Menu

Crítica

Sabe-se que cada forma implica um sistema de relações com o mundo, portanto, é também fundadora de sentidos. Assim, quando uma problemática como a da reelaboração artística de um passado político traumático assume formalizações muito distintas como em dois espetáculos presentes nesta Mostra Internacional de Teatro, as perspectivas do olhar apontam para abordagens éticas e efeitos distintos – sob certos aspectos, complementares. Leia mais

Crítica

Até o torturador cria para si histórias que o convençam de que faz o bem. Dita quase com essas palavras em Escola, tal frase é indício da perspectiva complexa com a qual o diretor Guillermo Calderón aborda temas políticos em espetáculos como Villa+Discurso, apresentado no Brasil em 2011 e 2012, e este Escola que ora traz à MITsp. É preciso desconfiar dos discursos. Deles escapam contradições, que revelam a concorrência de forças sob a superfície de uma convicção. Leia mais

Crítica

O que é, diante do real, esse trabalho intermediário da imaginação? – diz Robert Bresson. Para um cineasta inquieto com o seu tempo e com o seu fazer, suponho que seja o cotidiano o suporte de seus devaneios e a imaginação a engrenagem para a realidade. Mas encontra-se aí a potência e o revés da criação. Parto dessa suspeita para propor uma reflexão a partir de Cineastas, da Companhia Marea. Sendo a criação esse território da instabilidade e do desassossego, o criador busca ordenar as formas para delas subtrair instantes de arrebatamento. E cada instante desse capturado é enquadrado, o que retira dele uma possibilidade outra de existir, na medida em que se exclui do plano um universo para, quem sabe, libertar o plano dele mesmo; deslocado de sua realidade, do instante não permanece quase nada. Leia mais

Crítica

A certa altura do espetáculo Cineastas, a declaração de um dos personagens saltou aos ouvidos: “o cinema é o ser humano fazendo o tempo parar”. Enquanto no cinema o instante se deixa capturar e reproduzir pelo aparato tecnológico, no teatro há mais coerência em dizer que ele é experimentado em conjunto. Por isso mesmo, a característica da efemeridade mostra-se, como sabemos, uma das mais intrínsecas à atividade teatral. Atores e espectadores estão em busca de uma vivência compartilhada, da fruição de pulsões e desejos, que não se dão numa via de mão única: acontecem tanto do palco para a plateia quanto vice-versa, mas significam efetivamente tempo, acontecimento e, geralmente, espaço divididos. Leia mais

Crítica

Tragédia da imaginação

16.3.2014  |  por admin

Hamlet, da companhia lituana OKT, principia com uma pergunta: “Quem é você?”, variação do encenador Oskaras Koršunovas para a frase da peça de William Shakespeare “Who’s there?”. O questionamento é feito pelos nove atores da trupe que, de costas para a plateia, se miram no espelho. Vão do sussurro ao grito, num crescendo. O público também está refletido. O cenário é um camarim com bancadas móveis que se transfigura no reino da Dinamarca. O sistema de espelhos compõe ângulos reveladores, como o do pai de Hamlet fantasma (Dainius Gavenonis) que se olha e vê Claudius (que ele matou) dentro de si, numa alusão ao fratricídio Caim e Abel. Leia mais

Crítica

Uma mulher (não) é uma mulher

16.3.2014  |  por admin

A performer espanhola Angélica Liddell habita o palco carregada de memórias e simbologias em Eu não sou bonita. O espetáculo foi criado sobre material autobiográfico, a partir do qual ela elabora uma poética da agressão. Desde uma perspectiva íntima compartilhada, a artista cria um espaço extracotidiano de expressão verbal e corporal contra a violência de gênero. Assume uma postura de enfrentamento da construção cultural do ser mulher, que limita a experiência do feminino, denunciando violências simbólicas e físicas castradoras do desejo e da liberdade. Leia mais

Crítica

Muito se fala de uma cena contemporânea cujo teor dramatúrgico se confirma autorreferente. Ora como o contar biográfico, ora no uso simbólico da experiência real, a aproximação entre o vivido e o encenado explicita também a necessidade de tornar espetaculares ocorrido e sentido, produzindo uma espécie de materialidade assertiva, pela qual o artista deixa de ser meramente instrumento para se exibir estrutura de atenção. Ocorre não ser tão simples o uso do próprio, visto o processo exigir consistência em seu argumento. Então são poucos os trabalhos que, verdadeiramente, superam a narrativa ilustrativa. É possível dividir em duas as disposições: a que confirma o uso do particular como meio de resolvê-lo, e a que aceita e reaviva sua condição. A diferença fundamental está na perspectiva da culpa igualmente autorreferente e daquela transferida ao outro. E ambas, até certo ponto, se confundem demasiadamente com mecanismos terapêuticos sobre o próprio dizer. Leia mais

Crítica

Pão e tinta

16.3.2014  |  por admin

Gólgota Picnic, de Rodrigo García, oferece ao espectador um banquete, uma cornucópia de imagens e ideias, cuja abundância solapa qualquer possibilidade de síntese já nos primeiros vinte minutos de espetáculo. Tentar descrevê-lo ou resumi-lo em poucas palavras é correr um sério risco de chafurdar em platitudes, mas o esforço de tentar falar de algo de que não podemos dar conta é inevitável quando se pretende o exercício crítico. Leia mais

Crítica

Introdução.
É de tirar o fôlego, embrulhar o estômago, aflorar os nossos instintos de manifestante em tempos de passeatas midiáticas, quando juntamos tudo no mesmo bolo – gritamos contra a corrupção, pedimos por melhorias nos transportes e aproveitamos para falar de saúde, educação, sem nos esquecer de emitir opiniões pelo Facebook e postar a foto com filtro no Instagram. Enquanto um protesto fechava o trânsito na Avenida Paulista e ativistas subiam ao palco por conta do cavalo utilizado na performance Eu não sou bonita, de Angélica Liddell, a companhia La Carnicería Teatro apresentava Gólgota picnic no Sesc Vila Mariana, dentro da programação da MITsp. Leia mais

Crítica

Eu não desejei fogo algum

14.3.2014  |  por admin

Antes que o desejo surja, Prometeu o satisfaz. Ele subverte a lógica da bondade e desloca o sujeito para a gratidão. E todos nós o saudamos, afinal, sua teimosia é inspiradora e, como visionário, ele entrega a nós o fogo e a bem-aventurança. Dizem de Prometeu como o herói civilizador, e ele se afirma em seu gesto – é que o fogo iluminou a arte, a cultura e o pensamento e somos gratos, então. Mas é preciso atentar-se, não existe nenhum virtuosismo em roubar o fogo e entregar à humanidade. Desconfio dos que assim insistem. Nem existe humanidade, o que existem são homens. É preciso discorrer sobre essa lógica de um deus que entende a entrega do fogo como um ato de amor e duvidar desse ato como sacrifício, pois proponho que talvez resida ai uma cruel compaixão. E assim começo a dizer da força que me arrebata em Anti-Prometeu, do Studio Oyunculari. Leia mais