Folha de S.Paulo
22.12.2005 | por Valmir Santos
São Paulo, quinta-feira, 22 de dezembro de 2005
TEATRO
Grupo faz ensaio aberto amanhã de “A Luta – Parte 2”; Zé Celso prepara rito para lembrar irmão assassinado em 1987
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
O grupo Oficina Uzyna Uzona se aproxima do final de sua epopéia musical e coral “Os Sertões”, a “transcriação” para a cena do romance de Euclydes da Cunha, projeto iniciado em 2001.
Acontece amanhã no teatro Oficina, em São Paulo, ensaio aberto de “A Luta – Parte 2”. O espetáculo deve estrear em março.
Serão apresentadas cenas iniciais da narrativa em que a quarta e derradeira expedição do Exército chacina os sertanejos prisioneiros, toma o arraial de Canudos (BA) e põe fogo em 5.200 casebres, conforme Cunha descreve o episódio de 1897.
Em suma, uma guerra entre o fanatismo político (em nome da ordem da recém-nascida República) e o fanatismo religioso (liderado por Antônio Conselheiro, o antagonista que foi decapitado).
Para transformar aquela “sinistra trincheira de corpos” em “desmassacre”, o ator, diretor e dramaturgo José Celso Martinez Corrêa, 68, intérprete de Conselheiro, deseja ensaiar “com” e não “para” o público.
Quer radicalizar o papel das “pequena multidões” que vão ao Oficina. “A multidão é um sujeito fundamental nas lutas sociais de que o Brasil efetivamente precisa”, diz Zé Celso. Dessa mobilização dependeria “o fim dos genocídios em nossos tempos”.
O diretor vê paralelos dessa transcendência do massacre de Canudos com “vitórias culturais” como a ocupação de trecho do rio Tietê pelo grupo Teatro da Vertigem (“BR3”), na zona norte, “um rio morto que está ganhando vida nova”; e a ocupação da praça Franklin Roosevelt, na região central, pelo grupo Os Satyros, que encampa renascimento do espaço público cuja arquitetura é tão opressora quanto o regime militar em que veio à luz, em 1970.
“Isso faz parte do teatro em São Paulo. Enfrentamos situações limites para dar vida a elas. Quando nos deparamos com o fim do barbante, a derrapada final, vem o eterno retorno da vida.”
“A Luta: Parte 1” conquistou este ano o Prêmio Bravo! Prime de Cultura como melhor espetáculo e deu a Zé Celso o troféu de melhor diretor pela APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte).
Zé Celso não deixa de lembrar da peleja com o Grupo Silvio Santos nos últimos anos por causa da construção de um shopping no entorno do teatro. Luta para que o projeto arquitetônico dialogue com o Oficina, contemple um teatro de estádio “para multidões”, como os de futebol.
Irmão
Tornou-se um rito colado à semana de Natal. Pelo 17º ano consecutivo, o grupo Oficina quer cultuar alegria e renascimento no seu teatro para lembrar o assassinato do ator e diretor Luis Antônio Martinez Corrêa (1950-87), irmão de Zé Celso.
Por isso, a data e horário para o ensaio aberto de “A Luta – Parte 2”, amanhã.
No dia 23 de dezembro de 1987, por volta das 14h30, Luis Antônio morreu num apartamento do Rio de Janeiro. Levou cerca de cem facadas de um garoto de programa. O crime chamou a atenção para a homofobia no Brasil.
O ensaio de “A Luta – Parte 2” terá participação do cantor e compositor Celso Sim. Ele interpretará um dos poemas musicados por Caetano Veloso (“O Amor”) para a trilha da peça “O Percevejo”, de Vladimir Maiakóvski, encenada por Luis Antônio em 1981.
Na época de sua morte, tinha duas peça em cartaz, “Theatro Musical Brazileiro – Parte 2” e “Taniko, o Rito do Vale”, texto nô do japonês Komparu Zenchiku. Luis Antônio estreou profissionalmente em 1972, como ator e assistente de Zé Celso em “Gracias, Señor”, criação coletiva.
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.