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Folha de S.Paulo

“Idade da Ameixa” põe tempo na gangorra

9.4.2005  |  por Valmir Santos

São Paulo, sábado, 09 de abril de 2005

TEATRO 
Chega a São Paulo montagem mineira da peça do argentino Aristides Vargas, sob direção de Guilherme Leme

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local

Três peças de Mário Bortolotto em cartaz na cidade. Talvez signifique pouco para quem já realizou mostras com 14, 26 textos e ainda prepara uma outra com 30, para maio, no Centro Cultural São Paulo, iniciativa do seu grupo Cemitério de Automóveis e de dezenas de atores convidados.
Os admiradores e aqueles que ainda não conhecem esse dramaturgo paranaense podem encontrá-lo em três regiões da cidade: “Fuck You, Baby”, no centro, “A Lua É Minha”, na zona leste, e “Homens, Santos e Desertores”, na zona oeste.
Nesta última, Bortolotto, 42, também atua sob direção de Fernanda D’Umbra. “Fuck You, Baby” é um projeto da Cia. Teatro X, e “A Lua É Minha” tem direção de Zecarlos Machado, do Tapa.
“Acho que já escrevi de 45 a 50 peças. Preciso parar para contar. E tenho várias idéias para outras. É só beber menos e ficar em casa de madrugada, escrevendo”, diz o dono do blog http://atirenodramaturgo.zip.net.
Folha – Você costuma dirigir seus textos. Gosta de ser encenado por outros?
Mário Bortolotto – Gosto, em princípio. Nem sempre fico satisfeito com as encenações. Muitas vezes acontece de o diretor não ter a menor afinidade com o universo dos meus textos e acabar fazendo besteira. Mas às vezes acontecem encenações maneiras e sintonizadas com meu pensamento.
Folha – Você vê relação entre as três peças em cartaz?
Bortolotto – Claro que sim. É o meu universo, a minha abordagem, a mesma maneira de mexer com o bisturi verborrágico em assuntos que me instigam há muito tempo. “Fuck You, Baby” é uma peça dos anos 80, em que eu abuso de um vocabulário pop, meio pós-moderno, meio cartum, para contar a história da garota que foge de casa e cai na vida.
Já “A Lua É Minha”, que é de 1994, é um texto no qual falo de impotência criativa. Qual escritor ou artista que não passou por isso? Eu uso a figura do artista plástico como personagem principal porque, na época, eu estava fissurado em artes plásticas.
“Homens, Santos e Desertores”, que foi escrita em 2002, é uma peça particularmente muito cara à minha dramaturgia por eu estar começando a investigar e mexer em feridas delicadas. Tem a ver com uma atitude de: “Foda-se. As coisas precisam ser ditas”. Eu não estou medindo conseqüências com a minha dramaturgia.
Folha – Em “Homens, Santos e Desertores”, é você quarentão conversando com você moleque?
Bortolotto – Não. Não é bem isso. Uma parte talvez. É sempre uma parte só. Em qualquer criação artística é assim. Uma parte é o autor, a outra é onde sua vista alcança, até onde consegue ouvir, apesar de toda a polifonia urbana.
Folha – Quase toda a sua dramaturgia está publicada. Isso é raro no Brasil, sobretudo com um autor contemporâneo.
Bortolotto – Antes, ligavam e eu tinha que ficar xerocando e mandando pelo correio. Hoje, a pessoa vem e compra os livros.

As irmãs Eleonora e Celina fiam-se nas lembranças da mãe Francisca, das tias Jacinta e Vitória, da avó Maria, das tias-avós Adriática e Gumercinda e de Branquinha, a criada. Todas passaram pela sombra da ameixeira no quintal da velha casa, árvore que, quando florida, anuncia se o fruto dá vinho ou vinagre, conforme a sábia intuição de seus donos.

Uma espécie de gangorra entre o tempo que avinagra e o tempo que aconchega no peito, “A Idade da Ameixa”, peça do argentino Aristides Vargas, ganha montagem mineira que começa temporada a partir de hoje no Tucarena.

A dramaturgia de Vargas, 51, é plena em referências ao realismo mágico que pontuou a literatura latino-americana a partir dos anos 50 (Gabriel García Márquez, Júlio Cortazar etc). Em 2003, Vargas esteve em festivais de Belo Horizonte e São José do Rio Preto com outro texto seu, “Nuestra Señora de las Nubes”. Contracena com a mulher María del Rosario Francés, com quem fundou o grupo Malayerba (1979) em Quito, no Equador, onde vivem.

Em 2000, uma montagem argentina de “La Edad de la Ciruela” passou pela mostra paralela do Festival de Curitiba (cia. Sobretabla, dirigida por Walter Neira).

Agora, a versão brasileira de “A Idade da Ameixa” chega por meio dos atores mineiros Ílvio Amaral e Maurício Canguçu, sob direção de Guilherme Leme, ator paulista que mora há 18 anos no Rio.

“Sou um diretor ainda engatinhando”, diz Leme, 44. Porém, soma 25 anos como intérprete no teatro, TV e cinema, experiência que espera colocar a favor da encenação. Ele desvia de realismos. Guia-se pelo tom lírico, poético que emana do texto de Vargas.

“Alguma vez você ouviu uma borboleta batendo asas dentro de uma garrafa?”, pergunta vó Gumercinda. Em outra passagem, tia Adriática diz que voa do alto da ameixeira feito anjo.

“Nossas avós tinham uma maneira muito particular de se machucarem. Creio que as feridas entre nós viajam em malas, e cada mulher daquela casa tinha sua própria mala”, escreve Eleonora a Cecília, conforme tradução de Orlando Ouribe.

A troca de cartas acessa o presente na narrativa. Hoje na melhor idade, as irmãs rememoram através de uma escrita que se transforma em diálogos no passado remoto ou distante, conforme o vai-e-vem de planos da peça.

Os dois atores fazem todos os papéis. Amaral e Canguçu são comediantes, parceiros há 16 anos em Belo Horizonte. Também podem ser vistos no Teatro Folha em “A Saga da Senhora Café”, dirigida por Marília Pêra.

Leme aposta que a bagagem cômica serve ao registro mais intimista de “Ameixa”. O diretor diz que elege o trabalho de ator como eixo em meio à nostalgia que nem sempre tem sentido.

A equipe inclui a cenografia do artista plástico Fernando Velloso, os figurinos de Teresa Bruzzi e Alexandre Rousset e a iluminação de Pedro Pederneiras, todos ligados ao Grupo Corpo. O músico Ladstom do Nascimento criou a trilha. Dudude Herrmann e Heloisa Domingues cuidaram da preparação corporal. 



A Idade da Ameixa
Onde:
 Tucarena (r. Monte Alegre, 1.024, Perdizes, tel. 0/XX/11/3670-8453) 
Quando: estréia hoje, às 21h; sáb., às 21h; dom., às 19h; até 29/5 
Quanto: R$ 12,50 a R$ 25
 

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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