O Diário de Mogi
25.11.1995 | por Valmir Santos
O Diário de Mogi – Sábado, 25 de novembro de 1995. Caderno A – capa
Ela dirige e atua em “Antony & Cleopatra”, de Shakespeare, que tem última apresentação hoje na Capital; estrela do cinema, também atinge no teatro condição de artista superior
VALMIR SANTOS
A Moving Theatre, companhia inglesa da atriz Vanessa Redgrave, encerra hoje em São Paulo a temporada de “Antony & Cleopatra”. A peça de William Shakespeare, escrita no início do século 17, ganhou uma montagem sintonizada com o panorama mundial contemporâneo, aludindo aos conflitos internacionais que matam milhares.
É pano de fundo presente em várias peças do bardo inglês (“Macbeth”, “A Tempestade”). Shakespeare sempre fez o cruzamento entre o particular e o universal; o contexto demasiado humano em sintonia com a máquina do mundo (ao bel prazer das disputas, das vicissitudes dos reis, autoridades).
Em “Antony & Cleopatra”, a paixão do romano Marco Antonio (David Harewwod) pela rainha egípcia é sucumbida diante das traições de Cleopatra e, sobretudo, da insurgência da intolerância e do totalitarismo.
Passando boa parte do espetáculo descalça, metida em calças, Vanessa é a principal estrela da companhia, obviamente. O que encanta, porém, é justamente a rejeição do holofote. Na condição de atriz maior, não “apaga” os demais atores do talentoso elenco.
Sua Cleopatra brilha na emoção e no riso, onde um olhar, um pequeno gesto cativam tanto quanto poder da palavra em Shakespeare. Como pede a tradição inglesa, a Moving Theatre dispõe de um excelente trabalho de voz.
O cenário de Simon Beresford busca a neutralidade do tempo/espaço. Tudo rústico, com tons de ferrugem. Três planos (escadas, varanda). É no casamento com a luz (Jim Simmons) que as cenas ganham intensidade, seja no massacre das guerras (quase em off), seja no embate entre personagens tão marcantes.
Vanessa, 58 anos, cerca de 40 deles dedicados ao palco, absorve o mito com maturidade, sem vislumbre. Tinha tudo para seguir o caminho hollywoodianamente contrário, pois a carreira no cinema tem igual reconhecimento (“Blow-Up, Depois Daquele Beijo”, de Antonioni, “Os Demônios”, Ken Russel, “A Casa dos Espíritos”, Bille August, para citar alguns). Felizmente, é no palco, aqui também dirigindo, que explicita a condição de artista completa.
Antony & Cleopatra – De William Shakespeare. Direção: Vanessa Redgrave. Com a Moving Theatre (Aicha Kossoko, Etela Pardo, Howard Saddler, Nick Waring, Ewar James-Walters, Ariyon Bakare e outros). Última apresentação hoje, 21h. Teatro Sesc Anchieta (rua Dr. Vila Nova, 245, tel. 256-2281). R$ 40,00 e R$ 20,00. 180 minutos (incluindo intervalo de 20 minutos).
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.