Menu

Resenha

Um casal, Anne-Marie Roche e Michel Nollet, retorna à cidade onde viveu no noroeste da França para assinar o divórcio diante de um juiz. Ambos têm 35 anos ou mais, estão separados há um tempo. Hospedam-se no mesmo hotel em que moraram provisoriamente enquanto a casa que construíam não estava pronta. O reencontro é carregado de tensão, silêncios e ecos do passado; afinal, o retorno não é apenas a um lugar geográfico conhecido (a cidade, o hotel), mas também a um lugar afetivo reconhecível (o estado de um desejo intenso e fronteiriço à loucura), aos quais ambos ainda permanecem vinculados ─ há uns móveis da antiga casa guardados em um depósito, cujo destino precisa ser decidido, mas sobretudo há ainda aquela chama ardente que os uniu e depois os levou ao inferno e ao fracasso (os dois se surpreendem com a constatação quase palpável do sentimento). O espaço do reencontro ─ o impessoal saguão do Hôtel de France ─ é atravessado por luzes e sombras, criando um interessante jogo de exposição e ocultamento. O tempo do reencontro ─ a noite ─ é preenchido por um diálogo entremeado por silêncios e que, por isso, parece sempre em vias de se dissolver.

Leia mais

Crítica

Quando a arte olha no fundo dos próprios olhos enquanto procedimento criativo ela pode incorrer em risco de abraçar a autoimagem, afogando-se, como no mito de Narciso. Não é incomum o recurso de metalinguagem virar presa dele mesmo nas teias dos aspectos formais. Sentimento diverso do constatado em Banco dos sonhos, espetáculo-lago da Velha Companhia. Seu grau de experimentação carrega lírios e desassossegos por leitos e margens do teatro e da sociedade. Com a proeza de dar centralidade ao público instado a navegar por uma narrativa e reconstituir, consigo, a consciência de uma personagem, uma grande atriz, em aparente desagregação.

Leia mais
Uma temporada no Congo, texto de Aimé Césaire e direção de Christian Schiaretti junto ao Teatro Nacional Popular, o TNP, de Paris, em 2013 [ator Marc Zinga é o líder político Lumumba, ao centro]

Artigo

Césaire 1

O ano de 1960, “glorioso”, como já o chamaram, marca a independência de 16 países africanos dos colonizadores europeus. Entre esses países, estava a atual República Democrática do Congo, que se emanciparia dos belgas a 30 de junho. No centro dos eventos, a figura do político e poeta Patrice Lumumba (1925-1961), um dos líderes do movimento de independência, que sai da prisão para o cargo de primeiro-ministro da nação recém-criada.

O dramaturgo, poeta, ensaísta e político martinicano Aimé Césaire (1913-2008) percebeu em Lumumba e no Movimento Nacional Congolês, fundado por este, pontos de partida exemplares para uma peça teatral sobre a luta anticolonialista – e o fez com os acontecimentos ainda quentes, em pleno curso. A peça Uma temporada no Congo, escrita em 1966, foi publicada pela Temporal em 2022 (e lançada em Brasília e São Paulo). É uma das quatro obras teatrais de Césaire. 

Leia mais
Cena do filme ‘O grande momento’ (1958), direção de Roberto Santos [ator Gianfrancesco Guarnieri vive jovem filho de imigrante italiano que, às vésperas de seu casamento, sai em busca de dinheiro para pagar as despesas com a festa]

Artigo

Em 2022, a pesquisadora Lígia Balista se deparou com um documento no arquivo do dramaturgo e pesquisador Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006) – cedido por sua família ao Centro de Documentação Teatral (CDT) da Escola de Comunicações e Artes da USP, a ECA – que modifica o cenário da moderna dramaturgia brasileira: a descoberta da peça A pipa de Diógenes, com autoria conjunta de Guarnieri e Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha (1936-1974). E segundo Lígia: “A primeira (versão) também é assinada por… Pedro Paulo Uzeda Moreira, nome que já não consta nas duas versões seguintes”. Esse é um marco na história do teatro brasileiro porque muda algumas das certezas que tínhamos sobre a dramaturgia nacional até então, como Eles não usam black tie (1958), de autoria de Guarnieri, sendo considerada a peça inaugural do texto político social do moderno teatro brasileiro.

Leia mais
Solo de Marajó, direção de Alberto Silva Neto, com o Grupo Usina (ator Claudio Barros)

Crítica

Não carece, necessariamente, ter lido o romance Marajó, do paraense Dalcídio Jurandir (1909-1979), para os sentidos e a imaginação se aguçarem durante o espetáculo Solo de Marajó, que estreou em 2009, no centenário de nascimento do autor, e segue no repertório do Grupo Usina, de Belém. A confluência de literatura e teatro dá vasão a encantamentos forjados no saber popular de comunidades da Ilha do Marajó, na segunda década do século XX. Assim como são flagrantes os marcadores sociais de subalternidade em corpos indígenas e negros, principalmente femininos.

Leia mais

Reportagem

“É a história, senhoras e senhores jurados, de uma mulher fantasma. Uma mulher que ninguém vê, que ninguém conhece. É a história de um lento desaparecimento. Uma trágica descida ao inferno, no qual a mãe leva a filha. Esta mulher cometeu o pior: um infanticídio. Ela matou a filha, e reconhece. É insuportável para nós e ultrapassa o entendimento. Uma mãe que se autoriza a matar a própria cria, só podemos vê-la como sendo um monstro. E um monstro deve ser morto. Então, abram um código penal e a condenem. Mas, se o fizerem, senhoras e senhores, vocês terão feito um julgamento sem justiça. Vocês terão respondido apenas à questão mais fácil, e não a que sua responsabilidade de jurado o obriga a fazer. Se você não conseguir se fazer essa pergunta, ficará na praia atordoado com o horror do crime”.

Leia mais
Teste

Crítica

Para Dias Gomes, não existe “nada mais fugidio, mais inconsistente, mais impalpável” que a memória. Esta permeia seu campo de invenção com perenidade, como se constata na 57ª Ocupação Itaú Cultural, que ficaria em cartaz até 15 de janeiro de 2023 – marco dos cem anos de nascimento do escritor baiano – e acaba de ser prorrogada até 31 daquele mês. A mostra examina a contribuição do dramaturgo em diversos campos artísticos, passando pelo teatro, cinema, rádio, literatura e televisão.

Leia mais

Artigo

As revistas e comédias musicais de autores como Cardoso de Menezes e Luiz Peixoto, espetáculos risonhos, tiveram seu contraponto nas peças do carioca Roberto Gomes (1882-1922), um dos dramaturgos de inspiração simbolista atuantes nas primeiras décadas do século passado. A atmosfera soturna e crepuscular compõe o cenário preferencial das oito peças deixadas por ele, também crítico de música e teatro, contemporâneo de João do Rio (1881-1921) e Paulo Gonçalves (1897-1927). Seus 100 anos de morte completam-se em 31 de dezembro.

Leia mais

Artigo

Panorama do teatro brasileiro completa 60 anos de sua publicação (Difel, 1962). É uma das obras centrais entre as escritas pelo crítico, professor e historiador Sábato Magaldi (1927-2016) e referência para a história do teatro no Brasil. O livro é a um só tempo síntese histórica e roteiro de trabalho. Organiza, aprofunda, desdobra os estudos que o autor já vinha desenvolvendo desde que começara a escrever no Diário Carioca, em princípio dos anos de 1950, e, depois, em mais de 20 anos de colaboração com o Jornal da Tarde, de São Paulo, a partir de 1966. A atividade jornalística seria complementada pela participação junto ao Suplemento Literário, do jornal O Estado de S. Paulo.

Leia mais

Reportagem

“Eu prefiro dançar a falar. Nasci no Benin e cresci no Senegal. Essas duas identidades, das quais sou muito orgulhosa, são a base da minha técnica. Deixei meu país de origem aos 7 anos e, na escola, durante o intervalo, as meninas não falavam a mesma língua que eu. Quando dançava no meio delas, nas brincadeiras infantis, via as árvores dançarem e sugeria movimentos semelhantes. Elas me chamavam de Doff bi [‘louca’, em wolof, língua falada na África Ocidental], mas vinham procurar pela louca que dançava e tentavam me imitar”.

Leia mais