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““Casa do Sol” busca tempo perdido"

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““Casa do Sol” busca tempo perdido"

O Diário de Mogi

O Diário de Mogi – Domingo, 21 de junho de 1998.   Caderno A – 4

Texto de Solange Dias harmoniza com direção de Villavicenzio ao retratar drama

VALMIR SANTOS

São Paulo – Em busca do tempo perdido, eis a sina da personagem central de “A Casa do Sol”. Dora vislum­bra a chegada da morte e pro­move uma retrospectiva da sua vida na qual a angústia, desco­bre tardiamente, foi regra.

O texto de Solange Dias, uma das dramaturgas emergen­tes na cena paulista, captura o sentimento de amargura que o­cupa os últimos dias de Dora. Uma mulher como muitas, arrependida de ter desprezado as chances que teve para experi­mentar a felicidade em vida, por mais efêmera que fosse.

Dora casou-se por conveni­ência com um militar. Teve um filho, seguiu o modelo tradicio­nal. Até o dia em que Lucas (Cássio Castelan), um fotógra­fo, colega do marido, a resgata para o universo do desejo.

E essa dicotomia, entre pai­xão e convenção, que está no centro da peça. Dora chega a op­tar pelo rompimento, sim, mas seu destino é de tal forma ema­ranhado que não vinga.

Em certa medida, “A Casa do Sol” lembra a história do filme “As Pontes de Madson”, protagonizado por Clint Eastwood e Meryl Streep. No texto de Solange Dias, vemos a mulher que termina por anular-se, em função das aparências, e só percebe o quanto isso lhe custou na velhice.

A estrutura narrativa recorre ao flashback e interpõe a Dora jovem (Daniel Carmona) com a Dora velha (Ana Ferreira). Esta é quem, de fato, costura a peça.

É através da sua memória estilhaçada que se recompõe uma história de amor e dor, por mais pobre que seja a rima.

“Ah, como o tempo demora a passar! E, no entanto, aquele que já passou, passou tão depressa” – esta é a primeira fala de Dora. O deus Cronos, sem cicatrizes, mandará outros sinais ao longo da peça. “Estou com medo do tempo”, deduz ela, de  novo, agora em pleno dia de casamento. “Se o tempo fosse um filme, eu voltava… Eu cortava!”, consola-se, sempre “com os olhos perdidos no tempo”, como observa o marido, Urbano (Atílio Beline Vaz).

Aglutina-se dramas paralelos. Vitória (Liliana Junqueira), a irmã de Dora, alimenta uma paixão obssessiva pelo sobrinho, Samuel (Emerson Me­neses), castrada pelo pai dele, Urbano.

O rito de passagem de Samu­el, quando se descobre um “ho­mem” nos braços da tia, é dos pontos de maior tensão. Desen­cadeia uma série de aconteci­mentos que vão derrubando, aos poucos, as máscaras de cada um.

A morte que vem buscar Dora é representada pela figura da Menina (Carolina Bonfanti), um misto de anjo de guarda e Emília, a boneca do “Sítio do Pica-Pau Amarelo”. A relação delas é de muita ternura, parcimônia. É ela, a Menina, quem serve de interlocutora para as memórias de Dora.

Não há como isolar as atua­ções em “A Casa do Sol”. Alna Ferreira e Daniela Carmona passeiam por suas Doras com segurança e envolvimento. Os papéis masculinos correspon­dem aos perfis de Urbano (Vaz na retidão militar), Samuel (Me­neses na gana adolescente) e Lucas (Castelan na utopia pessoal em detrimento do coração alheio).

O diretor Hugo Villavicenzio, que vem de montagens calcadas na exigência física dos atores – fruto da influência do teatro latino-americano, ele que é peruano -, desta vez acentua a palavra e o tempo psicológico de cada personagem.

A movimentação dos atores se dá mais em função do belo casarão onde o espetáculo é encenado, no Parque da Água Branca. Villavicenzio, que tam­bém assina a cenografia, utiliza-se de projeção de vídeo para i­lustrar as lembranças de Dora, em preto e branco, apoiando a narrativa.

A acústica deficiente do espaço não chega a afetar a compreensão do texto. Os figurinos e caracterizações de época (anos 30, 40) são de Vaz. O canto lírico de Lilian Junqueira e o piano de Roberto Anzai injetam um tanto de leveza na trajetória de personagens tão oprimidos, não raras vezes por eles mesmos.

No retrato sem retoques de uma família convencional, “A Casa do Sol” emana a densidade de um García Lorca. O texto e a direção casam-se perfeitamente, extraindo poesia das sombras da alma.

 

A Casa do Sol – De Solange Dias. Direção: Hugo Villavicenzio. Quinta a sábado, 21h; domingo, 18h. Casarão Sede do Fundo Social/Parque da Água Branca (avenida Francisco Matarazzo, 455, estacionamento gratuito – entrada pela rua Ministro Godoy). R$ 20,00 (nos dias 3 e 17 de julho e 14 de agosto o ingresso equivale a dois quilos de alimento não-perecível ou agasalho). Duração: 100 minutos. Até 16 de agosto.

 

Peça projeta solidariedade com poesia

São Paulo – A caixa de ima­gens cresceu. Não é mais a moldura quadrada, onde os pequenos bonecos são agiganta­dos pela magia gestada pelos seus manipuladores. A Caixa de Imagens, que dá nome ao gru­po, agora espalha seu encanto por todo o espaço cênico.

Em “Tão… Feliz”, os mani­puladores/atores mostram seus rostos em pêlo, assim como as mãos. Estão efetivamente cada vez mais próximos dos bonecos, como a humanizá-los.

A interação se dá também pela voz. Quer através de cançõ­es (“Procuro o silêncio do baru­lho”, diz o verso de uma delas), quer através da pantomima ou de sons onomatopáicos, enfim, cria-se uma extensão vital para seres muito além da inanição, mesmo quando adormecidos num sótão.

Mas a imaginação continua regendo os espetáculos do Cai­xa de Imagens, como sempre o fez nesses quatro anos de atua­ção do grupo.

“Tão… Feliz” reflete maturi­dade e dá margem a novas pes­quisas de linguagem no univer­so dos bonequeiros. A principal resolução vem a reboque do conteúdo dramático das cenas. Tudo começa com um velho pintor em sua angústia para e­xercitar o talento numa metró­pole caótica.

Depois temos o personagem que resume a peça. Trata-se de um mendigo carismático, inofensivo, como muitos que pe­rambulam pelas ruas da cidade. (Ele foi inspirado em mendigo da vida real que, certo dia, fez uma poesia para o grupo após uma apresentação de rua – e nunca mais deu o ar da graça).

Sua vidinha é preenchida pe­la leitura de jornal (alheios, co­mo o inferno, são os outros); mordisca um pão que, a duras penas, tenta reparti-lo; e sofre com o corte em seu pé, depois socorrido com mercúrio cromo por um voluntário da platéia.

Aliás, a cada noite o Caixa de Imagens convida um ator pa­ra contracenar com os bonecos. Duas semanas atrás, foi a vez de Hugo Possolo, um dos palhaços convictos dos Parlapatões, Patipes & Paspalhões.

E tudo se passa no âmbito da pracinha, do banquinho. À mar­gem da vida – o velhinho em sua solidão artística, o mendigo em sua carência material -, ambos celebram o gesto de solidarieda­de que faz a diferença.

Por trás de tanta amargura (a buzina, o choro), resta a poesia, o olhar acalentador de perceber-se no próximo. “Tão… Feliz” é um canto de união. Bebe da nos­talgia de um espaço mútuo de convivência, de respeito. E, de quebra, liberta o passarinho do realejo na ânsia de que ele traga alvíssaras – hoje e sempre, en­quanto há tempo.

Carlos Gaúcho, Mônica Si­mões, Evelyn Cristina e Fábio Coutinho encontraram o tom certo. Os bonequeiros do Caixa de Imagens são atores na acep­ção graúda da palavra. Recriam a mentira dos personagens para construir a verdade que seduz e toca, com equilíbrio, o coração de adultos e crianças. 

Tão… Feliz – Roteiro e direção: grupo Caixa de Imagens. Domingo, 17h e 19h. Teatro Cultura Inglesa/Vila Mariana (rua Madre Cabrini, 413, tel. 549-1722). R$ 10,00. Duração: 45 minutos. Até 28 de junho.

Curitiba – Aos 52 anos, 47 de teatro, 26 de crí¬tica, o jornalista Alberto Guzik experimenta uma situação nova em sua carreira. Às vésperas da estréia de “Um Deus Cruel”, no 60 Festival de Teatro de Curitiba, prevista para ontem, ele confes¬sou o “frio na barriga” característico dos atores.
Trata-se da sua primeira peça levada ao palco. “Acho que consegui fazer uma coisa que queria há muito tempo: uma grande declaração de amor ao teatro”, define seu texto. Não é exatamente novidade para quem debutou no romance ano passado, com “Risco de Vida”, também uma futura adaptação de Gerald Thomas – até 98. Dos mais influentes da cena brasileira contemporânea, o crítico do “Jornal da Tarde”, que antes passou pelo “Última Hora”, de Samuel Werner, é ator formado pela atual Escola de Artes Dramáticas da USP, antes Alfredo Mesquita; pós-graduado pela ECA-USP com tese sobre o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). A seguir, Guzik fala das suas expectativas e perspectivas de autor.
O Diário – Do que trata “Um Deus Cruel”? Tem fundo autobiográfico?
Alberto Guzik – Não tem nada de autobiográfico, é um exercício de ficção. Tem a ver com minha vida no teatro. Comecei a fazer teatro com 5 anos, não parei mais. Primeiro como ator amador, depois como estudante de teatro, depois como professor, jornalista, crítico. Quer dizer, efetivamente tenho uma vida no teatro e escrevo obsessivamente sobre teatro. Então não há como não fazer essa experiência derivar quando ponho a escrever sobre teatro, em ficção. Agora, a peça não tem nada que eu pessoalmente tenha vivido. Acontece como em “Risco de Vida”, que tem uma base autobiográfica maior do que a peça, mas mesmo assim acabou sendo pequena, porque acabou uma coisa onde a ficção acabou dominando muito mais amplamente do que qualquer idéia autobiográfica ou coisa parecida. A ficção está na ponta, a ficção invade. É muito poderosa e  isso que é legal, é isso que é divertido.
O Diário – Como foi a transição do crítico para a dramaturgia?
Guzik – Não é uma passagem, é uma soma, um acréscimo; eu continuo crítico, continuo escrevendo crítica e continuarei fazendo isso enquanto eu achar que estou podendo manter a minha isenção e a minha neu¬tralidade em relação aos espetáculos que vejo. O fato de estar me aproximando cada vez mais da prática do teatro não está afe tando esse outro lado. No dia que sentir que ele está sendo afetado eu paro. Acho que dei a minha contribuição para a críti¬ca brasileira, tenho 26 anos de função e acho que já foi um bom exercício. Eu gos¬to do que eu faço não pretendo pa¬rar, mas se um dia sentir que o traba¬lho está sendo afe¬tado pelo exercício da ficção, aí eu vou me afastar, é isso que tem que ser feito. Na verdade, eu acho que o grande salto eu dei quando escrevi o ro¬mance “Risco de Vida”. Desta¬pei um alçapão e deixei sair um ficcionista que estava latente lá dentro, há muitos anos. E a peça é um desdobramento do romance¬, na medida em que nasceu do interesse do Alexandre Stockler do meu romance. Ele ficou mu¬ito interessado pelo livro. Quis fazer uma adaptação teatral, mas ficou sabendo que o Gerald Thomas já estava interessado, que eu já tinha dado os direitos, e  é uma adaptação que vai sair, que vai ser realizada, já estamos ¬conversando sobre isso.
O Diário – Como nasceu “Um Deus Cruel”?
Guzik – O projeto nasceu ano passado, a partir do segundo romance que estou escrevendo, que se chama “Era um palco iluminado”, a história de uma companhia de teatro São Paulo, dos anos 60 aos anos 90 – acho que um período deslumbrante e é a história da minha geração no teatro, acompanha a trajetória de uma companhia ao longo de 30 anos, com saltos no tempo, é claro, senão vai ficar do tamanho do “Em Busca do Tempo Perdido”, do Proust, como oito volumes. Vou ¬fazer um volume só, do tamanho do “Risco de Vida”; umas 500 páginas, e já estou mais ou menos na metade. Quando o Alexandre começou a me sondar para escrever um texto para ele, tinha gostado muito do risco, achei que só ia escrever a peça em 98, quando terminasse o romance, porque tinha material que podia usar, que estava sobrando, algumas variantes de personagens. E daí a coisa cami¬nhou. Houve uma série de coincidências para que a peça surgisse. Tive um computador quebra¬do em Avignon (cidade francesa que abriga um grande festival) no passado, o romance estava no computador, escrevia todo dia. Tentei recuperar o romance – num caderno escrito, mas não consegui lembrar exatamente onde tinha parado, resolvi não arriscar. Então, ficção é feito dança, é uma coisa que requer uma disciplina, você tem que se dedicar àquilo todo dia num determinado horário ou dança. Lembrei-me então de uma conversa com o Alexandre, de que se fossa escrever a peça iria começar com a frase “Como assim”, e alguém respondendo “Como assim?”. Estava na praça de Avignon, num café, e aí abri o caderno e as anotações imediatamente se tornaram falas, personagens ganharam nomes, uma situação de ensaio, um di¬retor brigando com um ator, o a¬tor não entendendo direito o que é que ele faz e a peça começou a nascer, e em dois meses estava pronta a primeira versão.
O Diário – Fale um pouco sobre a história da peça?
Guzik – Uma companhia de teatro, uma garotada que sai da universidade, de uma cidade que presume-se que seja São Paulo. Ao contrário da minha ficção, esta peça não está situa¬da em nenhum momento historicamente muito preciso, mas a problemática dela data dos anos 80 para cá. É uma época sem censura, mas com censura eco¬nômica cada vez maior e que fa¬la das atividades, das dificulda¬des e das maravilhas, de fazer teatro. São cinco atores e um di¬retor que vivem o dia-a-dia de uma companhia. Então, o que o público vai ver são pedaços de ensaios, a mecânica dos ensai¬os, os bastidores, as brigas, os e¬gos, os delírios, as vaidades, as exacerbações, a generosidade, as maravilhas, as derrotas. E a¬cho que consegui fazer uma coi¬sa que queria há muito tempo: uma grande declaração de amor ao teatro.
O Diário – Como é sua relação com a classe artística?
Guzik – Na verdade, não te¬nho amigos íntimos no teatro. Conheço todo mundo, me dou com todo mundo, mas não sou um crítico de fequentar casa. Vou a um jantar quando sou convidado, mas não sou famili¬ar das pessoas do teatro. Não é porque não gosto. Falta tempo. Em geral tendo a dormir mais cedo. Já fui muito de badalação. Tenho que escrever minha fic¬ção, trabalhar no jornal e isso toma muito tempo. Uma boa noite de sono, para ter uma boa manhã de trabalho antes de ir para a redação, porque eu escrevo de manhã antes de sair de casa, não tem o que pague. E muito mais importante que jogar conversa fora num boteco. Adoro atores, adoro diretores, adoro estar no meio deles, não tenho rigorosamente nada contra, ao contrário, mas não sou íntimo das pessoas. Nunca tive um caso de amizade tão grande com um artista que me impedisse de refletir sobre a obra dele. Quer dizer, até hoje tenho conseguido efetivamente manter essa isenção com muita tranquilidade. A crítica é um exercício de poder muito fugaz e a gente tem que saber disso com muita destrez e muita consciência do processo.
O Diário – Você chegou a viver um pouco da fase, pode-se dizer, romântica da crítica, com espaço maior nos jornais em relação ao que vemos hoje. Esse “aperto” não angustia um pouco?
Guzik – Na verdade, a gente aprende a fazer o que tem que fazer. A crítica sempre fez isso, você tem que aprender a se adaptar, o jornalismo mudou, a crítica tem que mudar. Nem eu tenho mais paciência de ficar lendo…Confesso que fiz grandes digressões sobre coisas… Era lindo, era maravilhoso, era o máximo. Você lê as críticas do Décio de Almeida Prado com um prazer extraordinário, o ho¬mem é um dos maiores estilis tas da língua, entre os autores contemporâneos. È admirável a maneira como ele escreve, in¬dependentemente de qualquer outra coisa. O único jeito de vo¬cê fazer crítica é saber que você está lá, para dar a cara pra bater e pra errar. Você erra o tempo todo, é um exercício de erro. A crítica detém um poder completamente ilusório, que é poder nenhum, na verdade você é es pancado de um lado e do outro não tem nehuma regalia, na verdade, com o fato de ser crítico. As pessoas podem achar que tem, mas não há glamour nenhum. E uma responsabilidade do tamanho de um bonde, porque o que você fala pode não levar público nenhum ao teatro, mas mexe pra danar na cabeça do artista. Então você tem que saber muito bem o que você está falando porque não é brincadeira. Acho que minha vantagem nessa passagem, se existe alguma, é que sei como a crítica é feita. Então sei como receber crítica. Já soube como receber crítica, até bordoada no romance “Risco de Vida”, espe¬ro que em “Um Deus Cruel” continue sabendo receber por que vai ser necessário. Vai ter gente que vai gostar, vai ter gente que vai odiar, vai ter gente que não vai com minha cara, então vai ter o maior prazer em revidar. Vai ter de tudo isso. A vida é isso e a gente tem que estar preparado.
O Diário – E como você es¬tá encarando a estréia?
Guzik – Estou nervoso e muito curioso. Torço muito, a cho que tem uma turma jovem, talentosa. Aposto neles. Eles estão apostando na peça. Acho este encontro de gerações maravilhoso. O Alexandre tem 23 anos, eu tenho 52. Acho o máxi¬mo isso que está acontecendo.
A gente está dando uma lição de cooperação porque no Brasil as gerações são tão comportamentadas e o trabalho entre elas tornou-se tão raro que acho que isso pode acontecer, com lucros pa¬ra ambas as partes.
Colaborou Ivana Moura, do “Diário de Pernambuco”, especial para “O Diário de Mogi”. O jornalista Valmir Santos viaja a convite do 6º FTC.
Gerald reencontra Bete Coelho em “evento”
Curitiba – Todo ano é sem¬pre igual. Foi assim, por e¬xemplo, em “Império das Meias-Verdades”, em “Nowhe¬re Man”. Gerald Thomas cercou “Os Reis do lê-lê-lê” de segre¬dinhos. Às 2 horas da madruga¬da da última sexta-feira, dia da estréia, ligou para a assessora de Imprensa do Festival de Teatro de Curitiba comunicando o adi¬amento para ontem.
Na entrevista coletiva, na tarde de quinta, já adiantava problemas com a preparação do palco e outros detalhes técnicos. “Mas o evento está pronto”, ga¬rantia após 12 dias de ensaios. “Com 53 espetáculos nas cos¬tas, 20 anos de teatro, é preciso muita razão para tomar a decisão de estrear num palco que a organização prometeu entregar na terça-feira e já está atrasado em pelo menos 36 horas”, se queixava Thomas, justificando com antecedência o adiamento.
É “evento” e não peça que marca o reencontro, cerca de seis anos depois, de Thomas com Bete Coelho, ex-primeira-atriz da Companhia de Ópera Seca. Nos últimos anos ela seguiu carreira paralela, atuando em “Rancor” e “Pentesiléias” – esta há dois anos, dividindo a direção com Daniela Thomas.
Também estão no elenco Lu¬iz Damasceno, na Ópera Seca desde o início, 11 anos atrás, e Domingos Varella; Raquel Riz¬zo, curitibana que vem desde “Unglauber”; mais o polêmico diretor e ator Dionísio Neto (“Opus Profundum” e “Perpé¬tua”) e sua primeira-atriz Rena¬ta Jesion.
Ao contrário das aparições em espetáculos anteriores, desta vez Thomas veste efetivamente a camisa de ator. “Não sou ator, mas faço papel do Gerald Tho¬mas”, ironiza. Ele define seu “evento” – que além das duas apre¬sentações no festival deve ter somente mais uma em São Pau¬lo – como um “laboratório de clonagem”.
“Não simplesmente genéti¬ca, como no caso da ovelhinha, mas clonagem semântica”, tenta explicar.
Para Thomas, a contracultu¬ra pós-anos 60, que contestava o behaviorismo, o comportamen¬to diante da sociedade, desem¬bocou “nesta ignorância, boba¬geira que começou com ‘she’s love yeah, yeah”’, na sua opini¬ão “o mais imbecil de todos os refrões”.
“Os Reis do lê-lê-lê” é uma crítica ao mundo pop, do qual os Beatles foram ícone? Sim e não. Em princípio, o “evento” não pretende dizer muito sobre os rapazes de Liverpool. Apropria-se dos nomes – Thomas é Len¬non, Bete Coelho, McCartney – e de algumas canções na trilha. Mas o encenador, que diz ter le¬vado “porrada” em Londres por não gostar do Beatles e amar os Rolling Stones, no tempo em que morou por lá, prefere desta¬car mais o “prazer do reencon¬tro” com a atriz com quem vi¬veu um affaire de quatro anos.
Em tese, não existe um fio. A sinopse que entregou para di¬vulgação, o próprio diretor con¬fessa, tem pouco ou nada a ver com o que será visto no palco. A mutação é uma das característi¬cas deste “obcecado pela for¬ma”. Thomas adora as coisas feitas pelo Homem, a beleza concreta das cidades, e dispensa as providências da natureza. Ve¬nera o asfalto, o pneu e está pre¬ocupado com quem dirige o car¬ro.
Sobre desperdiçar um bom elenco para apenas duas ou três apresentações, Thomas aponta a “efemeridade” do teatro. “Tanto faz dias ou meses”. O próximo trabalho no Brasil será em agosto, com a companhia de dança Primeiro Ato, de Belo Horizon¬te. Depois da experiência – e das divergências – com o bailarmno e coreógrafo Ivaldo Bertazzo, pa¬rece ter tomado gosto pelo mo-vimento.