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“Autran fundiu-se à fase moderna do teatro brasileiro"

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Folha de S.Paulo

São Paulo, sábado, 13 de outubro de 2007

TEATRO

Artista começou como amador em 1947, integrou o período áureo do TBC e dialogou com jovens nomes a partir do fim dos anos 80
 

Ator de técnica apurada no uso de pausa, ritmo e dicção, Paulo Autran era dono de uma das mais bem preparadas vozes do país
 

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local

 
“Bom no drama e bom na comédia” -assim prenunciou o crítico Décio de Almeida Prado em 1953 sobre Paulo Autran. Seis anos antes, o ator iniciara a carreira no teatro amador, dirigido por Madalena Nicol em “Esquina Perigosa”, do britânico J.B. Priestley, em que contracenou com a irmã do bibliófilo José Mindlin, Esther.

Mas a vontade de representar remonta mesmo à infância, quando Paulo brincava de teatro em casa com primos. Criavam cenas para os adultos adivinharem do que se tratavam.

“Minha primeira entrada em cena, o primeiro papel que fiz na vida, foi de demônio. Tinha uns oito anos, botei um chinelo vermelho da minha tia, um calção vermelho de pano, e minha tia fez uns chifrinhos de papel pintado de preto; me desenharam um bigode na cara e eu representei um demônio”, afirma, no livro de entrevistas “Um Homem no Palco” (1998), do ator e crítico Alberto Guzik.

Filho de delegado e de uma dona-de-casa autodidata que tocava piano, Paulo Paquet Autran nasceu em 7 de setembro de 1922, no Rio de Janeiro. Aos seis anos, a família se mudou para São Paulo. Como muitos artistas de sua geração, formou-se em direito. Chegou a trabalhar num escritório de advocacia, mas pouco tempo depois abandonou a profissão.

A fase amadora também foi curta, de 1947 a 1949. Logo se profissionalizou, dando início a uma trajetória que se confundiu com a evolução do moderno teatro brasileiro.

No fim de 1949, passou a integrar o Grupo de Teatro Experimental (GTE), de Abílio Pereira de Almeida. Na fase áurea do TBC, atuou em produções importantes, como “Seis Personagens à Procura de um Autor”, de Pirandello, com direção do italiano Adolfo Celi. Ao lado do próprio e de Tônia Carrero, criou em 1956 a Companhia Tônia-Celi-Autran, que estreou com “Otelo”, de Shakespeare, e durou cinco anos.

Além de Tônia, contracenou com outras grandes atrizes como Cacilda Becker (“Antígone”, 1952), Bibi Ferreira (“My Fair Lady”, 1962), Maria Della Costa (“Depois da Queda”, 1964), Cleyde Yáconis (“Édipo Rei”, 1967) e Eva Wilma (“Pato com Laranja”, 1979).

Com Fernanda Montenegro, fez parceria só na TV, veículo que ele desprezava. Mas as pequenas incursões possibilitaram ao menos a antológica seqüência cômica de “Guerra dos Sexos” (1983), em que Autran e Montenegro atiram tortas no rosto um do outro.

Nova geração
Entre os diretores com quem atuou, estão Flávio Rangel (“Liberdade, Liberdade”, 1965), Ademar Guerra (“O Burguês Fidalgo”, 1968), Silnei Siqueira (“Morte e Vida Severina”, 1969), Fauzi Arap (“Macbeth”, 1970), Antunes Filho (“Em Família”, 1972), Celso Nunes (“Equus”, 1975) e José Possi Neto (“Feliz Páscoa”, 1985).

A partir do final dos anos 80, passou a dialogar com a geração mais recente de encenadores, alguns inclusive de perfil experimental ou vinculados a grupos, como Eduardo Tolentino de Araújo, do Tapa (“Solnes, o Construtor”, 1988), Paulo de Moraes, da Armazém Companhia de Teatro (“A Tempestade”, 1994), Ulysses Cruz (“Rei Lear”, 1996) e Felipe Hirsch, da Sutil Companhia de Teatro (“O Avarento”, 2006).

Mas é no solo “Quadrante” que o público se aproximou mais de Paulo Autran em carne e osso, sem propriamente a mediação de um personagem.

Desde 1988, ele entremeou as temporadas das peças que produziu com viagens pelo Brasil para apresentar seu “show”, como preferia definir “Quadrante”, ao qual o dramaturgo Plínio Marcos certa vez assistiu e o aconselhou a incorporá-lo ao repertório.
Ao consagrar poetas, cronistas e romancistas diletos em “Quadrante”, Autran expôs a condição de devoto da palavra. Homem de técnica apurada no uso de pausa, ritmo e dicção, ele era dono de uma das mais bem preparadas vozes do país. Por isso a coleção de registros em disco, prosa e verso, desde a década de 1950, em recitações para Pessoa, Drummond, Bandeira. Segundo Autran, o ator não tem direito ao próprio corpo e nem ao próprio rosto, mas sua voz é inconfundível.

Autran era um artista da palavra. Todo espetáculo em que atuou ou dirigiu principiava pela leitura de mesa. Era em volta dela, na sala de seu apartamento, que submetia autores contemporâneos ao teste. Na escuta, orientava enunciações e torcia pelo colorido de diálogos ou solilóquios.

“No dia em que, na minha casa, estudando uma cena do Creonte de Anouilh, descobri que o ator é “dono das palavras” e pode fazer com elas o que quiser, descobri ao mesmo tempo o valor da pausa, ou de sua supressão, que o sentido de uma palavra é o que o personagem quiser lhe atribuir naquele momento. Então, comecei a perceber a verdadeira função do ator, do intérprete, enfim, o que é ser ator”, escreveu na fotobiografia “Paulo Autran – Sem Comentários”, publicada em 2005.