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O Diário de Mogi

Texto e atuações consolidam “Rancor”

1.4.1993  |  por Valmir Santos

O Diário de Mogi – Quinta-feira, 01 de abril de 1993.   Caderno A – capa

Frias Filho e o trio Bete-Mamberti-Borghi resultam em boa peça

 

VALMIR SANTOS 

Otavio Frias Filho é, definitivamente, um dos novos talentos da estancada dramaturgia nacional. Depois de “Típico Romântico”, com uma montagem regular ano passado, seu segundo texto em cartaz, “Rancor”, confirma o pleno domínio da palavra. Corta, intera, incomoda. “Ninguém sobrevive ao peso da palavra”, brada o personagem Leon, a certa altura do espetáculo. É isso mesmo.

A trama de “Rancor” é primorosa. Trata do embate entre Berucci, o arcaico crítico de arte, e seu pupilo Leon, inconformado com o passadismo, a falta de idéias. Como pano de fundo, paira a questão do fim do estoque de criação da humanidade. O repertório acabou? Não é uma obra, seja ela qual for, sem se deixar influenciar?

Frias Filho deixa patente a inspiração do livro “A Angústia da Influência”, do crítico americano Harold Bloom, citado em cena. “Rancor” é também Nelson Rodrigues. O dramaturgo está presente no cenário, quando este se transforma em uma redação de jornal; e no texto, quando Berucci repete uma frase carimbada do autor de “Vestido de Noiva”: “Sou uma múmia com todos os achaques de uma múmia”.

O elenco é outra virtuose. Ex-Dry Opera Company (leia-se Gerald Thomas), Bete Coelho retorna ao palco – felizmente – depois de uma breve passagem na tela da Globo. Ela faz Leon, o quinto personagem masculino da carreira, batizado pela própria – Frias Filho não havia definido um nome. A atriz influenciou bastante a direção de Jayme Compri. O recurso de movimentar ritualisticamente os atores em plano de fundo, enquanto se dá um diálogo à frente, lembra Thomas. Aliás, a iluminação de Guilherme Bonfanti e cenário de Felipe Tassara, ex-assistente de Daniela Thomas, não fogem à regra do jogo.

“Rancor” pulsa ainda com Sérgio Mamberti (Berucci) e Renato Borghi (o sanguessuga jornalista Dadá). As distintas escolas de formação dos três principais atores da peça não implicam perda. Ao contrário, a tríade Bete-Mamberti-Borghi dá a base necessária. Juntando uma polêmica intelectual que chega em boa hora, sem prejuízo do trabalho de ator e do potencial cênico, “Rancor” é uma das melhores estréias deste ano, até aqui.

 

Rancor – De Otavio Frias Filho. Direção: Jayme Compri. Com Bete Coelho, Sérgio Mamberti, Renato Borghi, Roberto Moreno e Muriel Matalon. De quinta a sábado, 21h; domingo, 20h. Teatro Ruth Escobar (rua dos Ingleses, 209, tel. 289-2358). Ingressos: Cr$ 60 mil (quinta) e Cr$ 120 mil. Até 30 de maio.

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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