30.5.1996 | por Valmir Santos
O Diário de Mogi – Quinta-feira, 30 de maio de 1996. Caderno A – capa
Em “A Arte Secreta do Ator”, Eugenio Barba e equipe realizam pesquisa sobre as bases da interpretação
VALMIR SANTOS
Um elemento tem passado incólume ao longo da história das artes cênicas: o ator. A humanidade assistiu à anulação do texto, da cenografia, da música, a “derrubada” da Quarta parede, enfim, às várias possibilidades antiteatrais que, ao cabo, têm lá sua essência. A presença física do ator, porém, sempre esteve arraigada no palco de todos os cantos do planeta. “A Arte Secreta do Ator – Dicionário de Antropologia Teatral”, recém-lançado em conjunto pelas editoras Hucitec e Unicamp, surge como uma colaboração preciosa para o entendimento da evolução da interpretação.
Escrito pelo italiano Eugenio Barba, um dos proeminentes teóricos da atualidade – fundador do célebre grupo dinamarquês Odin Teatret (1954) e discípulo do polonês Jerzy Grotowski-, não se trata de obra com bula definitiva sobre como subir ao palco e fazer o teatro vir à baixo, como se diz dos talentos que arrebatam.
Ao contrário, “A Arte Secreta” do título o continuará sendo, porque a própria concepção do trabalho é a de que a margem para a criação teatral, no que ela tem de profundamente humana, é infinita. Daí, sua riqueza.
Barba, em conjunto com o também pesquisador Nicola Savarese, mais a equipe de pesquisadores ligados à Escola Internacional de Antropologia Teatral (Ista, sigla em inglês), fundada por ele na Dinamarca (1979), trazem à tona desde conceitos básicos sobre anatomia até os fundamentos de energia, por exemplo, quesito que envolve questões físicas, biológicas e espirituais.
Os russos Constantin Stanislaviski, o alemão Bertolt Brecht, o belga Vsevolod Meyerhold, os franceses Etiene Decroux e Antonin Artaud – todos mortos – ou a dançarina indiana Sanjuka Panigraghi, que há poucos anos participou do Festival Internacional de Londrina, são exemplos de nomes seminais do teatro e da dança mundial.
Aliás, uma observação reveladora: ao longo das 272 páginas, a expressão ator-bailarino aparece o tempo todo. A representação e o movimento estão umbilicados – um, invariavelmente, como extensão do outro.
O subtítulo, “Dicionário de Antropologia Teatral”, reflete o conteúdo. O livro traz uma introdução de Barba, como que costurando os assuntos a serem abordados. Em seguida, em ordem não necessariamente alfabética – cenografia, por exemplo, vem antes de técnica -, desponta um verdadeiro passeio-deleite pelo universo da interpretação.
São meandros normalmente restritos ao âmbito da pesquisa do ator, que o público em geral desconhece e pouco se dá conta do tamanho da empreitada.
Dilatação, dramaturgia, equilíbrio, equivalência, historiografia, mãos, montagem, nostalgia, olhos e rosto, omissão, oposição, pés, pré-expressividade, restauração do comportamento, ritmo, técnica, texto e palco, treinamento e visões constituem os demais tópicos abordados. Como se vê, são termos ora pinçados pela razão, ora organizados sob o plano da subjetividade, da intuição peculiar do ator-bailarino.
Com o amparo de belas ilustrações e fotos (algumas coloridas), preenchendo boa parte das páginas, e um texto pouco contaminado pelo hermetismo, o que se tem é uma bela e rara pesquisa.
A Arte Secreta do Ator – Dicionário de Antropologia Teatral – De Eugenio Barba e Nicola Savarese. Tradução de Luis Otávio Burnier (supervisão), Carlos Roberto Simioni, Ricardo Puccetti, Hitoshi Nomura, Márcia Strazzacappa, Waleska Silverberg e André Telles. Lançamento conjunto das editoras Hucitec (telefones 543-0653 ou 530-9298, em São Paulo) e Unicamp. 272 páginas. R$ 75,00.