escolhido a esmo. Claro que a gente passou por um período de improviso, mas que veio depois de um período de estudos do texto. Não tem como movimentar o teu corpo sem que o resíduo daquele estudo não esteja presente no teu músculo, no teu gesto ou naquele impulso instintivo, mental, que fez você fazer determinado gesto. A partir desse período de improvisações, a gente começou a burilar essa partitura corporal do espetáculo, ao mesmo tempo em que a gente trabalhava com a partitura vocal do espetáculo.

Laerte Késsimos
No começo dos estudos do texto, eram personagens que a gente via que, de alguma forma, não caberiam muito nesse lugar do realismo. O jeito como eles falavam, as coisas sobre as quais eles falavam dos outros e principalmente do ascensorista, eram coisas que pessoas normais não fazem, pelo menos desse jeito não. A gente via essas personagens basicamente sem filtros, que falam o que querem pra quem quer que seja. Então isso desde o começo foi uma questão, de como fazer isso, e começamos a procurar referências e ideias que fossem para esse lugar mais insólito de um convívio social. A gente assistia muito desenho durante o processo de ensaio, Family guy [no Brasil Uma família da pesada), American dead!, e era intrigante porque os desenhos eram meio parecidos com esses personagens da peça. São desenhos que usam muito da agressão moral como humor negro, um tipo de crítica social também, coisas muito agressivas, muito diretas. E acho que até essa bidimensionalidade dos desenhos de alguma forma impregnou também a linguagem do jeito que a gente faz.

Leekyung Kim

Sheila Faermann e Maurício de Barros, a visitante e o ascensorista

Valmir Santos
A partir de sua fala me ocorre uma imagem em relação a esses seres: a da criança livre, desbragada, mas sob uma atuação de controle. Procede?

Laerte Késsimos
A gente começou a fazer determinados tipos de exercícios que trabalhavam com esse tipo de movimento rítmico e mais staccato, e depois pegar esse exercício, desenvolver mais a dinâmica disso e colocar numa cena. Fazer uma cena onde você está interagindo com alguma pessoa e você está se movimentando de um jeito que não é realista. É um registro novo pra mim, diferente. No começo, você precisa dominar aquilo antes de você poder brincar. Criar o que você vai fazer, como isso acontece, depois dominar essa partitura que você criou e depois vai fazendo o negócio de forma que seja expressivo, e não ser apenas uma coreografia, um desenho.

Eu trabalho na direção de vídeo de outros espetáculos nos quais não atuo e é outra relação fazer uma em coisa que não estou envolvido como ator. Acho que o ator estuda mais o texto, mais fundo o seu personagem, a sua função ali no meio daquela história, estuda de uma forma diferente de uma pessoa que está criando a luz, por exemplo. São estudos diferentes. Quando estudo como ator isso me ajuda a levar esse estudo mais escavado pra esses outros lugares também.

Agnes Zuliani
Eu tinha muita vontade de trabalhar com o Lenate, foi a primeira vez e dei muito trabalho, ele sabe disso. O espetáculo do Eric Lenate é um espetáculo do Eric Lenate, por mais que ele diga que tenha esse amálgama entre o grupo criativo, de luz, visagismo, som, vídeo e tudo mais, é a cabeça dele. E a gente estava ali com a cabeça dele, então quando ele fala “a vírgula é aqui/o ponto é aqui” você tem que colocar o ponto ali, não tem outra coisa. Eu sou uma atriz dramática, eu fiz Boa noite, mãe [1995, de Marsha Norman], Um berço de pedra [2016, texto de Newton Moreno e direção de William Pereira], enfim, vários espetáculos que são mais dramáticos, mas também fiz parte da Terça insana. Eu tenho feito só velhinhas ultimamente. Então pra uma mulher de 56 anos estar fazendo 70, 80 dá uma tristeza, mas você vai, né… Eu não lembrava o texto, porque tinha esses beats, que ele chama de beats. Então você tinha uma frase, um ponto; uma frase, um ponto; uma frase e um ponto. A partitura, o texto todo assim com frases. Aí, imagina a velhinha que tem problema de pulmão tendo de respirar? Então, a pontuação se modificou pra gente e, ao fazer isso, o olhar para o texto também. Passa a ser muito mais próximo daquele que é dele e faz com que a gente renove o nosso próprio pensamento.

E isso pra mim já foi uma maravilha, apesar do trabalho que eu dei. Eu falava e sabia o texto inteirinho em casa e chegava lá, não saía, por causa do meu problema respiratório. Depois ele foi tirando um ou outro e ia suavizando pra mim, pra todo mundo. Mas tinha uma coisa que eu via em todos os outros personagens, até no Dário num certo momento, que tinha essa coisa staccato. Mesmo os meus movimentos eu achava que eram pobres. Quando a gente fazia os exercícios só de corpo, por exemplo, a minha sensação era de que meu repertório corporal era até bom, mas que ali não conseguia botar porque era uma velha. Por mais que tinha alguns movimentos, alguns são menos tônicos. E chegou um dia em que ele falou que Dona Corina, a velhinha, era a mais próxima do que está na terra. O meu movimento não combinava porque o texto não pedia uma outra coisa, ela tem uma incontinência verbal porque ela tem uma incontinência cerebral, de qualquer coisa.

Outra coisa que me pega é que mãe que perde filho não tem nome; filho que perde mãe é órfão, você perde companheiro é viúvo (a), mas para mãe não tem. Mas foi só aí que eu consegui me acalmar em relação ao espetáculo como um todo, porque eu via aquele espetáculo com o olhar do Lenate e ficava assim: “Isso é muito interessante, tudo muito novo”. Quando falam que o meu personagem é talvez o que tenha mais simplicidade, que se aproxime mais do dia a dia das pessoas, mas não sou eu: é a personagem, o Lenate e o texto que pediu. Quando minha personagem chega, dá uma certa aliviada na loucura.

Eric Lenate
O mais curioso na personagem dela é que quando aparece ou permanece em cena dá uma acalmada nessa suposta loucura, que é o panorama do espetáculo todo, e é justamente a personagem que acalma que é considerada a louca… Então por isso que eu pedia mais calma pra Agnes, precisa mais terra, mais chão, porque enquanto o Laerte fazia 14 gestos, ela fazia um. Porque ela é a única personagem que encerra m mistério: a gente não sabe e nem vai saber nunca, até o fim dos tempos, se ela não lembra realmente que o filho não está mais presente ou se ela finge que não lembra. A gente nunca vai saber e isso que é maravilhoso, porque é esse tipo de coisa que faz a gente ainda ter a sensação de humanidade um pouco mais presente e latente na figura dela, que é o tipo de mistério que não existe em relação aos outros personagens. Os dramas deles são pequenininhos, pequenos burgueses, aquela coisa toda, e ela tem um mistério, por isso tem aquela caminhada maluca dela nas nuvens, ela entra nesse terreno dessa poesia torta da Angela.

Agnes Zuliani
Se eu pudesse só viveria fazendo teatro, todo dia, o ano inteiro, mas não dá, você não sobrevive e nem paga nada com isso. O teatro é a única arte que está sempre em movimento, se modificando todo santo dia. Nós vamos chegando ao fim [da temporada] do espetáculo e tem coisas que eu percebo só agora que eram assim. Essa caminhada eu fazia de um jeito só e eu não consigo mais porque começo, mas vou caindo pra chegar no fim porque ela já tomou a decisão do que vai fazer da vida dela. Essa coisa que você falou da comicidade, do humor, antes eu falava “inferno” e teve uma vez que eu virei e falei: “Esqueci de tomar o remédio. Deu a hora. Inferno” [como na dramaturgia original]. Aí as pessoas riem porque sai da expectativa. Então, estar acostumada a fazer humor me faz também querer descobrir onde está o estranhamento do texto. O texto é sobre um dia acontecimentos num prédio e tem de tudo nisso. Tem os momentos em que você fala com o ascensorista, como noutros você fala com o porteiro e a única coisa que você fala é sobre futebol. No entanto, nesse prédio você fala mais. É o único prédio em que as pessoas falam um pouco mais umas com as outras.

Beth Néspoli
Quando você fala de descolamento, queria entender qual seria a medida desse descolamento. Como foi esse processo, achar esse limite que pode ser perigoso e tudo virar uma caricatura?

Eric Lenate
O Laerte estava falando de como o discurso dos personagens parece que vem sem filtro, o filtro da convivência social, aquele do qual a gente vem munido pra conseguir conviver com o outro e não sair cortando cabeças. O que acontece é que a gente detecta que são personagens com defeito nesse botãozinho; são personagens que falam o que querem e o que não querem, se agridem, fazem coisas horríveis uns com os outros e consigo mesmo, mas, teoricamente, isso tudo é muito normal, é o cotidiano daquela relação que a Angela criou, e da gente com o texto dela. Aquilo é o cotidiano, mas não o meu, o da Agnes, o do Valmir, que anda por aí pelas ruas. Aí a gente começa com esse trabalho de uma codificação estética que forneça pra gente o aparato físico e vocal pra poder sustentar aquela ideia. E não só a ideia, mas também as informações, tudo que há de concreto e abstrato sendo fornecido pela dramaturgia. Pra conseguir entender qual será o tamanho dessa dilatação, da ressignificação do nosso cotidiano em relação ao cotidiano proposto pela dramaturga no texto. Chegar num ponto em que a coisa está instaurada de uma força tremenda no palco, que o espectador que está ali, que veio também com uma expectativa em relação ao que a gente está fazendo, mas tem sua expectativa frustrada e alimentada por uma outra que a gente está fornecendo pra ele ali, naquele momento, naquele agora já.

Então, em relação a esse espetáculo a gente precisava mesmo provocar um choque de realidade no público pra fazer com que ele entrasse nessa codificação encontrada para o espetáculo e conseguisse entender o que a gente estava fazendo com aquilo ali sem cair no plano do discurso pseudo-político, de ficar defendendo a sério aquilo que o personagem está criticando na sociedade, na realidade, senão vira uma coisa muito chata. Então a gente pensou: não julguemos, não atribuamos juízo de caráter pra nenhum desses personagens, vamos simplesmente executá-los como eles são e com essa dilatação que a gente está sentindo que a Angela está pedindo pra gente fazer.

Ótimo, trabalhamos, chegamos no dia da estreia e eu não tinha conseguido passar um corrido da peça, porque deu problema na cenografia, deu problema não sei aonde e se chegou naquela situação. A Agnes desesperada com o texto porque estava esquecendo, mas ela falou inteiro. Toda vez que estou dirigindo um espetáculo, dirijo de frente pros atores, pertinho deles. Depois me afasto, me ausento, e depois volto, sento em todos os lugares do teatro pra ver como a coisa está se comportando teoricamente para todos os espectadores que vão sentar naquela plateia. É um processo normal de você se afastar do trabalho pra ir vendo melhor. Mas eu não consegui fazer isso. No dia da estreia eu estava na primeira fileira estrangulando os atores e aí, quando me afastei, o público chegou. Sentei na cabine com os operadores técnicos, acabou a estreia e pensei: “Está tudo errado”. Não era ruim o que a gente estava fazendo, só que a gente estava fazendo com tanta falta de uma adequada medida da coisa que passou na frente do texto.

Quando vi a estreia, não entendi nada do que os atores estavam falando, e não porque eles estavam falando mal, mas porque todo o nosso trabalho passou à frente do texto, ficou mais preponderante que o texto. E isso estava errado. As coisas têm de caminhar juntas e dependendo do trabalho que você está fazendo a dramaturgia tem de ir na frente e a gente vem atrás completando, dando suporte suave.

Mas no caso do Refluxo, não, era na pedrada. Cheguei no segundo dia e falei que o procedimento que eu insisti tanto pra eles investirem estava errado. Fui explicando que a gente tinha passado da medida com o procedimento pra poder instaurar a codificação estética do espetáculo e não tinha dado tempo da gente perceber que havia passado da medida. Disse: “Vamos considerar nosso espetáculo mais ainda como uma obra aberta e nos próximos dias vamos ganhando terreno, ajustando as coisas”. Conversei com cada ator, passei a orientar de uma maneira mais particular pra poder dosar o procedimento que a gente tinha instaurado. No caso da Agnes, por exemplo, a questão da partituração do texto, disse pra ela esquecer tudo aquilo que eu havia passado como direção e que era pra manter só a partitura física. Falei pra eles que ia ficar o resíduo do que a gente trabalhou durante muito tempo. É esse resíduo por conta da experiência dela [Agnes] e das vezes em que ela tentou me enganar no texto nos ensaios e falou do jeito que queria ou pensava em poder falar ou que estava propondo fazer, eu ia lá, enchia o saco e dizia para manter a métrica.

Eu já sabia que a Agnes tinha um lugar de assentamento da composição da personagem dela que também afetava a maneira dela falar o texto. Então sabia que eu podia retirar totalmente a minha orientação pra ela porque o resíduo do que a gente tinha trabalhado já estava presente nela e haveria muito mais espaço, tranquilidade pra poder justamente instaurar isso que vocês veem quando assistem à peça: uma personagem que põe o espetáculo no chão, apesar de viver com a cabeça na lua. Com o Laerte já não teve essa questão, foi mais de aliviar um pouco a força do gesto, que estava sufocando o falar. No caso da Lavínia, ela tinha pontuado demais a partitura dela com risadas, com interferências histriônicas, então a gente foi dosando um pouco mais essas interferências que estavam fazendo o trem não andar, engasgando.

Tem uma diferença: o Dário é o único empregado e os outros são todos proprietários. Eu relacionei também uma coisa psicológica, que numa família disfuncional tem um que é o loquinho e que precisa ser internado, mas quando vai na consulta ao psiquiatra, ele pede pra mãe ir conversar, o pai, o irmão e aí o psiquiatra descobre que todo mundo é doido. Então esse que é internado vira o depositário da loucura (Anette Fuks)

Valmir Santos
Quais foram os códigos lançados para o Maurício de Barros fazer o Dário? Já que ele não está aqui, se você puder compartilhar. Ele contraste fortemente com o registro dos demais.

Eric Lenate
Deixei os monólogos dele para trabalhar por último, o monólogo inicial da peça e o final. E o resto do elenco não ensaiou nesses dois dias, só ele, o ascensorista. A gente estava lá trabalhando, repetindo texto, mexendo com aquele pedacinho, o gesto, foi quando a chavinha dele virou e achou o registro vocal do personagem. Não é falsete, é aquela voz de quem realmente sofre de refluxo e que às vezes fica rouco por causa da acidez que vai pra garganta. Então a gente trabalhou com essa ideia de uma rouquidão que fica claudicando ali na voz dele e foi quando o Maurício conseguiu se encaixar na partitura físico-vocal do personagem. Eu disse para ele: “Imagina que o Dário é a mistura do Chaplin com o Mazzaropi dirigido pelo [Akira] Kurosawa. É uma graça poética junto com uma coisa bronca, cômica, bem caipira, bem brasileira, mas com aquela coisa marcial do Kurosawa, no sentido de desenhar a movimentação de um personagem em cena.

Agnes Zuliani
Pra nós foi uma revelação quando a gente chegou dois dias depois, e foi muito bom.

Laerte Késsimos
Porque a gente sabia de alguma forma que ele tinha que ser diferente da gente, dos outros personagens, mas não sabia como.

Eric Lenate
Eu gosto desses ensaios de cirurgia plástica, que a gente fica trabalhando a minúcia, a filigrana do movimento, da fala, da voz. Às vezes a gente fica lá um tempão numa única frase, não aquela tortura maluca do Antunes [Filho] que fica destruindo a pessoa, mas a gente fica construindo alguma coisa gostosa. É uma personagem trágica, frágil, fadada à desgraça, não tem jeito. Só que a falha trágica dele acontece bem no finalzinho, que é a hora em que matam o passarinho dele. Então a gente foi trabalhando no sentido de construir esse mal-estar, a gente trabalhou durante muito tempo uma coisa que deixou o Maurício por um tempo num surto esquizofrênico.

Ele tinha duas máscaras para trabalhar: a da tragédia e a da comédia. Tinha de transitar em staccato sem deixar a gente ver o caminho de transição entre uma coisa e outra, como em O homem que ri, do expressionismo alemão, um romance do Victor Hugo que conta a história de um cara que tinha sido mutilado por ciganos que vendiam crianças deformadas para circos de aberrações e ele foi deformado de uma maneira que ele não conseguia deixar de rir. Daí surgiu o Coringa, os caras da DC Comics beberam lá na Idade Média, eles sabem que é devolução histórica; a história vai devolvendo pra gente as merdas todas que a gente vai deixando pra trás. Tem aquela cena lendária no filme que você não consegue saber o que ele está sentindo ou deixando de sentir, porque é uma personagem extremamente terrível por conviver com esse binômio emocional.

Falei pro Maurício estudar isso pra gente conseguir fazer essas duas máscaras coabitarem o mesmo rosto. Então a gente ficou muito tempo trabalhando a distinção entre uma e outra, depois o Maurício esperava na verdade que eu dissesse pra ele: “Trabalha as duas”, mas eu retirei esse momento dele e quando estreou ele já estava fazendo, aos poucos já estava sabendo controlar em que momento uma tinha que ser mais preponderante que a outra e já estava conseguindo trabalhar com as duas simultaneamente.

Esse personagem do ascensorista está tentando manter uma determinada simpatia, uma cordialidade com as pessoas com as quais ele é obrigado a conviver, mas também nos olhos a gente já estava conseguindo ver o tamanho do sofrimento dele, que vai ficando cada vez maior durante o espetáculo. E a questão do gesto de… Da ânsia que faz ele curvar pra frente e aos poucos ficar todo cagado, curvado, quebrando aquele corpo mais rígido no começo do espetáculo. O figurino acompanha isso, a maquiagem vai se desmanchando também, pra que no final sobre um ser miserável, de cueca no palco, falando um monte de coisas e tentando se rebelar, mas não consegue e, de repente, ele dá aquela surtada, amarra a camisa no pescoço e sai voando.

Esse momento em que ele cruza a linha, em que você passa por um tormento tão grande e atravessa essa linha, você sabe que é um ponto sem volta. O Dário é tão miserável que a gente batizou esse momento crossline dele de “Super Pardalzinho”, um super-herói que vai sair por aí endireitando tortos e desfazendo agravos, como diria Dom Quixote, que é o que tem pra hoje, o que é possível pra São Paulo, Brasil. Não vai rolar um Coringa, vai rolar um Super Pardalzinho, no máximo, que tem um super poder que é o vômito: o cara vai falar uma coisa pra ele, ele vomita, se desintegra. A gente falou disso como brincadeira no ensaio, mas isso acabou virando uma brincadeira incrível pra gente pensar o espetáculo e pra gente ir conseguindo aceitar cada vez mais a precariedade de todos esses personagens e a esquisitice de todos eles e o quanto cada um deles vai contribuir empurrando o Dário pra esse precipício.

Leekyung Kim

Agnes Zuliani é Dona Corina: contracena com personagem de Castro

[Abre para público]

Kil Abreu
Eu ainda não vi Refluxo, mas gostaria de perguntar. Talvez seja uma pergunta inútil, mas sobre o que é essa peça pra vocês? O que ela pensa, o que importa?

Eric Lenate
A gente foi entendendo aos poucos porque os gestos que os personagens fazem eles acabam num espasmo. A gente não vê a trajetória, o caminho entre uma coisa e outra, a gente simplesmente tem a coisa. Dependendo de frames, de quadros por segundo num desenho animado você consegue dar a sensação de que a personagem está se movimentando com determinado engasgo e acho que essa palavra vem muito a calhar pro espetáculo. Ele fala de um momento de engasgo nosso. A gente engasgou com um negócio, num momento ou com determinada mentalidade que está dando em manifestações que precisam vir à tona, vir pra fora, precisa ser esgotada pra que a gente consiga dar um passo adiante. Daí fez muito sentido pra mim do porque essa gestualidade aconteceu dessa forma, sem contar a relação que isso ganhou na composição física dos corpos dos atores e das atrizes e dando pra gente um sensação de violência. Tanto é que todos os personagens têm essa mão fechada, cerrada, que dá uma sensação de que está agarrado a alguma coisa e não quer soltar e, ao mesmo tempo, a sensação de alguém que está pronto pra dar um soco na cara de alguém a qualquer momento.

Isso é um código que não é da pictografia específica de cada personagem, isso é um código do espetáculo todo, todos os personagens têm isso em seus corpos. Então, pra mim, acho que essa palavra que se conecta profundamente com a dinâmica físico-espacial do espetáculo: engasgo. E, ao mesmo tempo, ela não funciona destacada dessa palavra violência de todos os tipos: ela se manifesta de maneira física, de maneira psicológica, moral. Então acho que é uma palavra que sobrevoa e também subjaz. Uma coisa meio vulcânica afetou profundamente o trabalho do L. P. Daniel, nosso diretor musical, na hora de compor a trilha. Tem uma sonoridade que fica presente o tempo inteiro, dando uma sensação áudio-física na gente que não necessariamente é um efeito pra ser ouvido, ouvida para os ouvidos mais sensíveis, mas ao mesmo tempo é sensorial. Falei pro Leo que ele tinha que tocar nas pessoas com esse negócio. “Elas não têm que te ouvir, elas têm que sentir você encostando nelas”, disse. Essa sensação do engasgo e essa forma meio que vulcânica parece que está por baixo do espetáculo todo e essa larva está saindo pela boca do Dário, acho que pra mim seria a coisa que talvez melhor resumisse a minha relação com o espetáculo.

Valmir Santos
No programa de mediação com o público, o seu texto chama esse espectador para o contexto da sua cidade, o corte de quase 50% no orçamento na pasta da Cultura. Você tem um olhar ali talvez de pensamento desse espetáculo, impulsionado a falar da realidade do artista e da condição desse cidadão. Tem sentido isso?

Eric Lenate
Totalmente. A gente está sendo violentado a todo momento. No caso, naquele momento específico, eu tinha um agora já me movimentando, me dando soco, solavancos, e foi ele que me moveu a escrever esse texto com medo não só do desmonte, mas de sofrer algum tipo de retaliação da maneira como eu estava dizendo as coisas. A gente estava sendo desmontado, agredido e continua sendo violentado. A sensação que dá é que alguém, ou “alguéns”, que sabe muito bem o que está fazendo estão tomando atitudes que nós, trabalhadores da cultura, pra que a gente cada vez mais vá pra um determinado lugar desse território que é um lugar de escanteio, de lado, até a gente chegar num lugar em que não vai ser necessário mais sumir com a gente, abafar, anular. A gente já vai estar num lugar que ninguém mais vai olhar pra gente e por isso a gente não vai ter mais importância nenhuma, e não vão precisar mais nem lutar contra a gente porque já está fora do campo de visão e de importância das pessoas.

Essa sensação de alguma coisa te empurrando pra um lugar que você está vendo que não pode ir porque senão isso vai ter consequências irreversíveis era o que estava me apoquentando no período da estreia da peça. Eu fiz essa coisa bem-humorada de colocar uma convocação e não essa bobagem que se escreve em programa de teatro. Falei: “Vão inventando seus nomes de guerra porque se você não explodiu ainda, você vai explodir, é inevitável, todos vamos explodir em algum momento e vamos explodir de uma maneira legal, de uma maneira que movimente as coisas e que provoque realmente mudanças”. Mais ou menos isso. Não estou falando pra voltar a era da guilhotina, não é nada disso, mas alguma coisa para além daquelas manifestações que eu vi na Avenida Paulista e também presenciei várias que terminava em micareta, com o pessoal tomando cerveja na Paulista. Não é disso que tem que se tratar, não pode. Quando a gente viu aquelas coisas começarem a acontecer em julho de 2013, vocês não ficaram excitados, apreensivos, mexidos com aquilo tudo? Porque era um movimento que na minha geração eu não lembro de ter acontecido aquilo, talvez o movimento dos caras-pintadas [secundaristas que foram às ruas em 1992 pedindo “Fora, Collor”], mas era muito novo.

Agnes Zuliani
A Angela, por exemplo, fala desse pássaro da liberdade que a gente mata dentro da gente, ou o desejo, ou o sonho, a justiça. Tanto que o texto fala em “Matar o pássaro do outro”. Você mantém o seu de alguma forma, mas mata o do outro, e a sociedade está fazendo isso. Então se for pra resumir um pouco o espetáculo, o que significa, pra mim é a história de um ascensorista que é obrigado a engolir tudo que é dado a ele e que chega uma hora em que ele vai explodir. Porque é o que a gente faz, a gente pega o pássaro, a gente sempre mata o pássaro do outro e isso pra mim é o que chama mais atenção. Eu tenho uma visão de sociedade que é diferente de muita gente e igual a uma porção de gente também. Quando ele fala que é importante a gente olhar pra questão cultural porque estão puxando nosso tapete, eu tenho uma irmã médica e uma professora de educação física e elas conseguiram se aposentar e eu fico pensando: “E eu? O que que eu sei fazer?”. Eu sou formada em história, estudei fora, consigo fazer tradução, mas nada disso serve mais. Está tudo muito errado e o que me entristece é que a gente está indo nessa.

Leekyung Kim

Carlos Morelli, o síndico Seu Abreu: quase nunca sai do prédio

Laerte Késsimos
Eu vejo a peça como um quadro, como uma reflexão dos tempos em que a gente vive, do tipo: olha como as pessoas estão se tratando, olha como você trata as pessoas com quem você conversa, e isso só ao longo de um dia de prédio. Olha o quão horrível a gente está se tornando, esse instinto de moral afetado, de nada ser importante, de tratar tudo como se fosse uma bobagem. Acho que ela coloca esse quadro no seu olhar, é isso que a gente é, é isso que a gente está sendo, vivendo, isso que está acontecendo agora.

Beth Néspoli
Acho que todas aquelas pessoas ali estão também naquela situação. É um retrato nesse sentido social de todo mundo, ninguém tem poder pra nada, é naquele apartamento, naquele mundinho totalmente irrelevante. As pessoas estão cada vez mais irrelevantes, vão todas se matar ou morrer porque também estão sendo empurradas e se deixando empurrar. Então, nesse sentido, não é à toa que você [Eric] tenha feito o texto da irrelevância dos artistas, porque ela está nessa peça. É como se fosse a vida e as pessoas, e aquilo que é essencial sendo empurrado porque tem outra coisa no lugar.

Eric Lenate
Por mais que o Dário tenha uma função dramatúrgica determinada, que é a de ser o protagonista da peça, a gente sempre frisou que eram todos farinha do mesmo saco, está todo mundo subindo e descendo pelos mesmo andares e indo rumo ao mesmo inferno.

Anette Fuks – aposentada
Tem uma diferença: o Dário é o único empregado e os outros são todos proprietários. Eu relacionei também uma coisa psicológica, que numa família disfuncional tem um que é o loquinho e que precisa ser internado, mas quando vai na consulta ao psiquiatra, ele pede pra mãe ir conversar, o pai, o irmão e aí o psiquiatra descobre que todo mundo é doido. Então esse que é internado vira o depositário da loucura. Então, quando você falou que o ascensorista é o catalisador, ele não é, é o depositário da loucura de todo mundo. –

Eric Lenate
O catalisador é um depositário de impurezas. O depositário recebe e fica, segura, e o catalisador, apesar de receber e reter, ele processa a impureza no sentido de provocar algum tipo de movimento subsequente ao momento de agressão. Entendo perfeitamente esse processo de depositar no outro aquilo que é seu, o espelhamento.

Erick Gallani – ator, diretor e arte-educador
Sobre o texto, a sua busca pelo aspecto formal, será que não é em detrimento dessa falta no texto de uma lógica ou de facilidade de responder sobre essa narrativa? Quando você montou, houve por parte da Angela alguma crítica da montagem? Tendo acompanhado parte das criações fruto das pesquisas do Núcleo de Dramaturgia e as consequentes encenações, gostaria de saber se houve alguma crítica prévia de sua parte em relação ao texto e por parte da Angela em relação à montagem. Creio que muitos aspectos da linha narrativa dos textos acaba se perdendo nos espetáculos, ainda mais quando levados ao Espaço Mezanino [do Centro Cultural Fiesp].

Eric Lenate
Eu nunca senti o texto da Angela deficiente em algum lugar porque de alguma forma ele me preencheu com uma possibilidade de discurso cênico. Claro que outras pessoas podem vir e achar problemas, deficiências. Tem gente que fala que existe uma preponderância da encenação em relação ao texto, e preponderância do texto em relação à encenação. A gente tem despertado opiniões bastante controvérsias com o Refluxo e todas são muito bem-vindas porque a coisa está se movimentando. Eu me senti sendo movido pelo que a Angela escreveu no sentido de criar essa diagramação cênica, tanto no trabalho da minha direção dos atores quanto como encenador do espetáculo, porque eu divido muito bem as duas coisas e tento juntar depois lá no final. Divido a minha maneira de pensar a encenação do espetáculo e a maneira que encontrei de abordar os atores na direção do trabalho deles. Pois me senti muito movido e imbuído por aquilo que a Angela me forneceu com o trabalho dela.

Teve uma mão minha que pesou para suprir algum buraco ou alguma fresta que eu precisei amaciar no texto da Angela? Que eu lembre teve uma frase do texto da Agnes que era um final de monólogo que não estava encaçapando e a gente teve que tirar a frase, e aí foi. É na hora que ela fala: “Se o senhor tiver um tempinho, almoça; se estiver disposto, aria as panelas pra mim” [no trecho original: “(…) se ele não vier e o senhor tiver um tempinho, o senhor almoça e depois, se estiver disposto, aria as panelas pra mim”].

A autora consegue provocar um tipo de riso e um tipo de piada no meio de uma situação completamente constrangedora, porque ao mesmo tempo em que ela joga a piada no colo do público, a Agnes [como Dona Corina] vai pra um território oceânico dentro dela que a gente consegue assistir através dos olhos e numa imobilidade física que é muito interessante, porque você está rindo e ela já está em outro lugar e você tem que ir se encaixando de novo porque ela te passou a perna. A frase que existia não possibilitava essa manobra, não deixava a Agnes terminar desse jeito a cena, então eu suprimi aquela frase.

A gente dá uma misturada aqui e ali, mas aquela misturada fazendo com que o público perca um pouco da informação e isso não comprometa o andamento do espetáculo, nem o raciocínio do público em relação ao espetáculo. E também não compromete o desenho rítmico da cena. O que poderia comprometer ficou isolado.

Quando a Angela escreveu o texto, pelo que ela escreveu dá a sensação de que o palco está aqui e tem um tablado no meio com um elevador, e se entra e se sai daí. Você imaginando isso, consegue diagramar na sua cabeça a encenação entendendo como é que existe esse ruído de dois espaços sonoros simultâneos. Na hora em que a gente fez isso, o próprio espaço físico solucionou pra gente porque não eram os espaços sonoros que precisavam habitar o mesmo local, era só você entender o local de cada espaço sonoro.

A partir do momento em que eu sei que aquele espaço sonoro que ela sugeriu que acontecesse é aqui dentro do elevador e o outro espaço sonoro é na porta de um apartamento, você entende que ele está aqui, então essa dinâmica resolveu o problema das sobreposições espaciais. O campo visual resolveu o problema dos campos sonoros. E nesse sentido eu sinto que me deixei muito influenciar pela dramaturgia, mas também o espaço de encenação interferiu totalmente nisso.

Quando imagino um espetáculo, às vezes consigo imaginar mais de uma maneira de encená-lo com códigos muito próprios da maneira de pensar a encenação e que se distinguem completamente um do outro. Quando eu enceno a peça, aí chego num ponto de que o jeito que imaginei não consigo imaginar outro, e as outras ideias caem por terra e percebo que muito dessas ideias acabaram contaminando essa ideia principal, esse que eu elegi como sendo o mais adequado na minha cabeça.

Eu sou um diretor que encena muito mais textos inéditos do que textos já encenados por outras pessoas ou até clássicos. E acho ótimo, fico caçando porque não tenho medo de dramaturgia nova, medo de peça que nunca foi encenada, acho incrível porque tenho a possibilidade de instaurar um procedimento inaugural e não ficar tentando desmontar os procedimentos inaugurais das outras pessoas ou tentando aprender com eles. Agora, olhando pro Refluxo como ele existe, por mais que o espaço físico do mezanino tenha determinado muito do meu pensamento em relação ao espetáculo, eu não consigo mais imaginar ele de outra forma que não seja acontecendo nesse buraco de minhoca onde a gente fez. Mesmo se a gente fosse se apresentar no palco do Municipal, eu daria um jeito de construir aquilo em cima do palco, de colocar aquela arquibancada de frente praquele espaço. Porque aquela experiência que a gente conseguiu estabelecer no nosso contato com o público, que extrapola um pouco o campo da expectação, da simples contemplação, da observação passiva, fornecer pro público aquele passeio de chegar ao mezanino, receber alguns estímulos sonoros, atravessar o espaço físico onde a peça vai acontecer e depois vem o périplo, de retornar. Eu pensei em tudo isso, do cara ter que passar por um elevador do prédio do Sesi e descer.

Valmir Santos
Esse estágio inicial, você pensou no espectador ou numa experiência sensibilizadora? Qual era a sua intenção? Porque você interfere numa sugestão de dramaturgia, uma certa rubrica de pessoas concentradas no elevador, e você propõe essa explosão de espaço e cria um campo sensorial, sensibilizando, me parece. O seu convite para que o espectador que passou pela Paulista, pegou o ingresso, desfrute de experiência sonora e claustrofóbica naquele espaço?

Eric Lenate
É deixar o povo no grau. Eu sempre sou a favor de prólogos, que é aquele pedaço da obra que antecede a própria obra em si. Às vezes você faz um troço superestranho e o cara vai ter dificuldade de entrar naquela codificação toda e já perdeu dez minutos de peça, de texto importante. Eu sempre vou pelo caminho do estranhamento porque acontece um processo que chamo de estilingue. Você estimula o cara a se afastar do que você está fazendo e depois a penetração dele é tão forte no que você está fazendo que quando você solta tem um avanço em direção ao objetivo. Eu faço uma pecinha antes do espetáculo, que dá justamente esse contato sensorial, vivencial e às vezes intelectual, mas numa outra ordem para preparar o público em relação ao espetáculo que ainda vai começar. Sempre que eu tenho a oportunidade, que a obra me deixa, que a dramaturgia me proporciona terreno pra isso ou a ideia da encenação proporciona a oportunidade pra isso, eu sempre bolo algum prólogo para tirar o espectador daquele lugar da contemplação e levá-lo para um lugar um pouco mais ativo em relação à obra.

Fernanda – espectadora (sobrenome não identificado)
Eu tive uma curiosidade com os títulos das cenas [projetados durante o espetáculo]. Eles estão no texto?

Eric Lenate
Às vezes existia um deslocamento da iniciação de uma parada ou outra daquelas nove paradas que tem. Eu não fui falar com a Angela, fiquei pirando horrores, criar uma falsa informação pra mim mesmo, me aproveitar dela e depois vou falar com a Angela – porque vai que ela me puxa – e pensar essa relação do que ela escreveu com a Divina Comédia. Quando falei com ela, parecia que ela precisava organizar aquele caos todo e ela pegou e acabou se inspirando nos nove círculos dos infernos, por isso que você fica com aquela sensação dantesca e continua aquela maluquice toda, como provérbios da bíblia, e isso vai abrindo uma outra fissura de penetração no espetáculo que é muito doida. Porque com o acumulo dessas interferências, dessas paradas todas, cria pra mim um clima meio que de cerimonial fúnebre, tanto é que muita gente acha que eles estão mortos, a clássica história de que eles estão mortos e não sabem disso ainda. Parece que a gente está indo e enterrando alguma coisa. E que ao invés de terminar o espetáculo com um pá de areia, a gente vai lá e crema o espetáculo e ele acaba em chamas.

Agnes Zuliani
Essa experiência que eu tive foi um momento em que o espetáculo vai além da própria construção. Eu me achava muito importante pro espetáculo, pra qualquer espetáculo, e aí você vê que não é isso, que tem muita coisa. E esse espetáculo em si traz muitas coisas. Você fica parte disso e isso me contenta, muito, porque tira um pouco do ego.

Valmir Santos
Eu queria ouvir do Eric em relação a essa experiência de 2015 pra cá, de um projeto que você nomeia como de provocação da Sociedade Líquida [núcleo artístico]. Creio que ouvi-lo nos ajuda a compreender esses processos, uma escuta que faz a gente pensar em como as conformações de grupo estão se modificando e existem outras possibilidades. Quais particularidades você vê nessa fricção já que de alguma forma é um núcleo continuado, existem profissionais que estão desde 2015 e é um motivador realimentador desse projeto que não é companhia, não é coletivo, não é grupo. É projeto de provocação Sociedade Líquida…

Eric Lenate
O nome é uma homenagem ao nosso recém-falecido, Bauman [o sociólogo e filósofo Zygmunt Bauman, morto em janeiro de 2017], que foi um pensador que me forneceu muito material para reflexão, me fez me entender nesse mundo que eu vivo hoje. O nome veio muito antes da morte dele, homenagem também a uma das obras mais famosas dele. Essa coisa de grupo, companhia, coletivo talvez possa ser interessante num mundo civilizado, aqui não. E tem uma questão também que é de quando você está numa companhia normalmente é um bando de satelitezinhos rodando em torno de um planeta principal, uma cabeça principal ou duas, e todo mundo geralmente defendendo um mesmo pensamento estético-ético, e que pode durar cinco ou dez anos, mas tem uma hora que estoura a bolha porque são singularidades tendo que conviver e se anular em prol de um pensamento coletivo. E isso é uma furada, não leva a lugar nenhum. Leva quem está orientando o pensamento, mas quem está indo na carroça uma hora cai da carroça. Aí fica aqueles grupos se mantendo de nome, mas os membros já têm todas as suas trajetórias individuais mais fortalecidas e está cada um pra um canto.

Leekyung Kim

Patrícia Vilela é a refinada Dona Cleide

Eu parti do processo final, fazendo o processo final ser o processo matriz da coisa. Já conheci um de um trabalho específico que eu tinha feito, outro de um outro trabalho. Eu tinha experiência localizada com cada uma dessas pessoas e juntei. A gente deu o start em março de 2015 e a pedra fundamental desse projeto foi o Ludwig e suas irmãs [2015, do austríaco Thomas Bernhard], que foi o primeiro trabalho que a gente realizou sobre essa ideia, essa provocação. Eu chamo de projeto provocação porque a condição para que a sociedade continue acontecendo é que cada um tenha a sua própria trajetória individual. Afinal, foi através dela que eu conheci o trabalho das pessoas, e não é ela que eu quero anular. Quero que essa trajetória individual se fortaleça cada vez mais e que esse processo de individuação do meu companheiro me sirva aqui no momento em que a gente se encontrar pra conseguir realizar uma obra e conseguir pensar o sentido de obra não como trajetória, carreira, mas obra como aquele processo de presentificação, teu, no contato e na lida com algum tema ou alguma ideia que você vai exercitar no sentido de transformar numa manifestação estética, um espetáculo de teatro, ou seja lá o que for. Inclusive a gente não está se prendendo somente ao teatro, ao fato de eu ser o diretor de teatro, ser o provocador inicial do projeto. Esse trabalho que foi feito no Cultura Inglesa Festival é um projeto que partiu do Laerte, que faz parte do Sociedade. Toda a equipe está envolvida com isso e com a direção da Lavínia Pannunzio, então é uma coisa que não fica ligada a mim. Aline Santini é a iluminadora; o L. P. Daniel é diretor musical, compositor, sonoplasta, engenheiro de som e chef de cozinha; o Laerte é um monte de coisa; Rosângela Ribeiro é figurinista e cenógrafa.

Mariana Leme – atriz e diretora
O Lenate quem deu esse título à função, “Ouvinte de direção”, que é uma assistência, de alguma maneira. Eu pedi a ele pra acompanhar o projeto porque eu tenho interesse nesse olhar da direção especificamente. Eu ficava do lado dele observando o trabalho, o processo criativo. Acho que, diferente de uma assistência, eu fiquei numa posição mais de observadora mesmo.

Eric Lenate
Eu já tinha o meu assistente, que é o Felipe [Ramos], e ele numa postura mais ativa em relação à assistência, do tipo eu perguntar pra ele o que acha, tem conversa, tem discussão. A Mari eu não sabia, porque eu não a conhecia e nosso orçamento não comportava a Mari também, mas ela veio de uma maneira tranquila, ouvindo, observando, e foi aí que apareceu esse termo “Ouvinte de direção”. Mas se eu soubesse que ela chegaria do jeito que chegou, ela teria sido um segundo assistente.

.:. Leia a crítica de Valmir Santos a partir de Refluxo

.:. Leia a íntegra de outras edições do Encontro com o Espectador, desde junho de 2016

Equipe de criação:

Texto: Angela Ribeiro

Direção: Eric Lenate

Com: Agnes Zuliani, Carlos Morelli, Felipe Ramos, Laerte Késsimos, Lavínia Pannunzio, Maurício de Barros, Patrícia Vilela e Sheila Faermann

Arquitetura cênica: Eric Lenate

Figurinos: Rosângela Ribeiro

Iluminação: Aline Santini

Trilha Sonora: L.P. Daniel

Direção audiovisual: Laerte Késsimos

Visagismo: Leopoldo Pacheco

Fotógrafo: Leekyung Kim

Material gráfico: Laerte Késsimos

Ilustrações: João Pirolla

Assistência de direção: Felipe Ramos

Ouvinte de direção: Mariana Leme

Assistência de produção: Jamil Kubruk

Produção executiva:  Munir Pedrosa

Direção de produção: Luís Henrique (Luque) Daltrozo

Produção: Daltrozo Produções

Realização: Sesi-SP

Criação: Sociedade Líquida

Pela equipe do site Teatrojornal - Leituras de Cena.

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