3.8.1997 | por Valmir Santos
O Diário de Mogi – Domingo, 03 de agosto de 1997. Caderno A – 4
Gênero que viveu seu apogeu nos anos 20 e 30 no Brasil ganha livro de Neyde Venziano
VALMIR SANTOS
São Paulo – Uma passagem pelos títulos dos espetáculos apresentados nas décadas de 20 e 30 – – sua época de ouro no Brasil -, dá o tom do que foi o Teatro de Revista entre nós: “Forrobodó, a Capital Federal”, “O Rei do Poleiro”, “Olelê!… Olalá!…”, “Tatu Subiu no Pau”, “Pirão de Areia”, “Bom Que Dói”’, “É da Pontinha”, “Dá no Couro”, “Angu de Caroço”, “Abafa a Banca”, “Em Ponto de Bala”, etc… Importado da França, ganhou urna roupagem que traduziu o espírit:o de um povo como poucas expressões artísticas o fizeram.
Muito do que se vê nos palcos contemporâneos remete ao escracho, ao humor espontâneo, à alegria dos poucos diálogos (esquetes) e de muitos números musicais que representaram o Teatro de Revista. Foi a “concreta tradução teatral” do País, defende a pesquisadora Neyde Veneziano em “Não Adianta Chorar – – Teatro de Revista Brasileiro… Oba!”, livro recém-lançado pela editora Unicamp.
Conhecida pela, sua atuação acadêmica e sobretudo pela direção teatral (“Almanaque Brasil” foi um musical que emplacou em suas mãos), Neyde Veneziano especializou-se no assunto. Seu acalentado estudo vai além do embasamento histórico. Como escreve na sua introdução, a autora quer transcender os estereótipos da vedete, da banana, da tropicália. Tudo bem, são dados concretos. Mas por trás das baianas, das músicas e dos balangandãs existe também o conceito cultural.
“Que venha também a consciência de um teatro que contribui para a nossa formação cultural, que fixou nossos tipos, nossos costumes, nosso modo genuíno de falar “à brasileira”, reivindica Veneziano. As 203 páginas ganham um tratamento que passa longe do meramente acadêmico (exceção feita à não tradução de trechos em francês ou italiano para o português, afunilando o acesso à uma compreensão efetiva). Claro, a autora não fez um texto “metarevista”, com o humor de antanho – e nem seria o caso. O livro é, sim, uma reforço histórico, uma acentuação de um gênero que geralmente é revisitado equivocadamente com pecha de arte inferior. Ledo engano.
Numa época em que não existia o rádio, tampouco a televisão, era na platéia do teatro que o público ia conferir a retrospectiva dos acontecimentos do ano. Daí a re-vista… Imaginem as famosas retrospectivas globais de fim de ano levadas ao palco em números musicais ou esquetes (textos breves, diálogos curtos). As revistas de ano eram uma deliciosa sátira ao País, principalmente aos políticos.
Nem burleta, nem cabaret, nem vaudeville, nem café-concerto, nem music-hall, nem opereta, enfim, Neyde Veneziano toma o cuidado de distinguir as manifestações geralmente associadas à revista. A autora, então, a define assim: “Espetáculo ligeiro, misto de prosa e verso, música e dança, faz, por meio de inúmeros quadros, uma resenha, passando em revista fatos sempre inspirados na atualidade, utilizando jocosas caricaturas, com o objetivo de oferecer ao público uma alegre diversão”.
O livro estabelece ligações com a origem primitiva do teatro popular de cinco, seis séculos atrás – sua veia cômica, bufona, paródica –, para o plataforma ao qual se lançou a revista. Enquanto gênero, segundo o livro, a revista nasceu no século 18, nas ruas da França. Nas barracas das feiras, improvisavam-se históricas ou situações carnavalescas nas quais os protagonistas criavam com um olhar “ao avesso” em relação ao mundo.
Uma revista à brasileira ga nna corpo entre as décadas de 20 e 30. A Semana de Arte Moderna, em 1922, a revista se moderniza com um melhor tratamento cênico, com detalhes da iluminação ao desnudamento das pernas das moças no palco. Carlos Bettencourt, Cardoso de Menezes, Marques Porto e Luiz Peixoto estão entre os melhores revistógrafos da história do Brasil. O Rio de Janeiro, então capital federal, reinou absoluto abrigando a maioria dos espetáculós. Quanto aos intérpretes, destacaram-se Henriqueta Brieba, Alfredo Silva, Áracy Cortes, Pepa Ruiz e Edith Falcão.
Pouca gente sabe, mas a cantora Carmem Miranda tentou pegar carona no movimento teatral popular daquela época, mas chegou tarde. Numa das suas raras apresentações no Brasil, em 1930, com “Vai Dar que Falar”’, de Porto e Peixoto, ela foi vaiada porque era “excessivamente realista” em cena. Depois de evoluir das resenhas anuais para uma posição assumidamente carnavalesca, não dava para ignorar a perspectiva popular.
São informações esclarecedoras como essas que a pesquisadora Neyde Veneziano expõe em “Não Adianta Chorar…”. Se exegese, sem saudosismo barato, contextualizando o leitor em relação à situação política em voga – aliás, a revista constituia caldeirão propício –, o livro resulta num documento valioso para o Teatro Brasileiro. A breve iconografia e a relação dos principais espetáculos complementam esta que pode ser considerada uma incursão afetiva de Veneziano sobre tema apaixonante. Afinal, foi um tempo em que se ria com alusões políticas e sociais de fazer censor corar.
Não Adianta Chorar – Teatro de Revista Brasileiro…Oba! – De Neide Veneziano. Editora Unicamp (Cidade Universitária, Caixa Postal 6074, Campinas-SP, CEP 13083-970, tel. 19 788-2170). R$ 22,00.