13.4.1997 | por Valmir Santos
O Diário de Mogi – Domingo, 13 de abril de 1997. Caderno A – 3
VALMIR SANTOS
Não foi uó. Elas deram o ar da graça para uma platéia seleta, sim, e empolgada, que atirou pérolas do mundinho para a passarela – tipo “É Tudo!”, “Abalou”, “Dá valor, meu bem!”, As “monas”, como elas se tratam, esquentaram a lanchonete Zero Grau na noite de quinta-feira. O I Concurso de Beleza Mogi Gay 97 confirma que, aos poucos, a cidade vai saindo do armário – já tem sex shop, pois não? A manifestação da sexualidade, ainda que em conta-gotas, ganha visibilidade muito além dos “personagens” temporões. É o movimento GLS, sigla para gays, lésbicas e simpatizantes. No capitalismo da lei do lucro sem preconceito, descobriram o filão da vez. “Viado”, expressão pejorativa fora de moda, é consumidor exigente e“está podendo”. Abaixou a onda clubber, que na entrada dos anos 90 debutou no Massivo, casa noturna dos Jardins, na Capital. Agora quem manda em tudo é o mercado. Ou melhor, o também fundamental Mercado Mundo Mix, guarda-chuva que abriga todas as tendências.
A mesma Mogi que boicotou preconceituosamente, cerca de dois anos atrás, a versão local do evento em César de Souza, iniciativa de Leandro Silva, da Laser Vídeo, desta vez foi mais receptiva. Claro que a estudantada que entupia a lanchonete evaporou ao toque de recolher das 22 horas. A resistência ainda é grande, mas os heróis, ou heroínas como as organizadoras Mary e Silvana de Andrade, “simpatizante” e “militantes”, estão aí para derrubar tijolinhos.
Quem não foi, perdeu oportunidade para rir à toa com a cicerone Silvete Montilla, 29 anos, 10 de noite. Auxiliar da Promotoria Pública de dia, ela se transforma com a chegada da lua para assumir sua veia artística.
Silvete é uma verdadeira comediante com domínio de palco-passarela de causar inveja em muitas que fazem das tripas coração para ganhar o público. Ela não. E escorregadia, maliciosa, de uma comicidade espontânea capaz de arrancar gargalhadas até dos mais sérios.
“Ê aííííí?! não cansa de repetir o grito de guerra do dicionário GLS – para perguntar como vai -, que ela jura ter batizado. São anos de shows em boates, de “bas fond”.
Atacada pelo “Exu Petinha”, desencana com o sorteio de uma passagem para “Paris.. .Cida do Norte”; admite que “nome de gay é uma floresta que sai da boca”, diante de tanto anglicismo das dondocas (Stephane, Kelly, Natash etc); dá uma colher de chá para o “patrocinador”, “Tubaína Pitu, aquela que você toma pela boca e sai… por aquela linha”; berado para a participação especial do evento em Mogi…
“Mas nada disso importa”, conclui a própria Silvete, perguntando se alguém da platéia “catou”. Divertir é o que há. Parecem deslocadas de tempo e espaço, como um sonho. Todas já foram miss isso, miss aquilo, como se coubessem no trono de rainha.
Mas afinal, a vida longe dos holofotes segue seu curso. Silvete, por exemplo, não se conforma com a desculpa de não ter camisinha na hora “h” – “usa papel Melita”, apela. Participou do “Alerta CaridAids”, que reuniu 15 mil em São Paulo, ano passado. “O gay tem emoção de rir e chorar como qualquer outro ser humano”, explica. Preconceito, como não bastasse a carga, continua sendo, para muitos, mera desinformação à beira do próximo milênio.
E histórias humanas, aliás, não faltam. Natasha Dushesi, 25 anos, uma das candidatas revela com naturalidade que sua primeira transa foi aos sete anos, com um primo. “Sempre acontece dentro da família”, aposta. O primeiro vestido, ela nunca esquece, usou aos 12 anos, para ir à escola. “A maioria dos gays só ri para não chorar”. Natasha diz cursar o primeiro ano de Moda numa faculdade do Rio de Janeiro. Confessa que só entrou porque “comprou” o diploma do segundo grau (“Como toda escola pública de lá, você precisa ter dinheiro”). É a vida sem maquiagem, como ela é.