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Folha de S.Paulo

Brook encena perda de identidade e segregação

28.8.2006  |  por Valmir Santos

São Paulo, segunda-feira, 28 de agosto de 2006

TEATRO 

Peça da companhia do diretor inglês mostra luta de imigrante por passaporte
 

Protagonista lembra que, além de africanos, famílias da Europa Oriental e do Oriente Médio também sofrem ao mudar de país

 
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local 

Na arte, criar formas simples e destiná-las com significação ao outro é sempre um desafio. 

Peter Brook submete-se a ele com mais profundidade desde os anos 1970, quando viajou à África com o seu Centro Internacional de Criação Teatral. 

O espetáculo “Sizwe Banzi Está Morto” -que faz sessões de amanhã a quinta-feira, no Sesc Anchieta, em São Paulo, com ingressos esgotados- é exemplar de como a riqueza da cultura e a resistência popular daquele continente influenciam o trabalho do encenador inglês -que também já se arriscou na direção cinematográfica (em “Encontro com Homens Notáveis” e “O Mahabharata”), e na literatura (“Fios do Tempo”, “A Porta Aberta”). Desta vez, o londrino Brook, 81, não vem ao Brasil. Desde 2000, suas produções recentes são vistas no RS, MG, SP e RJ. 

Nelas, as cenas são como que conformadas a uma arena, mesmo quando em platéia frontal, com pleno potencial para envolver a platéia. Era assim em “O Traje” (Le Costume), “A Tragédia de Hamlet” e “Tierno Bokar”. A ênfase numa voz narradora acentua ainda mais a noção de uma roda de contadores de história, símbolo da transmissão oral africana. 

Em “Sizwe Banzi”, dá-se igual despojamento. Há poucos objetos em cena. São mínimas as variações de luz. Para ter idéia, no Festival de Avignon, no mês passado, o espetáculo foi encenado ao ar livre. 

Dois africanos francófonos representam a história de um trabalhador imigrante às voltas com a segregação racial do Estado nos anos 70. 

Não à toa, a peça foi escrita em 1976, ano do levante estudantil contra o regime. E a seis mãos -pelo trio sul-africano Athol Fugard, John Kani e Winston Ntshona. O entrecho político é a obrigatoriedade de passaporte para circular nos guetos. O drama de Banzi é que só obterá o documento e trabalhar para sustentar sua família se provar que está morto. 

A perda de identidade é retratada na interpretação de Habib Dembélé, o “Guimba”, ator e dramaturgo nascido no Mali, e Pitcho Womba Konga, cujo congolês radicado na Bélgica. 

Konga, que vive Banzi, é cantor de hip hop desde os anos 1980 e já lançou álbuns independentes. Nos últimos anos, segue em carreira paralela com a companhia de Brook. 

“Naturalmente, a peça tocou-me profundamente, porque também faz parte da minha história”, diz Konga à Folha. “Os imigrantes viajam para encontrar um lugar melhor, mas, às vezes, enfrentam condições muito difíceis. Isso não diz respeito somente aos povos negros da África mas também à Europa Oriental, ao Oriente Médio.” 

Segundo Pitcho, a peça ensina como lidar com a diferença. “O que você deve fazer para ser aceito, para ter boas condições de vida. Felizmente, o apartheid não acontece sempre, o que não significa que os problemas tenham desaparecido.” 



Sizwe Banzi está morto 
Quando:
amanhã e qui., às 19h e 22h; qua., às 21h (convidados) 
Onde: teatro Sesc Anchieta (r. Dr. Vila Nova, 245, tel. 0/ xx/11/3234-3000) 
Quanto: ingressos esgotados 

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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