5.7.1998 | por Valmir Santos
O Diário de Mogi – Domingo, 05 de julho de 1998. Caderno A – 4
Livro “Primeiro Ato” reúne textos publicados pelo ator e diretor do Oficina entre 58 -74
VALMIR SANTOS
São Paulo – José Celso Martinez Corrêa, ou simplesmente Zé Celso, é daqueles poucos que se entregam de corpo e alma ao teatro, sem concessões. Já lhe pespegaram adjetivos de toda sorte -subversivo, preguiçoso, pornográfico, para citar alguns. Mas Zé Celso é refratário a ataques, sobretudo àqueles investidos de ódio pequeno-burguês. Ele se esquivou desde picuinhas da classe à perseguição cerrada do regime militar. O que sobressai nos 40 anos do Oficina, hoje Cia. Uzyna Uzona, é a coerência ideológica e estética do ator e diretor e um dos fundadores do grupo.
Os primeiros 16 anos do Oficina são tema do livro “Primeiro Ato – Cadernos, Depoimentos, Entrevistas (1958-1974)”, um apanhado do que Zé Celso escreveu naquele período. Sob organização de Ana Helena Camargo de Staal, a obra apresenta uma base documental e histórica que ecoa o esforço e a persuasão do diretor do Oficina em registrar a sua época.
Claro, Zé Celso traduziu a sua época, antes de mais nada, no palco, na celebração dos espetáculos que constituem, ontem e hoje, sempre uma experiência particular a cada noite. Mas a maneira como ele deixa jorrar as palavras no papel tem muito a ver com sua conduta no ensaio ou na apresentação em sim. Seus textos, mesmo quando em tom de protesto, de conclamação, resultam em poesia visceral, esponjosa, desconexa.
Ainda que vá direto à ferida, como na carta aberta ao crítico Sábato Magaldi, por ocasião da montagem de “Gracias, Señor” (1972), ainda assim, Zé Celso não perde a graça. Perde a piada, mas não a alegoria.
Os textos, alguns semi-catataus, foram publicados em jornais ou revistas especializados em teatro; na imprensa comum ou, ainda, fruto de depoimentos a estudantes. Ou melhor, nem sempre foram efetivamente publicados. “SOS”, por exemplo, o manifesto lançado logo após a invasão do Teatro Oficina, pela polícia, em 20 de abril de 1974, foi recusado pelas redações de todo o Brasil (e surge aqui, na íntegra, numa das passagens mais contundentes).
Zé Celso discorre também sobre as diferentes escolas. Rodeado por atores de peso, como Renato Borghi, Etty Fraser, Fauzi Arap, Célia Helena etc, o diretor assila o método do russo Stanislavsky, por exemplo, mas não o toma por inteiro e definitivo. Bom antropófago, ele prefere a mistura de técnicas a partir de uma realidade tupiniquim. O mesmo se dá em relação aos americanos do Living Theatre com o happening, com o qual a crítica chegou a rotular o trabalho do Oficina.
Ao final de “Primeiro Ato”, temos uma aula de resistência. Impressiona como Zé Celso e seus atores “vudizaram”, como ele gosta de dizer, todos os entraves que surgiram no caminho do Oficina em seus primeiros anos – desde truculências até o incêndio do teatro, passando pela pindaíba da trupe. O livro fundamenta a religião teatral que arrebanhou todos que, um dia, pisaram no terreno da rua Barão de Jaceguai, Bela Vista.
Primeiro Ato – Cadernos, Depoimentos, Entrevistas (1958-1974) – De José Celso Martinez Corrêa. Seleção, organização e notas: Ana Helena Camargo de Staal. Editora 34 (tel. 816-6777). 335 páginas. R$ 29,00.