2.4.1992 | por Valmir Santos
O Diário de Mogi – Quinta-feira, 02 de abril de 1992. Caderno A – capa
Grupo monta, simultaneamente, “A Megera Domada” e “A Mandrágora”
VALMIR SANTOS
A disputa acirrada e a conquista pretensamente orgulhosa do poder nos tempos de Collor, de Nicolau Maquiavel ou de Willian Shakespeare, tanto faz. Até junho, o grupo Tapa continua encenando duas peças clássicas que colocam em xeque a preponderância do domínio do alheio seja pela força física, moral ou financeira. “A Megera Domada” (Shakespeare) e “A Mandrágora” (Maquiavel) trazem para o palco, em gênero de comédia, o discurso do macho e o exercício da velha corrupção, que antigamente assolava os clãs e hoje emperra a máquina de muitos governos.
“Não se culpa o autor, mas o seu tempo”, entoam em coro os atores, logo na primeira cena de “A Mandrágora”. A frase serve para reforçar o conteúdo atemporal dos textos. Maquiavel concluiu sua obra em 1503, três anos depois do Descobrimento do Brasil. “A Megera”, de Shakespeare, foi escrita entre 1593 e 1594.
Segundo o diretor do Tapa, Eduardo Tolentino de Araújo, 37 anos, “A Megera” mostra como o machismo no Ocidente atravessou os séculos e continua em voga nos dias de hoje, forçando uma submissão das mulheres nas sociedades. Na peça, a truculência de Petrúquio diante da ferina Catarina termina em uma relação de serva e senhor. Ela, encarnada em sua ideologia feminista roxa, sucumbe ao estilo bateu-levou dele. Um laço, é claro, edulcorado pelo interesse mercantilista do pai de Catarina, que cede a mão da filha em troca dos dotes pertencentes ao futuro genro.
Na maquiavélica “A Mandrágora”, Tolentino enxerga uma metáfora da conquista da mulher como se fosse o poder. “A matéria da História é escabrosa”, dispara o diretor, referindo-se aos fatos de política rasteira que permeiam a humanidade. A encenação resume-se nas tramóias de Calímaco, um conquistador barato que arrisca sua própria cabeça para passar uma noite com a bela Lucrécia, a mulher do bem-nascido Messer Nícia.
A retomada do teatro clássico é uma realidade em 1992. “Acredito que até quando for construída uma estação intergaláctica, os textos clássicos continuarão a ser encenados lá em cima”, brinca Tolentino, um dos fundadores do Tapa, em 1973, no Rio de Janeiro.
Domiciliado em São Paulo há seis anos, o grupo já levou ao palco “Viúva, Porém Honesta” (Nelson Rodrigues), “Solness, o Construtor” (Henrik Ibsen) e “As Raposas do Café”, entre outras montagens. O Tapa, hoje, consolida-se como um dos melhores grupos do país.
Elenco sua em maratona no palco
A maioria do atores do Tapa atuam nas duas peças. Desde que estrearam as montagens, no final do ano passado, o grupo se empenha em uma verdadeira maratona. De quarta a domingo apresenta “A Megera Domada”. Na terça e na primeira sessão de quarta, é a vez de “Mandrágora”. Ou seja, o elenco só descansa às segundas-feiras. Para manter o fôlego, os atores são submetidos a um intenso trabalho de preparação corporal, com aulas de tai chi chuan, esgrima, florete e até luta corpo a corpo, entre outras atividades. Tudo em nome da arte.